segunda-feira, 4 de abril de 2022

Uma concessionária de serviço público pode transferir essa concessão para outra empresa que não venceu a licitação?

 

Prestação dos serviços públicos

Os serviços públicos podem ser:

• prestados diretamente pelo Poder Público; ou

• transferidos temporariamente para a iniciativa privada, por meio de um contrato de concessão ou de permissão.

 

Para que ocorra a concessão ou permissão, é necessária a prévia realização de licitação?

SIM. Segundo o art. 175, da CF/88 e o art. 2º, II e IV, da Lei nº 8.987/95, a concessão de serviço público deverá ser precedida de licitação:

Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.

 

Art. 2º Para os fins do disposto nesta Lei, considera-se:

(...)

II - concessão de serviço público: a delegação de sua prestação, feita pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade concorrência ou diálogo competitivo, a pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado; (Redação dada pela Lei nº 14.133, de 2021)

(...)

IV - permissão de serviço público: a delegação, a título precário, mediante licitação, da prestação de serviços públicos, feita pelo poder concedente à pessoa física ou jurídica que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco.

 

Art. 27 da Lei nº 8.987/95

A Lei nº 8.987/95 trata sobre a concessão e permissão de serviços públicos.

O art. 27 da Lei nº 8.987/95 permite que se transfira a concessão ou o controle societário da concessionária para uma outra pessoa, desde que o poder público concorde e sejam respeitados os requisitos legais.

Ex1: a empresa “X” venceu a licitação para prestar determinado serviço público pelo prazo de 20 anos. Após algum tempo, a concessão desse serviço é transferida para a empresa “Y”.

Ex2: a empresa “Z” venceu a licitação para prestar determinado serviço público. Algum tempo depois, o controle societário da empresa “Z” é transferido para outras pessoas diferentes daquelas que havia no momento da licitação.

Confira a redação do dispositivo:

Art. 27. A transferência de concessão ou do controle societário da concessionária sem prévia anuência do poder concedente implicará a caducidade da concessão.

Parágrafo único. Para fins de obtenção da anuência de que trata o caput deste artigo o pretendente deverá:

I - atender às exigências de capacidade técnica, idoneidade financeira e regularidade jurídica e fiscal necessárias à assunção do serviço; e

II - comprometer-se a cumprir todas as cláusulas do contrato em vigor.

 

O Procurador-Geral da República ajuizou ADI contra esse dispositivo alegando que essa transferência seria uma forma de burlar a exigência de prévia licitação insculpida no art. 175 da CF/88. Ora, quem venceu a licitação foi a empresa “X”, e não a empresa “Y”.

Além disso, o PGR argumentou que o dispositivo seria contrário ao § 1º do art. 26 da mesma Lei, que estabelece que a subconcessão de serviço público exige licitação:

Art. 26. É admitida a subconcessão, nos termos previstos no contrato de concessão, desde que expressamente autorizada pelo poder concedente.

§ 1º A outorga de subconcessão será sempre precedida de concorrência.

(...)

 

O STF concordou com os argumentos do PGR? O art. 27 da Lei nº 8.987/95 é inconstitucional?

NÃO.

O parágrafo único do art. 27 prevê que, mesmo com essa transferência, a base objetiva do contrato continuará intacta. Permanecem o mesmo objeto contratual, as mesmas obrigações contratuais e a mesma equação econômico-financeira. O que ocorre é apenas a sua modificação subjetiva, seja pela substituição do contratado, seja em razão da sua reorganização empresarial.

Em nosso sistema jurídico, o que interessa à Administração é, sobretudo, a seleção da proposta mais vantajosa, independentemente da identidade do particular contratado, ou dos atributos psicológicos ou subjetivos de que disponha.

No tocante ao particular contratado, basta que seja pessoa idônea, ou seja, que tenha comprovada capacidade para cumprir as obrigações assumidas no contrato, o que também é aferido por critérios objetivos e preestabelecidos.

O princípio constitucional da impessoalidade veda que a Administração Pública tenha preferência por esse ou aquele particular. Então, a identidade do particular contratado (ou do profissional de reconhecida expertise vinculado a seu quadro de pessoal) não é relevante por si mesma, devendo ser considerada apenas e tão somente na justa medida em que representa o preenchimento dos requisitos objetivos e previamente definidos previstos na lei e no edital.

Ademais, considerando a dinâmica peculiar e complexa das concessões públicas, é natural que o próprio regime jurídico das concessões contenha institutos que permitam aos concessionários se ajustarem às adversidades da execução contratual com a finalidade de permitir a continuidade da prestação dos serviços públicos e, sobretudo, a sua prestação satisfatória ou adequada.

Se a lei exigisse a retomada do serviço pelo poder público para só então fazer uma nova licitação, isso seria contrário ao interesse público porque se mostraria muito demorado, além de implicar custos altíssimos. Tudo isso resultaria, no final das contas, em tarifas mais caras para os usuários.

As normas constitucionais que estipulam a obrigatoriedade de licitação na outorga inicial da prestação de serviços públicos a particulares não definem os exatos contornos do dever de licitar (arts. 37, XXI, e 175, caput, da CF/88). Em palavras mais simples: a Constituição exige a licitação, mas permite que o legislador ordinário tenha ampla liberdade para disciplinar como será essa exigência à vista da dinamicidade e da variedade das situações fáticas a serem abrangidas pela respectiva normatização.

Vale ressaltar, por fim, que o ato de transferência da concessão e do controle societário da concessionária, nos termos do art. 27 da Lei nº 8.987/95, não se assemelha, em essência, à subconcessão de serviço público, prevista no art. 26 do mesmo diploma, justificando-se o tratamento legal diferenciado.

 

Em suma:

É constitucional a transferência da concessão e do controle societário das concessionárias de serviços públicos, mediante anuência do poder concedente (art. 27 da Lei nº 8.987/95).

STF. Plenário. ADI 2946/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 8/3/2022 (Info 1046).

 

Com base nesse entendimento, o Plenário do STF, por maioria, julgou improcedente o pedido formulado na ADI.

 

Cuidado com a doutrina

Existem inúmeros doutrinadores que afirmam que esse art. 27 da Lei nº 8.987/95, na parte que autoriza a transferência da concessão, seria inconstitucional. Nesse sentido: Celso Antônio Bandeira de Mello e Maria Sylvia Di Pietro.

Chamo atenção para esse fato para que tenham cuidado ao estudarem esses grandes autores e também como uma forma de demonstrar conhecimento adicional caso seja cobrado em uma prova.


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