sexta-feira, 8 de abril de 2022

É inconstitucional lei estadual que concede benefício fiscal sem a prévia estimativa de impacto orçamentário e financeiro exigida pelo art. 113 do ADCT

 

A situação concreta foi a seguinte:

Lei do Estado de Roraima concedeu isenção do imposto sobre a propriedade de veículos automotores (IPVA) às motocicletas, motonetas e ciclomotores com potência de até 160 cilindradas.

O Governador do Estado propôs ADI contra a Lei argumentado que a norma impugnada, ao ampliar o rol de isenções de IPVA, violou o art. 113 do ADCT:

Art. 113. A proposição legislativa que crie ou altere despesa obrigatória ou renúncia de receita deverá ser acompanhada da estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 95, de 2016)

 

O autor alegou, dentre outros argumentos, que o art. 113 do ADCT limita a atuação do legislador quanto à concessão de incentivos de natureza tributária, ao estabelecer que a renúncia fiscal deve vir acompanhada da estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro, o que não ocorreu na hipótese.

 

O STF concordou com essa alegação do autor? No caso concreto, a lei de RR violou o art. 113 do ADCT?

SIM.

 

Ausência de estimativa de impacto orçamentário e financeiro

Conforme vimos acima, o art. 113 do ADCT prevê que “a proposição legislativa que crie ou altere despesa obrigatória ou renúncia de receita deverá ser acompanhada da estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro”.

Logo, para que fosse concedida a isenção de IPVA seria indispensável a realização de estudo de impacto orçamentário e financeiro, por meio do qual se demostrasse que a perda de recursos foi considerada pela lei orçamentária ou se adotassem medidas de compensação com o aumento da receita por outra fonte.

A elaboração do referido estudo concede ao Poder Legislativo, como órgão vocacionado a versar sobre a instituição de benefícios fiscais, o controle não somente dos objetivos constitucionais que se pretendem atingir por meio de benesse fiscal, como também o controle financeiro da escolha política. A concessão de benefícios fiscais, ao atingir a receita do ente, afeta os meios financeiros pelos quais o Estado custeia as suas atividades.

Além disso, a regra constitucional observa o regime preexistente definido no art. 14 da Lei Complementar nº 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), no tocante à concessão e ao aumento de benefícios fiscais que ocasionem a renúncia de receita:

Art. 14. A concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias e a pelo menos uma das seguintes condições:

I - demonstração pelo proponente de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária, na forma do art. 12, e de que não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio da lei de diretrizes orçamentárias;

II - estar acompanhada de medidas de compensação, no período mencionado no caput, por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.

 

O art. 113 do ADCT foi introduzido pela EC 95/2016, que se destinava a disciplinar “o Novo Regime Fiscal no âmbito dos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social da União”. Por conta disso, a ALE/RR alegou que esse dispositivo somente se aplicaria à União. Esse argumento foi acolhido pelo STF?

NÃO.

O STF firmou o entendimento de que o art. 113 do ADCT é aplicável a todos os entes da Federação, de forma que eventual proposição legislativa federal, estadual, distrital ou municipal que crie ou altere despesa obrigatória ou renúncia de receita deverá ser acompanhada de estimativa de impacto orçamentário e financeiro, sob pena de incorrer em vício de inconstitucionalidade formal.

A afirmação de que o art. 113 do ADCT se aplica apenas à União não é compatível com as interpretações literal, teleológica e sistemática.

Interpretação literal: a redação do dispositivo constitucional em tela não determina que a regra seja limitada à União. Refere-se, genericamente, à “proposição legislativa que crie ou altere despesa obrigatória ou renúncia de receita”, pelo que, em princípio, seria possível a sua extensão aos demais entes.

Interpretação teleológica: a norma em questão, ao buscar a gestão fiscal responsável, concretiza princípios constitucionais como a impessoalidade, a moralidade, a publicidade e a eficiência (art. 37 da CF/88).

Interpretação sistemática: a inclusão do art. 113 do ADCT acompanha o tratamento que já vinha sendo conferido ao tema pelo art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal, aplicável a todos os entes da Federação.

Isso acontece porque, de acordo com o art. 24, I, da CF/88, os Estados e o Distrito Federal possuem competência concorrente com a União para legislar sobre direito financeiro. Cabe, assim, ao legislador federal veicular normas gerais e ao legislador estadual, normas específicas.

Nessa concorrência legislativa, contudo, há uma margem de indeterminação acerca dos âmbitos de competência da União, dos Estados e do Distrito Federal. A respeito do tema, existe o art. 163, I, da CF/88, que reserva à lei complementar a fixação de normas gerais em matéria de finanças públicas. Essa lei complementar deve ser editada pela União e assume caráter nacional, no sentido de incidir, simultaneamente, sobre as três esferas da Federação. Com base nessa regra constitucional, foi editada a Lei Complementar nº 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), cujo art. 14, como norma geral, aplica-se a todos os entes federados.

Pacto federativo

Por fim, vale ressaltar que a exigência de estudo de impacto orçamentário e financeiro, prevista no art. 113 do ADCT, não atenta contra a forma federativa, notadamente a autonomia financeira dos entes.

Esse requisito, repita-se, visa a permitir que o legislador, como poder vocacionado para a instituição de benefícios fiscais, compreenda a eficácia financeira da opção política em questão. Trata-se de instrumento para a gestão fiscal responsável.

 

Tese fixada pelo STF:

 

Com base nesse entendimento, o Plenário, por unanimidade, julgou procedente o pedido formulado em ação direta, para declarar a inconstitucionalidade formal da Lei Complementar 278/2019 do Estado de Roraima.



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