quarta-feira, 6 de abril de 2022

Lei estadual pode autorizar que policiais militares e bombeiros militares lavrem termo circunstanciado?

 

Lei mineira autorizou PMs e Bombeiros a lavrar termo circunstanciado

O art. 191 da Lei nº 22.257/2016, do Estado de Minas Gerais, previu que os integrantes da Polícia Civil, da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar podem lavrar termo circunstanciado de ocorrência.

 

O que é o termo circunstanciado de ocorrência?

Se a autoridade policial tomar conhecimento da prática de uma infração penal de menor potencial ofensivo, ela deverá lavrar um termo circunstanciado. É o que prevê o art. 69 da Lei nº 9.099/95:

Art. 69. A autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência lavrará termo circunstanciado e o encaminhará imediatamente ao Juizado, com o autor do fato e a vítima, providenciando-se as requisições dos exames periciais necessários.

 

O termo circunstanciado é um “substituto” bem mais simples que o inquérito policial, realizado pela polícia nos casos de infrações de menor potencial ofensivo.

O objetivo do legislador foi facilitar e desburocratizar o procedimento.

No termo circunstanciado é narrado o fato criminoso, com todos os dados necessários para identificar a sua ocorrência e autoria, devendo ser feita a qualificação do autor, da vítima e indicadas as provas existentes, inclusive o rol de testemunhas.

Após lavrar o termo circunstanciado, a autoridade policial deverá encaminhá-lo imediatamente ao Juizado Especial Criminal, com o autor do fato e a vítima, providenciando-se as requisições dos exames periciais necessários (ex.: exame de corpo de delito).

Vale ressaltar que, se não for realizada transação penal e o MP entender que o caso é complexo, ele poderá requisitar que seja feito um inquérito policial. Em outras palavras, a regra nas infrações penais de menor potencial ofensivo é o termo circunstanciado, mas é possível que seja feito IP se assim entender necessário o titular da ação penal.

 

O art. 69 da Lei nº 9.099/95 fala que o termo circunstanciado é lavrado pela “autoridade policial”. Quem é considerado “autoridade policial”?

Existem duas correntes sobre o assunto:

1ª) Para uma primeira posição, autoridade policial é o Delegado de Polícia (Civil ou Federal) e, no caso de investigações militares, o Oficial militar responsável pelo inquérito.

2ª) Em um segundo entendimento, autoridade policial não seria necessariamente o Delegado de Polícia, mas sim o agente público estatal designado para exercer as funções de autoridade policial, podendo ser um policial civil ou militar, por exemplo. É a tese defendida por alguns para que os policiais militares (e agora os PRFs) possam lavrar termo circunstanciado de ocorrência no caso de infrações de menor potencial ofensivo (art. 69 da Lei nº 9.099/95).

 

ADI

A Associação dos Delegados de Polícia do Brasil – ADEPOL ajuizou ADI contra o art. 191 da Lei nº 22.257/2016, do Estado de Minas Gerais.

A autora argumentou que o art. 69 da Lei nº 9.099/95 afirma expressamente que quem lavra o termo circunstanciado é a “autoridade policial”, sendo que essa expressão se refere unicamente à polícia judiciária, não englobando a polícia militar, cuja função refere-se, em especial, à preservação da ordem pública.

A requerente alegou, ainda, que a Lei nº 9.099/95 deve ser entendida como a norma geral, não podendo o Estado-membro contrariá-la.

 

O pedido formulado na ADI foi julgado procedente? Essa previsão da lei mineira é inconstitucional?

NÃO.

 

Primeira pergunta: sob o ponto de vista formal, o Estado-membro tem competência para legislar sobre o tema?

SIM. Trata-se de assunto de competência concorrente por se enquadrar nos incisos X e XI do art. 24, da CF/88:

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

(...)

X - criação, funcionamento e processo do juizado de pequenas causas;

XI - procedimentos em matéria processual;

 

Termo circunstanciado é diferente de inquérito policial

É possível estabelecer uma distinção entre o termo circunstanciado, que é lavrado pela autoridade policial que “tomar conhecimento da ocorrência” e o “inquérito policial”, o qual, nos termos da Lei nº 12.830/2013 é da competência do delegado de polícia.

O inquérito é o instrumento apto para viabilizar a investigação criminal, que consiste na atividade de apuração de infrações penais.

Já o termo circunstanciado é o instrumento legal que se limita a constatar a ocorrência de crimes de menor potencial ofensivo, motivo pelo qual não configura atividade investigativa e, por via de consequência, não se revela como função privativa de polícia judiciária.

Embora substitua o inquérito policial como principal peça informativa dos processos penais que tramitam nos juizados especiais, o termo circunstanciado não é procedimento investigativo. Segundo explica Ada Pellegrini Grinover, “o termo circunstanciado (…) nada mais é do que um boletim de ocorrência mais detalhado” (GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados especiais criminais: comentários à Lei 9.099, de 26.09.1995. 5ª ed. São Paulo: RT, 2005, p. 118).

 

Estados-membros possuem competência para dizer quais são as autoridades competentes para lavrar o termo circunstanciado

A CF conferiu aos Estados e ao Distrito Federal, a partir da competência concorrente, a competência para editar normas legislativas que garantam maior eficiência e eficácia na aplicação da Lei nº 9.099/95.

Esta norma federal viabiliza a lavratura do termo por qualquer autoridade legalmente reconhecida e não há impeditivo para que os Estados-membros indiquem quais são elas ou, de qualquer modo, disciplinem essa atribuição.

O art. 69 da Lei dos Juizados Especiais, ao dispor que “a autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência lavrará termo circunstanciado” não se refere exclusivamente à polícia judiciária, englobando também as demais autoridades legalmente reconhecidas. Nesse sentido, ensinava Ada Pellegrini Grinover:

“(...) a expressão autoridade policial referida no art. 69 compreende todas as autoridades reconhecidas por lei, podendo a Secretaria do Juizado proceder à lavratura do termo de ocorrência e tomar as providências devidas no referido artigo”.

 

Vício material

Também não se observa na Lei o vício material de violação dos incisos IV e V do art. 144 da Constituição Federal.

Como não há atribuição privativa do delegado de polícia ou mesmo da polícia judiciária para a lavratura do termo circunstanciado, não há falar em ofensa dos referidos incisos constitucionais.

Tendo a norma federal indicado ser possível que qualquer autoridade possa proceder à lavratura do termo, aos Estados cabe apenas indicá-las e foi, precisamente, o que fez o Estado de Minas Gerais.

 

Em suma:

É constitucional norma estadual que prevê a possibilidade da lavratura de termos circunstanciados pela Polícia Militar e pelo Corpo de Bombeiro Militar.

STF. Plenário. ADI 5637/MG, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 11/3/2022 (Info 1046).

 

Com base nesse entendimento, o Plenário, por unanimidade, conheceu de ação direta e, no mérito, julgou-a improcedente para declarar a constitucionalidade do art. 191 da Lei nº 22.257/2016, do Estado de Minas Gerais.


Print Friendly and PDF