domingo, 3 de abril de 2022

A qualificadora prevista no art. 129, § 2º, IV, do Código Penal (deformidade permanente) abrange somente lesões corporais que resultam em danos físicos

 

Imagine a seguinte situação adaptada:

Felipe, estudante universitário, foi suspenso em razão de uma transgressão disciplinar.

Inconformado com a punição, Felipe foi conversar com o professor coordenador do curso.

O professor disse que iria manter a suspensão, ocasião em que Felipe desferiu-lhe um forte soco que o fez cair ao chão e bater a cabeça, desmaiando.

Foi realizada perícia que constatou que a vítima foi acometida de “Transtorno de Estresse Pós-Traumático”, provocando-lhe alteração permanente da personalidade. O perito assentou o seguinte:

“A vítima apresentou perda de consciência imediata seguida de amnésia lacunar por período de mais de 24 horas, bem como distúrbio do equilíbrio persistente devido a labirintopatia traumática, evoluindo o quadro para estresse pós-traumático, havendo nexo causal com a agressão sofrida, resultando em alteração permanente da personalidade.”

 

Felipe foi denunciado e condenado a 4 anos de reclusão pela prática de lesão corporal de natureza gravíssima, nos termos do art. 129, § 2º, IV, do Código Penal:

Art. 129 (...)

§ 2º Se resulta:

(...)

IV - deformidade permanente;

Pena - reclusão, de dois a oito anos.

 

A condenação foi mantida pelo TJ/SP, tendo havido trânsito em julgado.

A defesa impetrou, então, habeas corpus alegando que a “alteração permanente da personalidade” não pode ser considerada uma “deformidade permanente” para os fins do art. 129, § 2º, IV, do CP.

 

O STJ concordou com o argumento da defesa?

SIM. Vamos entender com calma.

 

Primeira pergunta: para os fins de caracterização do caput do art. 129 do CP, é possível que se configure o crime de lesão corporal mesmo que a vítima sofra “apenas” um dano “mental”?

SIM. Conforme lição de Nelson Hungria, o crime de lesão corporal consiste “em qualquer dano ocasionado por alguém, sem animus necandi, à integridade física ou a saúde (fisiológica ou mental) de outrem”.

Assim, também pratica o referido delito aquele que causa lesão à saúde mental de outrem.

Ainda conforme Nelson Hungria, “mesmo a desintegração da saúde mental é lesão corporal, pois a inteligência, a vontade ou a memória dizem com a atividade funcional do cérebro, que é um dos mais importantes órgãos do corpo. Não se concebe uma perturbação mental sem um dano à saúde, e é inconcebível um dano à saúde sem um mal corpóreo ou uma alteração do corpo”. (Comentários ao código penal. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979. v. 5; fls. 337-340).

 

Esse mesmo raciocínio pode ser empregado para a qualificadora do art. 129, § 2º, IV, do CP? A “alteração permanente da personalidade” pode ser considerada como uma “deformidade permanente”?

NÃO.

Quando o art. 129, § 2º, IV, do CP fala em “deformidade permanente” ele está se referindo a lesões estéticas de grande monta, capazes de causar desconforto a quem a vê ou ao seu portador. Logo, o art. 129, § 2º, IV, do CP abrange apenas lesões corporais que resultam em danos físicos. Nesse sentido:

A deformidade permanente apta a caracterizar a qualificadora no inciso IV do § 2º do art. 129 do Código Penal, segundo parte da doutrina, precisa representar lesão estética de certa monta, capaz de produzir desgosto, desconforto a quem vê ou humilhação ao portador, não sendo qualquer dano estético ou físico. STJ. 5ª Turma. AgRg no AREsp 1895015/TO, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 17/08/2021.

 

A lesão causadora de danos psicológicos pode, a depender do caso concreto, ensejar o reconhecimento de outra qualificadora ou ser considerada como circunstância judicial desfavorável. No entanto, não pode ser considerada como deformidade permanente porque não resulta em dano físico.

 

Em suma:



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