quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Em uma ação de reintegração de posse, o fato de morarem menores de idade no imóvel objeto da lide faz com que seja obrigatória a intervenção do MP?



ATUAÇÃO DO MP NO PROCESSO CIVIL

Noções gerais
O Ministério Público atuará na defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses e direitos sociais e individuais indisponíveis (art. 176 do CPC 2015).
O Ministério Público exercerá o direito de ação em conformidade com suas atribuições constitucionais (art. 177 do CPC 2015).
No processo civil, o Ministério Público poderá atuar como:
• parte (ex: propondo uma ACP); ou
• como fiscal da ordem jurídica (custos legis).

Obs: o CPC 1973 falava em "fiscal da lei"; já o CPC 2015 preferiu a expressão "fiscal da ordem jurídica".

Prazo em dobro
O Ministério Público gozará de prazo em dobro para manifestar-se nos autos, que terá início a partir de sua intimação pessoal, que pode ser feita por carga, remessa ou meio eletrônico.
Não se aplica o benefício da contagem em dobro quando a lei estabelecer, de forma expressa, prazo próprio para o Ministério Público.

Responsabilidade
O membro do Ministério Público será civil e regressivamente responsável quando agir com dolo ou fraude no exercício de suas funções (art. 181 do CPC 2015).

MP COMO CUSTOS LEGIS

Hipóteses
O CPC prevê as hipóteses em que o Ministério Público deverá atuar mesmo não sendo o autor:

CPC 1973
CPC 2015
Art. 82. Compete ao Ministério Público intervir:
I — nas causas em que há interesses de incapazes;
II — nas causas concernentes ao estado da pessoa, pátrio poder, tutela, curatela, interdição, casamento, declaração de ausência e disposições de última vontade;
III — nas ações que envolvam litígios coletivos pela posse da terra rural e nas demais causas em que há interesse público evidenciado pela natureza da lide ou qualidade da parte.
Art. 178.  O Ministério Público será intimado para, no prazo de 30 (trinta) dias, intervir como fiscal da ordem jurídica nas hipóteses previstas em lei ou na Constituição Federal e nos processos que envolvam:
I - interesse público ou social;
II - interesse de incapaz;
III - litígios coletivos pela posse de terra rural ou urbana.
Parágrafo único. A participação da Fazenda Pública não configura, por si só, hipótese de intervenção do Ministério Público.

Atentem para a redação do art. 178 do CPC 2015 porque será exaustivamente exigida em provas, especialmente o parágrafo único.

Atuação
Nos casos de intervenção como fiscal da ordem jurídica, o Ministério Público:
I - terá vista dos autos depois das partes, sendo intimado de todos os atos do processo;
II - poderá produzir provas, requerer as medidas processuais pertinentes e recorrer.

Obs: findo o prazo para manifestação do Ministério Público sem o oferecimento de parecer, o juiz requisitará os autos e dará andamento ao processo (art. 180, § 1º do CPC 2015).

Consequência caso o MP não tenha sido intimado
É nulo o processo quando o membro do Ministério Público não for intimado a acompanhar o feito em que deva intervir (art. 279 do CPC 2015 / art. 246 do CPC 1973).
Se o processo tiver tramitado sem conhecimento do membro do Ministério Público, o juiz invalidará os atos praticados a partir do momento em que ele deveria ter sido intimado.
A nulidade só pode ser decretada após a intimação do Ministério Público, que se manifestará sobre a existência ou a inexistência de prejuízo.

Feitos os devidos esclarecimentos, imagine a seguinte situação adaptada:
Determinado banco ajuizou ação de reintegração de posse contra Maria pedindo que o imóvel onde ela reside com seus dois filhos menores fosse desocupado, já que ela não teria pago as prestações do financiamento realizado.
O juiz julgou o pedido procedente, tendo ocorrido a reintegração.
Após o trânsito em julgado, o Ministério Público ajuizou ação rescisória aduzindo a nulidade do processo considerando que o feito envolveria interesse de incapazes (pessoas menores de 18 anos) e não houve intimação do Parquet para atuar como fiscal da ordem jurídica.

No caso concreto, o pedido do MP deve ser aceito? O fato de morarem menores de idade no imóvel faz com que seja obrigatória a intervenção do MP na ação reintegração de posse?
NÃO. O fato de a ré residir com seus filhos menores no imóvel não torna, por si só, obrigatória a intervenção do Ministério Público (MP) em ação de reintegração de posse.
Segundo prevê o CPC, o MP deve intervir nas causas em que houver interesse de incapazes, hipótese em que deve diligenciar pelos direitos daqueles que não podem agir sozinhos em juízo. Logo, o que legitima a intervenção do MP nessas situações é a possibilidade de desequilíbrio da relação jurídica e eventual comprometimento do contraditório em função da existência de parte absoluta ou relativamente incapaz. Nesses casos, cabe ao MP aferir se os interesses do incapaz estão sendo assegurados e respeitados a contento, seja do ponto de vista processual ou material.
Na hipótese em tela, a ação de reintegração de posse foi ajuizada tão somente contra a genitora dos menores, não veiculando, portanto, pretensão em desfavor dos incapazes, já que a relação jurídica subjacente em nada tangencia a estes. A simples possibilidade de os filhos - de idade inferior a dezoito anos - virem a ser atingidos pelas consequências fáticas oriundas da ação de reintegração de posse não justifica a intervenção do MP no processo como custos legis.
O STJ entendeu que o interesse dos menores na causa é meramente reflexo. Não são partes ou intervenientes no processo, tampouco compuseram qualquer relação negocial.
Se a tese do MP fosse aceita, ele deveria intervir em toda e qualquer ação judicial relacionada a imóveis em que residem crianças ou adolescentes, o que seria um desvirtuamento da sua missão constitucional.
Dessa maneira, não havia, no caso concreto, razão jurídica para intervenção do MP.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.243.425-RS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 18/8/2015 (Info 567).



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