sexta-feira, 3 de outubro de 2025
A qualificadora da ‘paga ou promessa de recompensa’, prevista no inciso I do § 2º do art. 121 do CP, também se comunica ao MANDANTE do crime?
Imagine a seguinte situação
hipotética:
João ofereceu R$ 10 mil para
Pedro matar Carlos, o que foi feito.
O Ministério Público denunciou João (mandante) e Pedro
(executor) imputando a ambos o crime de homicídio qualificado, com base no art.
121, § 2º, I, do CP:
Homicídio qualificado
§ 2º Se o homicídio é cometido:
I - mediante paga ou promessa de
recompensa, ou por outro motivo torpe;
Esta espécie de homicídio é
chamada pela doutrina de “homicídio mercenário” ou “por mandato remunerado”. O
objetivo do legislador foi o de punir mais gravosamente a pessoa que comete o
delito pela “cupidez, isto é, pela ambição desmedida, pelo desejo imoderado de
riquezas.” (MASSON, Cleber. Direito Penal esquematizado. São Paulo:
Método, 2014).
Tese da defesa do mandante
A defesa de João (mandante) alegou que não poderia ser a ele
imputado o inciso I do § 2º do art. 121 do CP porque esta qualificadora
(mediante paga ou promessa de recompensa) diz respeito ao executor, sendo uma
circunstância subjetiva, de caráter pessoal, e que, portanto, não se comunica
ao mandante. Invocou, para tanto, o art. 30 do CP:
Art. 30. Não se comunicam as
circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do
crime.
A qualificadora da “paga ou
promessa de recompensa” prevista no inciso I do § 2º do art. 121 do CP é
aplicada, sem dúvidas, ao executor do crime. No entanto, indaga-se: essa
qualificadora também se comunica ao MANDANTE do homicídio?
Não necessariamente.
A qualificadora do homicídio praticado mediante paga
ou promessa de recompensa não se comunica automaticamente ao mandante do
crime.
STJ. 3ª Seção. EAREsp 1.322.867-SP, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro,
julgado em 13/8/2025 (Info 860).
O art. 30 do Código Penal prevê que:
Art. 30. Não se comunicam as
circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do
crime.
Desse modo, aquilo que é pessoal
e subjetivo de um agente (como sua motivação, condição ou característica
pessoal) não passa automaticamente para os demais coautores. Só se comunica se
for algo elementar para a definição do crime. Exemplo: se um policial comete
crime em razão do cargo, essa condição não se transfere ao comparsa que não é
policial.
As circunstâncias relacionadas à
motivação do crime constituem elemento acidental e, portanto, não se comunicam
automaticamente aos coautores. Tal comunicação somente ocorrerá se restar
comprovado que o corréu tinha ciência do motivo e com ele anuiu. Em palavras
mais simples: os motivos do homicídio (ódio, vingança, paga, promessa etc.) têm
caráter eminentemente subjetivo e, dessa forma, não se comunicam
necessariamente entre os coautores. Só se aplica a outro coautor se ficar
provado que ele sabia do motivo e concordou com ele.
Especificamente sobre a
qualificadora da paga, essa circunstância se aplica somente aos executores
diretos do homicídio, porque são eles que, propriamente, cometem o crime
“mediante paga ou promessa de recompensa”. Como consequência, o mandante do
delito não incorre na referida qualificadora, já que sua contribuição para o
cometimento do homicídio em concurso de pessoas, na forma de autoria mediata, é
a própria contratação e pagamento do assassinato.
Assim, embora o homicídio
mercenário pressuponha concurso de agentes, o motivo torpe atribuído ao
mandante não se transfere automaticamente aos executores.
Os motivos do mandante - pelo
menos em tese - podem até ser nobres ou mesmo se enquadrar no privilégio do §
1º do art. 121, já que o autor intelectual não age motivado pela recompensa;
somente o executor direto é quem, recebendo o pagamento ou a promessa, a tem
como um dos motivos determinantes de sua conduta.
Existem situações em que o
mandante, movido por relevante valor moral, contrata alguém para matar o
estuprador de sua filha. Nesse caso, a motivação não se revela torpe, sendo
incompatível com a qualificadora, que incidirá apenas sobre o executor, que
recebeu a paga ou promessa de recompensa (STJ. 6ª Turma. REsp 1.209.852/PR,
Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 2/2/2016).
Há, assim, uma diferenciação
relevante entre as condutas de mandante e executor: para o primeiro, a paga é a
própria conduta que permite seu enquadramento no tipo penal enquanto coautor,
na modalidade de autoria mediata; para o segundo, a paga é, efetivamente, o
motivo (ou um dos motivos) pelo qual aderiu ao concurso de agentes e executou a
ação nuclear típica (STJ. 5ª Turma. REsp 1.973.397/MG, Rel. Min. Ribeiro
Dantas, julgado em 15/9/2022).
Como se sabe, a qualificadora
prevista no inciso I do art. 121, § 2º, do CP, diz respeito à motivação do
agente, tendo a lei utilizado, ali, a técnica da interpretação analógica. Vale
dizer: o homicídio é qualificado sempre que seu motivo for torpe, o que
acontece exemplificativamente nas situações em que o crime é praticado mediante
paga ou promessa de recompensa, ou por motivos assemelhados a estes.
Como a paga não é o motivo da
conduta do mandante, mas sim o meio de sua exteriorização, referida
qualificadora não se aplica a ele.
• Para o executor direto (quem mata): a paga é o motivo torpe da
conduta. Ele age porque recebe ou espera receber algo. Então, nesse caso,
aplica-se a qualificadora.
• Para o mandante (quem contrata): o pagamento não é o motivo
pelo qual ele age, mas sim o meio de executar sua vontade (contratar alguém).
Logo, a qualificadora não se aplica automaticamente a ele. Poderá ser aplicada
a qualificadora para o mandante se ficar comprovado que ele também agiu por
outro motivo torpe (ex.: mandou matar para ficar com a herança da vítima).
O direito penal é regido pelo
princípio da legalidade, de modo que considerações sobre justiça e equidade,
ponderáveis que sejam, não autorizam o julgador a suplantar eventuais
deficiências do tipo penal.
Diante disso, a interpretação
mais adequada é a de que, por não se tratar de elementar do tipo penal, a
qualificadora da paga ou promessa de pagamento atribuída ao executor não se
estende automaticamente ao mandante. Esta somente poderá incidir se restar
demonstrado que o mandante agiu também por motivo pessoal torpe.
Exemplos práticos:
1) Pai contrata alguém para matar
o estuprador da filha.
O mandante não responde por
motivo torpe, pois sua motivação apresenta uma justificativa de valor moral
(ainda que continue sendo ilícito).
O executor, por sua vez, responde
com a qualificadora da paga, porque agiu pelo dinheiro.
2) Empresário contrata alguém
para matar concorrente por disputa comercial.
Mandante: responde por motivo
torpe, pois sua motivação é reprovável.
Executor: responde pela paga,
porque agiu pela recompensa.
Algumas conclusões:
• a motivação é subjetiva e não
se comunica automaticamente;
• a qualificadora da paga só
atinge o executor direto;
• o mandante só será punido pela
qualificadora se ele próprio agir por motivo torpe (não pelo simples fato de
ter pago).
