sábado, 9 de março de 2024

Quem escolhe a instituição que será beneficiada com os valores da prestação pecuniária ajustada no ANPP?

Imagine a seguinte situação hipotética:

João praticou o crime de dano qualificado, delito previsto no art. 163, parágrafo único, III, do Código Penal:

Art. 163. Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia:

(...)

Dano qualificado

Parágrafo único. Se o crime é cometido:

(...)  

III - contra o patrimônio da União, de Estado, do Distrito Federal, de Município ou de autarquia, fundação pública, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviços públicos;

(...)

Pena - detenção, de seis meses a três anos, e multa, além da pena correspondente à violência.

 

O Ministério Público do Estado, constatando a presença dos requisitos do art. 28-A do CPP, ofereceu proposta de acordo de não persecução penal (ANPP), que foi aceito por João.

Uma das condições estabelecidas no ANPP foi a de que João deveria pagar prestação pecuniária no valor de um salário-mínimo, a ser destinado à Fundação Bem Viver.

O juiz não homologou o ANPP sob o argumento de que no acordo não deve constar o nome da entidade destinatária da prestação pecuniária, considerando que isso deve ser decidido pelo Juízo da Execução Penal, nos termos do inciso IV do art.  28-A do CPP:

Art. 28-A. (...)

IV - pagar prestação pecuniária, a ser estipulada nos termos do art. 45 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), a entidade pública ou de interesse social, a ser indicada pelo juízo da execução, que tenha, preferencialmente, como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito; ou

 

O Ministério Público não concordou interpôs recurso em sentido estrito.

O Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso e confirmou a decisão que deixou de homologar o ANPP.

Ainda inconformado, o Ministério Público interpôs recurso especial.

Argumentou que não caberia ao Poder Judiciário negar a homologação do ANPP livremente pactuado entre o Ministério Público e o investigado, cerceando a escolha realizada por estes.

 

O STJ deu provimento ao recurso do Ministério Público?

NÃO.

Segundo o art. 28-A, IV, do CPP o ANPP pode envolver o pagamento de prestação pecuniária, cujo destino será determinado pelo juízo da execução penal, preferencialmente a uma entidade pública ou de interesse social que proteja bens jurídicos semelhantes aos lesados pelo delito.

A literalidade da norma de regência indica que, embora caiba ao Ministério Público a propositura do ANPP, a partir da ponderação da discricionariedade do Parquet como titular da ação penal, compete ao Juízo da Execução a escolha da instituição beneficiária dos valores.

Vale ressaltar que, recentemente, o STF declarou a constitucionalidade do art. 28-A, do CPP, inclusive deste inciso IV (STF. Plenário. ADI 6.305/DF, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 24/08/2023. Info 1106).

Portanto, não há dúvidas de que esse dispositivo legal deverá ser cumprido.

 

Em suma:

Compete ao Juízo da Execução Penal a escolha da instituição beneficiária dos valores da prestação pecuniária ajustada no acordo de não persecução penal. 

STJ. 5ª Turma. AREsp 2.419.790-MG, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 6/2/2024 (Info 800).


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