terça-feira, 19 de junho de 2018

Breves comentários ao Decreto 9.412/2018, que atualizou os valores previstos no art. 23 da Lei de Licitações



MODALIDADES DE LICITAÇÃO
A Lei nº 8.666/93 prevê “modalidades” de licitação. Isso significa que, a depender do objeto ou serviço que se irá contratar e também a depender do valor dessa contratação, a lei obriga que o administrador público adote determinada modalidade de licitação.
A Lei nº 8.666/93, em seu art. 23, prevê cinco modalidades de licitação:
I - concorrência;
II - tomada de preços;
III - convite;
IV - concurso;
V - leilão.

Obs: fora da Lei nº 8.666/93 existem ainda o pregão e a consulta.

Características de cada uma das modalidades:
Concorrência: é a modalidade de licitação mais complexa e rigorosa da Lei nº 8.666/93, sendo utilizada para contratações que envolvem grandes quantias. Envolve quaisquer interessados e exige uma publicidade maior. Nesta espécie, os interessados deverão, já na fase inicial da habilitação preliminar, comprovar que possuem os requisitos mínimos de qualificação exigidos no edital para execução de seu objeto.

Tomada de preços: é considerada a modalidade intermediária. Nesta espécie, a competição ocorre entre interessados devidamente cadastrados ou que atenderem a todas as condições exigidas para cadastramento até o terceiro dia anterior à data do recebimento das propostas, observada a necessária qualificação.

Convite: é a modalidade de licitação destinada para contratações de menor valor. Nesta espécie, é a administração que envia cartas-convite para, pelo menos, 3 empresas do ramo, a fim de que apresentem suas propostas.

Concurso: é a modalidade de licitação para escolher trabalho técnico, científico ou artístico, mediante a instituição de prêmios ou remuneração aos vencedores.

Leilão: é a modalidade de licitação utilizada quando a Administração Pública quer vender:
a) bens móveis inservíveis para a administração (até R$ 650 mil);
b) produtos legalmente apreendidos ou penhorados;
c) bens imóveis, cuja aquisição haja derivado de procedimentos judiciais ou de dação em pagamento.

Perceba que as três modalidades utilizadas para a contratação de compras e serviços são a concorrência, a tomada de preços e o convite. A pergunta que surge é a seguinte: qual é o critério que define a modalidade de licitação que deverá ser utilizada?
O art. 23 da Lei nº 8.666/93 prevê que esse critério é baseado no valor da contratação:
Art. 23. As modalidades de licitação a que se referem os incisos I a III do artigo anterior serão determinadas em função dos seguintes limites, tendo em vista o valor estimado da contratação:
I - para obras e serviços de engenharia:
a) convite - até R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais);
b) tomada de preços - até R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais);
c) concorrência: acima de R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais);

II - para compras e serviços não referidos no inciso anterior:
a) convite - até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais);
b) tomada de preços - até R$ 650.000,00 (seiscentos e cinquenta mil reais);
c) concorrência - acima de R$ 650.000,00 (seiscentos e cinquenta mil reais).  

Esse art. 23 pode ser assim resumido:
Modalidade
Obras e serviços de engenharia
Compras e serviços que não sejam de engenharia
CONVITE
Até R$ 150 mil
Até R$ 80 mil
TOMADA DE PREÇOS
Até R$ 1 milhão e 500 mil
Até R$ 650 mil
CONCORRÊNCIA
Acima de R$ 1 milhão e 500 mil
Acima de R$ 650 mil

Qual era o “problema”?
Esses limites foram estipulados em 1998 pela Lei nº 9.648/98.
Já havia se passado 20 anos e os valores encontravam-se desatualizados.
O poder de compra de R$ 8 mil em 1998 não é o mesmo de 2018 em virtude da inflação.
Assim, esses valores tornaram-se muito abaixo da realidade do mercado e “engessaram” o administrador público.

Diante desse cenário, o que fez o Governo Federal?
O Presidente da República editou um decreto atualizando os valores do art. 23 da Lei nº 8.666/93.
Trata-se do Decreto nº 9.412/2018. Veja o que diz o art. 1º do Decreto:
Art. 1º Os valores estabelecidos nos incisos I e II do caput do art. 23 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, ficam atualizados nos seguintes termos:
I - para obras e serviços de engenharia:
a) na modalidade convite - até R$ 330.000,00 (trezentos e trinta mil reais);
b) na modalidade tomada de preços - até R$ 3.300.000,00 (três milhões e trezentos mil reais); e
c) na modalidade concorrência - acima de R$ 3.300.000,00 (três milhões e trezentos mil reais); e
II - para compras e serviços não incluídos no inciso I:
a) na modalidade convite - até R$ 176.000,00 (cento e setenta e seis mil reais);
b) na modalidade tomada de preços - até R$ 1.430.000,00 (um milhão, quatrocentos e trinta mil reais); e
c) na modalidade concorrência - acima de R$ 1.430.000,00 (um milhão, quatrocentos e trinta mil reais).

ATUALIZAÇÃO DO DECRETO 9.412/2018
Modalidade
Obras e serviços de engenharia
Compras e serviços que não sejam de engenharia
CONVITE
Antes: até 150 mil
Agora: até 330 mil
Antes: até 80 mil
Agora: até 176 mil
TOMADA DE PREÇOS
Antes: até 1 milhão e 500 mil
Agora: até 3 milhões e 300 mil
Antes: até 650 mil
Agora: até 1 milhão e 430 mil
CONCORRÊNCIA
Antes: acima de 1 milhão e 500 mil
Agora: acima de 3 milhões e 300 mil
Antes: acima de 650 mil
Agora: acima de 1 milhão e 430 mil

Quais são as duas principais consequências?
1) Aumentam as situações nas quais o administrador público estará autorizado a utilizar a modalidades de CONVITE e TOMADA DE PREÇOS.
Assim, com a atualização do valor, houve uma ampliação dos casos nos quais a administração pública poderá realizar modalidades menos complexas de licitação.
Ex: em maio de 2018, se a Administração Pública fosse construir a sede de um órgão público e esta obra de engenharia fosse orçada em R$ 3 milhões, ela deveria fazer a licitação sob a modalidade concorrência (com critérios mais rígidos). Se essa mesma construção for feita em agosto de 2018, a Administração Pública poderá realizar uma tomada de preços.

2) Aumenta o limite de valor (“teto”) que o administrador público tem para contratar diretamente, sem licitação.
Vamos entender com calma essa segunda consequência nos tópicos abaixo.

OBRIGATORIEDADE DE LICITAÇÃO
Regra: obrigatoriedade de licitação
Como regra, a CF/88 impõe que a Administração Pública somente pode contratar obras, serviços, compras e alienações se realizar uma licitação prévia para escolher o contratante (art. 37, XXI).

Exceção: contratação direta nos casos especificados na legislação
O inciso XXI do art. 37 da CF/88 afirma que a lei poderá especificar casos em que os contratos administrativos poderão ser celebrados sem esta prévia licitação. A isso, a doutrina denomina “contratação direta”.

Resumindo:
A regra na Administração Pública é a contratação precedida de licitação. Contudo, a legislação poderá prever casos excepcionais em que será possível a contratação direta, sem licitação.

CONTRATAÇÃO DIRETA
A Lei de Licitações (Lei nº 8.666/93) prevê três grupos de situações em que a contratação ocorrerá sem licitação prévia. Trata-se das chamadas licitações dispensadas, dispensáveis e inexigíveis. Vejamos o quadro comparativo abaixo:

Dispensada
Dispensável
Inexigível
Art. 17
Art. 24
Art. 25
Rol taxativo
Rol taxativo
Rol exemplificativo
A lei determina a não realização da licitação, obrigando a contratação direta.
A lei autoriza a não realização da licitação. Mesmo sendo dispensável, a Administração pode decidir realizar a licitação (discricionariedade).
Como a licitação é uma disputa, é indispensável que haja pluralidade de objetos e pluralidade de ofertantes para que ela possa ocorrer. Assim, a lei prevê alguns casos em que a inexigibilidade se verifica porque há impossibilidade jurídica de competição.
Ex.: quando a Administração Pública possui uma dívida com o particular e, em vez de pagá-la em espécie, transfere a ele um bem público desafetado, como forma de quitação do débito. A isso chamamos de dação em pagamento (art. 17, I, "a").
Ex.: compras de pequeno valor (inciso II).
Ex.: contratação de artista consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública para fazer o show do aniversário da cidade.

LICITAÇÃO DISPENSÁVEL
O art. 24 da Lei nº 8.666/93 prevê um rol de situações nas quais seria possível realizar uma licitação, mas a lei desobriga (dispensa) o administrador de fazer o procedimento licitatório.

Licitação dispensável pelo pequeno valor
Duas hipóteses bem conhecidas de licitação dispensável estão nos incisos I e II do art. 24 da Lei nº 8.666/93. Veja:
Art. 24.  É dispensável a licitação:
I - para obras e serviços de engenharia de valor até 10% (dez por cento) do limite previsto na alínea "a", do inciso I do artigo anterior, desde que não se refiram a parcelas de uma mesma obra ou serviço ou ainda para obras e serviços da mesma natureza e no mesmo local que possam ser realizadas conjunta e concomitantemente;
II - para outros serviços e compras de valor até 10% (dez por cento) do limite previsto na alínea "a", do inciso II do artigo anterior e para alienações, nos casos previstos nesta Lei, desde que não se refiram a parcelas de um mesmo serviço, compra ou alienação de maior vulto que possa ser realizada de uma só vez;

A redação dos incisos é um pouco confusa, mas o que ele quer dizer é o seguinte:
• Inciso I: o administrador público pode optar por realizar a contratação direta (ou seja, sem licitação), no caso de obras ou serviços de engenharia se o valor não for maior do que 10% do limite previsto no art. 23, I, “a”.

• Inciso II: o administrador público pode optar por realizar a contratação direta (ou seja, sem licitação), no caso de compras e serviços (que não sejam de engenharia) cujo valor não seja maior do que 10% do limite previsto no art. 23, II, “a”.

E quais são os limites previstos no art. 23, I, “a” e II, “a”?
Inciso I
O inciso I, alínea “a” do art. 23 prevê R$ 150 mil:
Art. 23. As modalidades de licitação a que se referem os incisos I a III do artigo anterior serão determinadas em função dos seguintes limites, tendo em vista o valor estimado da contratação:
I - para obras e serviços de engenharia:
a) convite - até R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais);

Logo, 10% desse valor representava R$ 15 mil.

Inciso II
O inciso II, alínea “a” do art. 23 (obras e serviços que não sejam de engenharia) prevê R$ 80 mil:
Art. 23. As modalidades de licitação a que se referem os incisos I a III do artigo anterior serão determinadas em função dos seguintes limites, tendo em vista o valor estimado da contratação:
II - para compras e serviços não referidos no inciso anterior:
a) convite - até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais);

Logo, 10% desse valor representava R$ 8 mil.

Conjugando o art. 24, I e II com o art. 23, I, “a” e II, “a”, o cenário que se TINHA era o seguinte:

CONTRATAÇÃO DIRETA PELO PEQUENO VALOR
Não era necessário fazer licitação no caso de...
Obras ou serviços de engenharia:
se o valor não fosse maior do que R$ 15 mil.
Compras e serviços diferentes de engenharia:
se o valor não fosse maior que R$ 8 mil.
Fundamento: art. 24, I c/c art. 23, I, “a”
Fundamento: art. 24, II c/c art. 23, II, “a”

O que aconteceu?
Como vimos, os valores previstos no art. 23 foram ampliados pelo Decreto nº 9.412/2018.
Como o art. 24, I e II faz remissão (referência) ao art. 23, os limites do art. 24, I e II foram também, por via de consequência, ampliados.
Vamos relembrar:

ATUALIZAÇÃO DO DECRETO 9.412/2018
Modalidade
Obras e serviços de engenharia
Compras e serviços que não sejam de engenharia
CONVITE
Antes: até 150 mil
Agora: até 330 mil
Antes: até 80 mil
Agora: até 176 mil
TOMADA DE PREÇOS
Antes: até 1 milhão e 500 mil
Agora: até 3 milhões e 300 mil
Antes: até 650 mil
Agora: até 1 milhão e 430 mil
CONCORRÊNCIA
Antes: acima de 1 milhão e 500 mil
Agora: acima de 3 milhões e 300 mil
Antes: acima de 650 mil
Agora: acima de 1 milhão e 430 mil


Diante disso, com essa mudança nos valores do art. 23, veja como ficou o reflexo na contratação direta dos incisos I e II do art. 24:

CONTRATAÇÃO DIRETA PELO PEQUENO VALOR (ART. 24, I e II)
(Com a atualização do Decreto 9.412/2018)
Pode haver contratação direta (sem licitação) nos seguintes casos:
Obras ou serviços de engenharia:
Antes: para haver a contratação direta, o valor deveria ser até R$ 15 mil.
Agora: o valor da obra ou do serviço deve ser de até R$ 33 mil.
Compras e serviços diferentes de engenharia:
Antes: o valor da compra ou do serviço deveria ser de até R$ 8 mil.
Agora: para contratar sem licitação, o valor da compra ou do serviço deve ser de até R$ 17.600,00 (17 mil e 600 reais).

Alguns de vocês devem estar se perguntando: mas como é possível que um Decreto “altere” os valores que estão previstos em uma lei? Como o Decreto nº 9.412/2018 pode ter atualizado os valores trazidos pelo art. 23 da Lei nº 8.666/93?
Por mais estranho que pareça, a autorização para isso está no art. 120 da Lei nº 8.666/93:
Art. 120.  Os valores fixados por esta Lei poderão ser anualmente revistos pelo Poder Executivo Federal, que os fará publicar no Diário Oficial da União, observando como limite superior a variação geral dos preços do mercado, no período.

Como a produção de uma lei é bem mais demorada que a de um decreto, a intenção do legislador foi a de dinamizar esse processo, permitindo uma atualização rápida. Vale ressaltar, no entanto, a ressalva feita ao final no sentido de que essa atualização deve respeitar “a variação geral dos preços do mercado, no período”. Em outras palavras, não se trata de um aumento real, mas sim de uma mera recomposição da variação dos preços no período.

Esse Decreto nº 9.412/2018 produz também efeitos no âmbito das Administrações Públicas estadual, distrital e municipal? Em outras palavras, ele vale também para Estados, DF e Municípios?
SIM. As normas gerais da Lei nº 8.666/93 são aplicáveis no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. O Decreto nº 9.412/2018 foi editado com base na autorização conferida pelo art. 120 da Lei nº 8.666/93, que outorga ao “Poder Executivo Federal” a atribuição de atualizar os valores fixados na Lei de Licitações. Logo, o Decreto editado produz efeitos para todos os entes.

Vacatio legis
O Decreto nº 9.412/2018 possui vacatio legis de 30 dias e entra em vigor em 19/07/2018.





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