Dizer o Direito

sábado, 25 de outubro de 2025

O pedido de celebração de ANPP deve ser formulado na primeira oportunidade de intervenção nos autos após a vigência do art. 28-A do CPP, sob pena de preclusão consumativa

Imagine a seguinte situação hipotética:

João foi denunciado pelo Ministério Público pela prática de crime.

A denúncia foi recebida e o processo seguiu seu curso normal: houve instrução processual, alegações finais e a prolação de sentença condenatória.

João interpôs apelação, mas o Tribunal de Justiça manteve a condenação.

Ainda inconformado, o réu interpôs recurso especial, mas o STJ negou provimento ao recurso.

O condenado opôs embargos de declaração.

Vale ressaltar que até esse momento João ou sua defesa não mencionaram o interesse de celebrar Acordo de Não Persecução Penal (ANPP).

Foi então que, antes que os embargos fossem apreciados, João pediu ao Ministro do STJ que remetesse os autos ao Ministério Público porque ele tinha interesse de celebrar ANPP e preenchia os requisitos legais. Argumentou que, apesar da redação do art. 28-A, do CP, prever o oferecimento do ANPP antes da denúncia, há julgados do STJ admitindo a aplicação do ANPP até o trânsito em julgado.

O relator, por decisão monocrática, indeferiu o pedido. De acordo com a decisão do Ministro:

- o ANPP realmente pode ser celebrado até o trânsito em julgado;

- no entanto, para isso, é necessário que o acusado tenha formulado o pedido de análise do ANPP na primeira oportunidade de intervenção nos autos após a data de vigência do art. 28-A do CPP, sob pena de estabilização da controvérsia por meio dos efeitos preclusivos do comportamento omisso, em observância da boa-fé objetiva e do princípio da cooperação processual;

- no caso dos autos, João poderia ter formulado o pedido de ANPP nos recursos anteriores, mas não o fez.

- logo, a questão estaria preclusa, pois “não se coaduna com os princípios da boa-fé objetiva e da lealdade processual a apresentação de pedido de celebração de ANPP na última oportunidade que antecede o trânsito em julgado da condenação”.

 

João interpôs agravo regimental contra essa decisão que indeferiu o pedido de ANPP.

 

O que decidiu o órgão colegiado do STJ?

A 6ª Turma do STJ negou provimento ao agravo regimental.

Segundo a jurisprudência consolidada tanto no STJ quanto no STF, o pedido de ANPP deve ser feito na primeira oportunidade de manifestação do réu nos autos, após a entrada em vigor do art. 28-A do CPP.

No caso concreto, o réu teve diversas oportunidades anteriores para solicitar o acordo, mas só o fez quando o processo já se aproximava do trânsito em julgado, ou seja, quando a condenação já estava prestes a se tornar definitiva. Essa conduta foi considerada pelo STJ como contrária aos princípios da boa-fé e da lealdade processual, pois demonstraria um comportamento oportunista, tentando se beneficiar do acordo apenas quando todas as outras tentativas de defesa já haviam fracassado.

Além disso, o STJ aplicou o instituto da preclusão consumativa, que ocorre quando uma parte deixa de exercer uma faculdade processual no momento apropriado, perdendo o direito de fazê-lo posteriormente.

Como o réu não apresentou o pedido de ANPP no primeiro momento possível, houve a preclusão do seu direito de requerer o acordo.

 

Tese de julgamento:

O pedido de celebração de acordo de não persecução penal (ANPP) deve ser formulado na primeira oportunidade de intervenção nos autos após a vigência do art. 28-A do Código de Processo Penal, sob pena de preclusão consumativa.

A apresentação tardia do pedido de ANPP contraria os princípios da boa-fé objetiva e da cooperação processual, violando a própria essência do instituto.

STJ. 6ª Turma. AgRg no Acordo no AREsp 2.600.503-ES, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, julgado em 16/9/2025 (Info 863).


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