segunda-feira, 4 de junho de 2018

É inconstitucional a redução de unidade de conservação por meio de medida provisória



Unidades de conservação
Unidade de conservação é...
- um espaço territorial (incluindo os recursos ambientais ali presentes, como as águas),
- espaço esse que possui características naturais relevantes
- e que é legalmente instituído pelo Poder Público (demarcado com limites físicos)
- com o objetivo de que seja conservado
- passando, portanto, a ser administrado com base em regime especial
- aplicando-se garantias adequadas de proteção.

As unidades de conservação são regidas pela Lei nº 9.985/2000.

Criação e ampliação
A criação ou a ampliação das unidades de conservação pode ser feita por meio de LEI ou DECRETO do chefe do Poder Executivo federal, estadual ou municipal.

Extinção ou redução
A extinção ou redução de uma unidade de conservação somente pode ser feita por meio de LEI ESPECÍFICA.
Atenção: mesmo que a unidade de conservação tenha sido criada por decreto, ela só poderá ser suprimida mediante lei. Essa determinação consta no art. 225, § 1º, III, da CF/88:
Art. 225. (...)
§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
(...)
III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;

No mesmo sentido é o art. 22, § 7º da Lei nº 9.985/2000:
Art. 22 (...)
§ 7º A desafetação ou redução dos limites de uma unidade de conservação só pode ser feita mediante lei específica.

Mas o art. 225, § 1º, III, da CF/888 fala em espaços territoriais especialmente protegidos... isso abrange as unidades de conservação?
SIM. As unidades de conservação são uma das espécies de espaços territoriais especialmente protegidos. Podemos citar outros dois exemplos:
• Áreas de Preservação Permanente (APP);
• Áreas de Reserva Legal.

Feitas estas considerações, imagine a seguinte situação concreta:
A MP 558/2012 (posteriormente convertida na Lei nº 12.678/2012) reduziu os limites territoriais (ou seja, o tamanho) de algumas unidades de conservação. As unidades foram reduzidas a fim de que no local que sobrou fossem construídas usinas hidrelétricas.
A Procuradoria-Geral da República ajuizou ADI contra esta MP alegando:
1) que o art. 225, § 1º, III, da CF/88 exige que a redução nos limites da unidade de conservação seja feita por meio de lei em sentido formal;
2) não havia urgência que justificasse a edição de uma medida provisória no presente caso.

O STF concordou com a ADI proposta?
SIM. O STF julgou procedente a ADI para, sem pronunciamento de nulidade, declarar a inconstitucionalidade da MP 558/2012, convertida na Lei nº 12.678/2012.

MP pode ser utilizada para ampliar, mas não para reduzir espaços de proteção ambiental
A jurisprudência do STF aceita o uso de medidas provisórias para ampliar espaços de proteção ambiental, mas nunca para reduzi-los.
Assim, é possível a edição de medidas provisórias tratando sobre matéria ambiental, mas sempre veiculando normas favoráveis ao meio ambiente.
Normas que signifiquem diminuição da proteção ao meio ambiente equilibrado só podem ser editadas por meio de lei formal, com amplo debate parlamentar e participação da sociedade civil e dos órgão e instituições de proteção ambiental, como forma de assegurar o direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. A adoção de medida provisória nessas hipóteses possui evidente potencial de causar prejuízos irreversíveis ao meio ambiente na eventualidade de não ser convertida em lei.
Dessa forma, é inconstitucional a edição de MP que importe em diminuição da proteção ao meio ambiente equilibrado, especialmente em se tratando de diminuição ou supressão de unidades de conservação, com consequências potencialmente danosas e graves ao ecossistema protegido.
A proteção ao meio ambiente é um limite material implícito à edição de medida provisória, ainda que não conste expressamente do elenco das limitações previstas no art. 62, § 1º, da CF/88.

Art. 225, § 1º, III, da CF/88 exige lei em sentido formal
Ao se interpretar o art. 225, § 1º, III, da CF/88 chega-se à conclusão de que a alteração ou supressão de espaços territoriais especialmente protegidos haverá de ser feita por lei formal, com possibilidade de abrir-se amplo debate parlamentar, com participação da sociedade civil e dos órgãos e instituições de proteção ao meio ambiente. Essa é a finalidade do dispositivo constitucional, que assegura o direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Apesar de medida provisória ter força de lei, em caso de diminuição do regime jurídico protetivo do meio ambiente deve ser observado o princípio da reserva legal.

Ausência de urgência
O art. 62 da CF/88 prevê que o Presidente da República somente poderá editar medidas provisórias em caso de relevância e urgência. A definição do que seja relevante e urgente para fins de edição de medidas provisórias consiste, em regra, em um juízo político (escolha política/discricionária) de competência do Presidente da República, controlado pelo Congresso Nacional. Desse modo, salvo em caso de notório abuso, o Poder Judiciário não deve se imiscuir na análise dos requisitos da MP.
No caso concreto, o STF entendeu que era uma dessas situações excepcionais e que não ficou demonstrado, de forma satisfatória, a presença da relevância e urgência na edição da MP 558/2012.
À época da edição da medida provisória, os empreendimentos hidrelétricos que justificariam a desafetação das áreas protegidas ainda dependiam de licenciamentos ambientais, nos quais deveriam ser analisados os impactos e avaliada a conveniência e escolha dos sítios a serem efetivamente alagados. Assim, não havia urgência em se editar o ato.

Proibição de retrocesso
Além dos aspectos formais acima explicados, esta MP também é inconstitucional sob o prisma material.
A norma impugnada contrariou o princípio da proibição de retrocesso socioambiental. Isso porque as alterações legislativas atingiram o núcleo essencial do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225 da CF/88).
A aplicação do princípio da proibição do retrocesso socioambiental não pode engessar a ação legislativa e administrativa, sendo forçoso admitir certa margem de discricionariedade às autoridades públicas em matéria ambiental. Contudo, no caso concreto houve a indevida alteração de reservas florestais com gravosa diminuição da proteção de ecossistemas, à revelia do devido processo legislativo, por ato discricionário do Poder Executivo, e em prejuízo da proteção ambiental de parques nacionais.

Em suma:
É inconstitucional a redução ou a supressão de espaços territoriais especialmente protegidos, como é o caso das unidades de conservação, por meio de medida provisória. Isso viola o art. 225, § 1º, III, da CF/88.
Assim, a redução ou supressão de unidade de conservação somente é permitida mediante lei em sentido formal.
A medida provisória possui força de lei, mas o art. 225, § 1º, III, da CF/88 exige lei em sentido estrito.
STF. Plenário. ADI 4717/DF, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 5/4/2018 (Info 896).

Por que o STF julgou procedente a ADI, mas sem pronunciamento de nulidade?
Porque os efeitos da MP, convertida em lei, já se concretizaram. Com a redução do tamanho das unidades de conservação, foram instaladas usinas no local, empreendimento que já estão em funcionamento.
Assim, houve um alagamento irreversível das áreas desafetadas e a execução dos empreendimentos hidrelétricos já não permite a invalidação dos efeitos produzidos, dada a impossibilidade material de reversão ao status quo ante.
O STF considerou, portanto, que havia uma situação de fato irreversível e que não se poderia determinar a retirada dessas usinas de lá.
Ficou, então, assentado que, daqui para a frente (ou seja, a partir desse julgamento), quaisquer outras medidas no sentido de desafetação ou diminuição de áreas de proteção ambiental haverão de cumprir o que a Constituição exige.
Dessa forma, é como se o STF tivesse dito o seguinte: neste caso concreto, não iremos anular os efeitos produzidos pela MP porque se tornaram irreversíveis. No entanto, fica assentado que é inconstitucional a edição de futuras medidas provisórias que reduzam a proteção ao meio ambiente.




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