domingo, 26 de outubro de 2025
O corréu que atua em concurso com o comerciante na receptação pode responder também por receptação qualificada, mesmo sem exercer habitualidade comercial
Imagine a seguinte situação
hipotética:
Regina era proprietária de uma
loja.
Ela comprava mercadorias
sabidamente furtadas para revender em seu estabelecimento comercial.
Pedro e Luiz, que não eram
proprietários da loja nem exerciam atividade comercial própria, passaram a
ajudar Regina ocasionalmente nesse esquema. Eles transportavam as mercadorias furtadas
até o estabelecimento de Regina.
Durante uma investigação
policial, foram apreendidos diversos materiais de origem criminosa na loja de
Regina. Todos os três foram denunciados pelo Ministério Público.
O juiz condenou Regina por receptação qualificada (art. 180,
§1º do Código Penal), reconhecendo que ela exercia atividade comercial de forma
habitual:
Receptação
Art. 180 - Adquirir, receber,
transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe
ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira,
receba ou oculte:
Pena - reclusão, de um a quatro
anos, e multa.
Receptação qualificada
§ 1º - Adquirir, receber,
transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito, desmontar, montar, remontar,
vender, expor à venda, ou de qualquer forma utilizar, em proveito próprio ou
alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, coisa que deve saber
ser produto de crime:
Pena - reclusão, de três a oito
anos, e multa.
(...)
Quanto a Pedro e Luiz, porém, o
magistrado os condenou apenas por receptação simples (art. 180, caput),
argumentando que eles não eram proprietários do estabelecimento comercial nem
exerciam atividade comercial própria.
O Ministério Público recorreu
pedindo que a qualificadora do § 1º do art. 180 também fosse aplicada aos
corréus. No entanto, o Tribunal de Justiça manteve a sentença, entendendo que a
qualificadora do exercício de atividade comercial não poderia ser aplicada a
Pedro e Luiz, já que não eram proprietários do estabelecimento nem exerciam atividade
comercial.
Ainda irresignado, o Ministério
Público recorreu ao STJ, argumentando que, pelo princípio da teoria monista
adotada pelo Código Penal brasileiro, todos que concorrem para o mesmo crime
devem responder pelo delito em sua forma qualificada, independentemente de serem
ou não proprietários do estabelecimento.
O STJ concordou com os
argumentos do MP?
SIM.
Teoria monista
O Brasil adota a teoria monista
em matéria de concurso de pessoas. Isso significa que, quando várias pessoas
participam de um crime, todas elas respondem pelo mesmo delito, ainda que
tenham praticado condutas diferentes ou em momentos distintos.
Não importa se uma pessoa foi a
autora principal e as outras apenas ajudaram: todos concorreram para o mesmo
resultado criminoso e, portanto, todos respondem pelo mesmo crime.
No caso concreto, Regina, Pedro e
Luiz participaram da receptação dos produtos roubados, cada um com sua conduta
específica, mas todos contribuindo para o mesmo delito.
Comunicabilidade das
elementares do tipo penal
A receptação qualificada não é
apenas uma forma mais grave da receptação simples, mas sim um tipo penal
autônomo. A qualificadora existe justamente porque o crime foi praticado no
exercício de atividade comercial ou industrial. Essa circunstância (o exercício
de atividade comercial) é uma elementar do tipo penal, ou seja, é um elemento
essencial que caracteriza o crime de receptação qualificada.
Logo, deve-se aplicar o art. 30 do Código Penal, que prevê
que as circunstâncias de caráter pessoal que são elementares do crime
comunicam-se a todos os que participaram da infração, desde que tenham
conhecimento delas:
Circunstâncias incomunicáveis
Art. 30 - Não se comunicam as
circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do
crime.
No caso, o exercício de atividade
comercial é uma circunstância de caráter pessoal (relacionada à condição de
Regina como comerciante), mas é também uma elementar do tipo qualificado.
Portanto, essa circunstância deve se comunicar aos demais participantes do
crime.
Corréus podem responder por
receptação qualificada mesmo sem serem proprietários
Pedro e Luiz deveriam responder
por receptação qualificada mesmo não sendo proprietários do estabelecimento
comercial. Se todos concorrem para o mesmo crime, e se esse crime foi praticado
no exercício de atividade comercial, então todos devem responder pelo crime
qualificado, independentemente de serem ou não os donos do estabelecimento.
Não é necessário que cada
participante do crime tenha praticado todos os elementos do tipo qualificado.
Basta que tenham concorrido, de alguma forma, para a prática do delito que
possui esses elementos. Pedro e Luiz sabiam que estavam ajudando Regina a receptar
mercadorias roubadas em seu estabelecimento comercial. Eles tinham conhecimento
de que a receptação estava sendo praticada no contexto de uma atividade
comercial habitual. Portanto, ainda que sua participação tenha sido ocasional e
ainda que não fossem comerciantes, eles concorreram para um crime de receptação
qualificada e devem responder por esse delito.
Não se exige habitualidade
nem que eles exercessem pessoalmente a atividade comercial
Não seria necessário provar que
Pedro e Luiz agiam com habitualidade ou que exerciam pessoalmente atividade
comercial. Essas características estavam presentes na conduta de Regina, e isso
é suficiente para qualificar o crime. Uma vez comprovado que Regina praticava
receptação de forma habitual e no exercício de sua atividade comercial, e que
Pedro e Luiz concorreram conscientemente para esse crime, a qualificadora se
estende a todos os participantes.
Esse entendimento não viola o
princípio da individualização da pena ou da responsabilidade penal pessoal.
Cada réu continua respondendo apenas por sua própria conduta e na medida de sua
culpabilidade. O que muda é apenas a tipificação do crime: em vez de responderem
por receptação simples, Pedro e Luiz respondem por receptação qualificada, pois
concorreram para um crime que tinha essa natureza qualificada desde o início.
Em suma:
Os elementos típicos da receptação qualificada
comunicam-se por força de lei aos corréus, independentemente de serem
proprietários do estabelecimento ou de exercerem atividade comercial.
STJ. 5ª
Turma. AgRg no AREsp 2.712.504-MG, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em
9/9/2025 (Info 863).
Como o assunto já foi cobrado em prova:
Ano: 2025 Banca: Centro de Seleção e de Promoção de Eventos
UnB - CESPE CEBRASPE
Prova: CESPE/CEBRASPE - STM - Técnico Judiciário - Área:
Agente da Polícia Judicial - 2025
Um comerciante que adquire maquinário proveniente de crime de
roubo, estando ciente da origem ilícita do objeto, e o utiliza em seu próprio
negócio incorre no crime de receptação qualificada, ainda que a atividade
comercial por ele desenvolvida seja lícita e legalmente regulamentada.
(Correto)
DOD Plus: informações
complementares
A 5ª Turma do STJ possuía julgado
em sentido contrário:
Caso adaptado: a
polícia encontrou, em um sítio, três veículos furtados desmontados com diversas
peças espalhadas. Foram presas quatro pessoas no local, que atuavam da seguinte
forma:
• Alessandro, Lucas e
Vinícius faziam o trabalho manual de desmanche das peças.
• Túlio, por sua vez,
ficava incumbido de transportar as peças desmanchadas em um caminhão até o
comércio de sua propriedade, onde os objetos eram comercializados.
Túlio praticou
receptação qualificada (§ 1º do art. 180 do CP) enquanto os três corréus
incorreram em receptação simples (caput do art. 180).
Para que se configure a
modalidade qualificada da receptação, a lei exige que a prática de um dos
verbos previstos no § 1º do art. 180 ocorra no exercício de atividade comercial
ou industrial, exigindo habitualidade no exercício do comércio ou da indústria.
No presente caso, ficou
demonstrado que as peças retiradas dos carros furtados iriam ser vendidas no
estabelecimento comercial do acusado Túlio. Porém, com relação aos outros réus,
não se comprovou o exercício da atividade comercial prestado de forma habitual.
STJ. 5ª Turma. AgRg no
AREsp 2.259.297-MG, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 18/4/2023 (Info 771).
É mais seguro que se adote o
julgado mais recente em provas de concurso. Assim, atualize seus materiais de
estudo.

