quinta-feira, 9 de outubro de 2025
Concursos públicos para carreiras de segurança pública permitem a exclusão de candidatos na fase de investigação social por condutas incompatíveis com o cargo, mesmo sem condenação penal transitada em julgado
Imagine a seguinte situação
hipotética:
Marcos prestou concurso público
para o cargo de Escrivão de Polícia Civil do Estado.
Ele foi aprovado nas quatro
primeiras fases do certame: prova objetiva, prova discursiva, exame de aptidão
física e avaliação psicológica.
Chegando à quinta fase (a
Investigação Criminal e Social), o Núcleo de Inteligência da Polícia Civil do
Estado elaborou um relatório sobre Marcos, que revelou os seguintes fatos:
1) respondia a uma ação penal por
homicídio duplamente qualificado;
2) havia sido preso
temporariamente por 30 dias, tendo a prisão sido convertida em preventiva, mas
estava respondendo ao processo em liberdade;
3) havia tentado suicídio, fato
registrado em boletim de ocorrência;
4) havia sido julgado
definitivamente incapaz para exercer o cargo de policial militar pela Polícia
Militar do Estado, aguardando processo de reforma.
Com base nesses elementos, a
Comissão do concurso concluiu pela não recomendação de Marcos, eliminando-o do
certame na fase de investigação social.
O edital do concurso previa
expressamente que a investigação criminal e social tem caráter eliminatório e
visa apurar se o candidato apresenta procedimento social e idoneidade moral
compatíveis com a dignidade do cargo pretendido, incluindo a aferição de
conduta social irrepreensível e idoneidade moral compatível com a função
policial.
Inconformado, Marcos impetrou
mandado de segurança alegando violação ao princípio constitucional da presunção
de inocência, já que não havia condenação criminal transitada em julgado contra
ele.
Após a tramitação nas instâncias
ordinárias, o caso chegou até o STJ.
O STJ acolheu os argumentos
de Marcos e determinou sua reintegração ao concurso?
NÃO.
A mera existência de boletim de
ocorrência, de inquérito policial, de termo circunstanciado de ocorrência, ou a
simples instauração de ação penal contra o cidadão, não pode ensejar a
eliminação em concurso pública na fase de investigação social. Isto é, em
regra, apenas as condenações penais com trânsito em julgado são capazes de
constituir óbice para que um cidadão ingresse, mediante concurso público, nos
quadros funcionais do Estado.
Esse entendimento foi consolidado
pelo STF no julgamento do Tema 22 de repercussão geral:
Sem previsão constitucionalmente adequada e instituída por lei,
não é legítima a cláusula de edital de concurso público que restrinja a
participação de candidato pelo simples fato de responder a inquérito ou a ação
penal.
STF. Plenário. RE 560900/DF, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado
em 5 e 6/2/2020 (Repercussão Geral – Tema 22) (Info 965).
Ocorre que, conforme se depreende
expressamente da ementa do referido acórdão, o entendimento consolidado no
julgamento do Tema 22/STF pode ser mitigado em virtude das circunstâncias
específicas do caso concreto, a serem sopesadas pelo julgador, sobretudo quando
se tratar de concurso público para carreiras da segurança pública, dentre
outras, que lidam diretamente com a vida e a liberdade da população,
exigindo-se, por essa razão, critérios mais rigorosos de acesso aos cargos
públicos. Nesse sentido: STF. 1ª Turma. RE 1.358.565-AgR/MG, Rel. Min.
Alexandre de Moraes, DJe de 8/3/2022.
As carreiras de segurança pública,
como policiais civis, policiais militares, bombeiros, agentes penitenciários e
investigadores, são atividades típicas de Estado que exercem autoridade sobre
toda a coletividade. Por essa razão, é indispensável que os ocupantes desses
cargos estejam submetidos a critérios mais severos e rigorosos de controle e
seleção.
Além disso, “a Investigação
Social não se resume em analisar a vida pregressa do candidato quanto às
infrações penais que eventualmente tenha praticado, mas também quanto à conduta
moral e social no decorrer de sua vida, objetivando examinar o padrão de
comportamento do candidato à carreira policial em razão das peculiaridades do
cargo, que exigem retidão, lisura e probidade do agente público” (STJ. 2ª
Turma. AgInt no AREsp 2.490.416/DF, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de
4/6/2024).
No caso concreto, não havia
apenas o fato de ele responder a uma ação penal. Existiam múltiplos elementos
concretos que, considerados em conjunto, demonstravam incompatibilidade com o
exercício da função de escrivão de polícia civil.
A exigência de idoneidade moral
para ingresso em carreiras de segurança pública é legítima e está em
consonância com o texto constitucional. Não se trata de presumir culpa ou de
violar a presunção de inocência, mas sim de realizar uma valoração sobre a conduta
moral do candidato e sua adequação ao cargo pretendido. Uma pessoa que integra
a carreira policial deve zelar pela segurança pública e resguardar a
incolumidade da população. Por isso, é necessário que o candidato ostente
conduta não vinculada a comportamentos reprováveis que se choquem com o cargo
que pretende assumir.
Tese de julgamento:
1. A investigação social em concursos públicos para
carreiras de segurança pública pode considerar condutas morais e sociais
incompatíveis, além de antecedentes criminais, para exclusão de candidatos.
2. A exigência de idoneidade moral para ingresso em
carreiras de segurança pública é legítima e consistente com o texto
constitucional.
STJ. 2ª
Turma. RMS 70.921-PA, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 2/9/2025 (Info
861).
