sábado, 15 de fevereiro de 2020

Mesmo que na sentença condenatória não tenha constado expressamente que o réu é reincidente, o juízo da execução penal poderá reconhecer essa circunstância



Reincidência influencia na concessão de benefícios da execução penal
Se o condenado é reincidente ele terá requisitos mais gravosos no momento de receber eventuais benefícios na execução penal.
É o caso, por exemplo, da progressão de regime.
Se o condenado por crime cometido sem violência à pessoa ou grave ameaça for primário, ele poderá progredir após cumprir 16% da pena. Por outro lado, se for reincidente, terá que cumprir 20% da pena. É o que preveem os incisos I e II do art. 112 da LEP:
Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos:
I - 16% (dezesseis por cento) da pena, se o apenado for primário e o crime tiver sido cometido sem violência à pessoa ou grave ameaça;
II - 20% (vinte por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime cometido sem violência à pessoa ou grave ameaça;
(...)

Suponhamos que na sentença condenatória não constou que o apenado é reincidente. O juízo da execução, contudo, na fase de cumprimento da pena, percebeu que o condenado é reincidente. O juízo da execução penal poderá reconhecer essa circunstância negativa no momento de analisar se concede ou não os benefícios (ex: progressão)? Para facilitar o entendimento, imagine a seguinte situação hipotética:
Em 2015, João praticou o crime “A”, tendo sido condenado em 2016, com trânsito em julgado.
Em 2017, João cometeu o crime “B”, tendo sido condenado em 2018, com trânsito em julgado.
O juízo que condenou João pelo crime “B” deveria ter reconhecido que ele é reincidente. Contudo, isso não constou expressamente na sentença.
Diante disso, na guia de execução penal de João ficou registrada a informação de que ele seria primário.
João iniciou o cumprimento da pena. O juízo da execução penal percebeu que o apenado é reincidente e que o atestado de pena está errado (consta que o condenado é primário).

O juízo da execução penal poderá determinar a retificação do atestado de pena e considerar, para todos os efeitos, que o condenado é reincidente mesmo isso não tendo constado expressamente na sentença?
SIM.
Na condução da execução penal, o magistrado deverá fazer cumprir aquilo que consta na sentença (título executivo penal) a respeito do quantum da pena, do regime inicial, bem como do fato de ter sido a pena privativa de liberdade substituída ou não por restritiva de direitos.
Por outro lado, as condições pessoais do condenado, como, por exemplo, a reincidência, podem e devem ser analisadas pelo juízo da execução penal, independentemente de tal condição ter sido considerada na sentença condenatória. Isso porque é também atribuição do juízo da execução individualizar a pena.
Conforme explica a doutrina:
“A individualização da pena no processo de conhecimento visa aferir e quantificar a culpa exteriorizada no fato passado. A individualização no processo de execução visa propiciar oportunidade para o livre desenvolvimento presente e efetivar a mínima dessocialização possível. Daí caber à autoridade judicial adequar a pena às condições pessoais do sentenciado.” (BARROS, Carmen Silvia de Moraes. A Individualização da Pena na Execução Penal. São Paulo: RT, 2001, p. 23).

A individualização da pena se realiza, essencialmente, em três momentos:
a) na cominação da pena em abstrato ao tipo legal, pelo Legislador;
b) na sentença penal condenatória, pelo Juízo de conhecimento; e
c) na execução penal, pelo Juízo das Execuções.

O reconhecimento da reincidência apenas pelo juízo da execução penal representaria reformatio in pejus ou afronta à coisa julgada?
NÃO. Isso porque não há desrespeito ao comando da sentença considerando que não haverá o agravamento da pena estabelecida no título executivo nem modificação do regime inicial para um mais severo.
O reconhecimento da reincidência ocorrerá para fins de progressão de regime, livramento condicional e outros institutos diretamente ligados à execução penal e que não são tratados na sentença condenatória.
O reconhecimento da reincidência no processo de conhecimento possui fins específicos, quais sejam, agravar a pena e trazer mais rigor ao regime prisional inicial.
O reconhecimento da reincidência no processo de execução tem outras finalidades, que estão diretamente relacionadas com os benefícios do cumprimento da pena.
Assim, a intangibilidade da sentença penal condenatória transitada em julgado não retira do Juízo das Execuções Penais o dever de adequar o cumprimento da sanção penal às condições pessoais do réu.

Em suma:

O Juízo da Execução pode promover a retificação do atestado de pena para constar a reincidência, com todos os consectários daí decorrentes, ainda que não esteja reconhecida expressamente na sentença penal condenatória transitada em julgado.
STJ. 3ª Seção. EREsp 1.738.968-MG, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 27/11/2019 (Info 662).


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