Dizer o Direito

sábado, 16 de abril de 2022

Doação inoficiosa

 

Doação

Considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra (art. 538 do CC).

 

Restrições à liberalidade de doar

Em regra, a pessoa sendo proprietária da coisa, pode doá-la para quem quiser. A lei impõe, contudo, algumas restrições ao exercício desse direito. Veja:

RESTRIÇÕES À LIBERALIDADE DE DOAR

Doação...

Características

1) feita por pessoa casada

O cônjuge que for casado, para doar, precisa da autorização do outro, exceto:

a) no regime da separação absoluta;

b) na doação remuneratória;

c) nas doações propter nuptiaes de bens feitos aos filhos quando casarem ou estabelecerem economia separada.

2) feita por incapaz

O absolutamente incapaz não pode realizar doações. Se o fizer, é nula.

3) universal

Doação universal é aquela que engloba a totalidade de bens do devedor. É proibida.

Art. 548. É nula a doação de todos os bens sem reserva de parte, ou renda suficiente para a subsistência do doador.

4) inoficiosa

Doação inoficiosa é a que invade a legítima dos herdeiros necessários.

A pessoa que tenha herdeiros necessários só pode doar até o limite máximo da metade de seu patrimônio, considerando que a outra metade é a chamada “legítima” (art. 1.846 do CC) e pertence aos herdeiros necessários.

5) colacionável

A pessoa pode doar para seus ascendentes, descendentes ou cônjuges. No entanto, isso será considerado “adiantamento da legítima”, ou seja, um adiantamento do que o donatário iria receber como herdeiro no momento em que o doador morresse.

6) fraudulenta

É aquela realizada pelo devedor insolvente ou que, com a doação, torna-se insolvente. Vale ressaltar que devedor insolvente é aquele cujo patrimônio passivo (dívidas) é maior que o ativo (bens).

A doação, nesses casos, somente é válida se foi realizada com o consentimento de todos os credores.

Se feita sem tal consentimento, configura fraude contra os credores, sendo, portanto, anulável.

7) do cônjuge adúltero a seu cúmplice

Art. 550. A doação do cônjuge adúltero ao seu cúmplice pode ser anulada pelo outro cônjuge, ou por seus herdeiros necessários, até dois anos depois de dissolvida a sociedade conjugal.

8) do pródigo

O pródigo pode realizar doações, desde que assistido pelo curador:

Art. 1.782. A interdição do pródigo só o privará de, sem curador, emprestar, transigir, dar quitação, alienar, hipotecar, demandar ou ser demandado, e praticar, em geral, os atos que não sejam de mera administração.

 

Doação inoficiosa

Como vimos acima, a pessoa que tenha herdeiros necessários só pode doar até o limite máximo da metade de seu patrimônio, considerando que a outra metade é a chamada “legítima” (art. 1.846 do CC) e pertence aos herdeiros necessários.

Se o doador não tiver herdeiros necessários, poderá doar livremente, contanto que não seja doação universal.

Veja como o tema já foi cobrado em prova:

(FCC – Defensor Público – DPE - BA/2021) Vilma doou R$ 200.000,00 a José, que se apresentava como líder religioso e dizia a Vilma que tal doação lhe garantiria melhoras na sua vida profissional e pessoal. O numerário era fruto de poupança de uma vida inteira de Vilma, que é viúva e tem um filho, já maior e capaz. Meses depois, Vilma procura atendimento na Defensoria Pública mostrando arrependimento em relação à doação. Nesse caso,

A) a revogação da doação se justifica pela inexecução do encargo estabelecido no contrato verbal de doação.

B) é válida a doação verbal, ainda que sobrem bens móveis, independentemente do valor, se for seguida da tradição.

C) é nula a doação dos bens que não garantam o mínimo de subsistência ao doador, estando sujeita ao prazo prescricional geral de dez anos.

D) a doação realizada por Vilma pode ser considerada doação inoficiosa, porque, no momento da liberalidade, excedeu o limite disponível em relação à legítima.

E) a doação somente poderá ser anulada se alegado vício de consentimento, prescrevendo a ação em quatro anos.

Gabarito: letra D

 

Quem são os herdeiros necessários?

Os descendentes, os ascendentes e cônjuge (art. 1.845).

Obs: considerando a decisão do STF no Tema 809, há autores que sustentam que a(o) companheira(o) deveria também ser considerada como integrante do rol de herdeiros necessários:

No sistema constitucional vigente, é inconstitucional a diferenciação de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime estabelecido no art. 1.829 do Código Civil.

STF. Plenário. RE 646721/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso e RE 878694/MG, Rel. Min. Roberto Barroso, julgados em 10/5/2017 (Repercussão Geral – Tema 809) (Info 864).

 

A doação inoficiosa é nula ou anulável?

O art. 549 do CC afirma que é nula:

Art. 549. Nula é também a doação quanto à parte que exceder à de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento.

 

Ação cabível para se obter a anulação:

Ação anulatória de doação inoficiosa (ação de redução).

Obs: em alguns outros julgados, o STJ fala em “ação de nulidade de doação inoficiosa”.

 

Quem pode propor:

Apenas os herdeiros necessários do doador.

 

Prazo:

10 anos (art. 205 do CC).

O STJ entende que, diante da inexistência de prazo específico, a ação de nulidade de doação inoficiosa se submete a prazo vintenário, se regida pelo CC/1916, ou decenal, se regida pelo CC/2002;

 

Quando se inicia esse prazo?

Regra: conta-se a partir do registro do ato jurídico que se pretende anular.

Exceção: essa prazo pode ser iniciado antes se ficar comprovado que, em momento anterior ao registro, o suposto prejudicado já teve ciência inequívoca do ato.

 

Assim, vamos imaginar que:

- a escritura pública de doação de um bem imóvel foi lavrada em 04/04/2004.

- essa doação, contudo, somente foi registrada no registro de imóveis em 05/05/2005.

- em regra, o prazo prescricional para se anular essa doação inoficiosa se iniciou em 05/05/2005, salvo se ficar demonstrado que, antes dessa data, a pessoa prejudicada com a doação já teve ciência inequívoca do ato.

 

Caso concreto julgado pelo STJ:

Rui e Sandra são irmãos.

Em 09/09/2005, foi lavrada escritura pública na qual os pais doaram para Sandra um bem imóvel muito valioso.

Vale ressaltar que essa doação foi inoficiosa, pois atingiu a parte indisponível do patrimônio dos doadores, ferindo o direito de Rui à legítima.

Rui, mesmo não sendo doador nem donatário, participou da assinatura da escritura pública na qualidade de “interveniente-anuente”.

Em 18/05/2009, essa doação foi registrada no cartório de registro de imóveis.

A mãe de Rui e Sandra faleceu em 2014 e o pai morreu em 2017.

Em 22/08/2018, Rui ajuizou ação pedindo a nulidade dessa doação por ser inoficiosa.

Sandra arguiu a prescrição da pretensão considerando que o prazo de 10 anos teria se iniciado em 09/09/2005 (data da lavratura da escritura pública).

Rui se defendeu alegando que o termo inicial da prescrição foi 18/05/2009, quando ocorreu o registro do ato jurídico que se pretende anular.

A 3ª Turma do STJ concordou com os argumentos de Sandra. Confira o que disse a Min. Nancy Andrighi:

“17) Dito de outra maneira, em se tratando de ação de nulidade de doação inoficiosa, o prazo prescricional é contado a partir do registro do ato jurídico que se pretende anular, salvo se houver anterior ciência inequívoca do suposto prejudicado, hipótese em que essa será a data de deflagração do prazo prescricional.

18) Em suma, dado que o recorrente RUI participou, na qualidade de interveniente-anuente, da lavratura de escritura pública de doação do imóvel objeto da alegada doação inoficiosa em 09/09/2005, esse é o termo inicial do prazo prescricional, ainda que o registro desse ato na matrícula do imóvel apenas tenha ocorrido em 18/05/2009, razão pela qual o prazo decenal para impugná-la escoou em 09/09/2015 e a presente ação, somente ajuizada em 22/08/2018, está irremediavelmente prescrita.”


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