quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

Lei 13.934/2019: regulamenta o contrato de desempenho, previsto no § 8º do art. 37 da Constituição Federal



Olá, amigos do Dizer o Direito,

Foi publicada hoje a Lei nº 13.934/2019, que regulamenta o contrato referido no § 8º do art. 37 da Constituição Federal, denominado “contrato de desempenho”, no âmbito da administração pública federal direta de qualquer dos Poderes da União e das autarquias e fundações públicas federais.

Vamos entender melhor o tema.

O chamado “contrato de gestão” previsto no § 8º do art. 37 da CF/88
O art. 37, § 8º da CF/88 prevê que...
- a autonomia gerencial (administrativa), orçamentária e financeira
- dos órgãos e entidades da administração pública direta e indireta
- poderá ser ampliada
- caso os administradores desses órgãos e entidades
- assinem um “contrato” com o poder público
- e nesse ajuste se obriguem a cumprir determinadas metas de desempenho.

Veja a redação do dispositivo:
Art. 37 (...)
§ 8º A autonomia gerencial, orçamentária e financeira dos órgãos e entidades da administração direta e indireta poderá ser ampliada mediante contrato, a ser firmado entre seus administradores e o poder público, que tenha por objeto a fixação de metas de desempenho para o órgão ou entidade, cabendo à lei dispor sobre:
I - o prazo de duração do contrato;
II - os controles e critérios de avaliação de desempenho, direitos, obrigações e responsabilidade dos dirigentes;
III - a remuneração do pessoal.

A doutrina denominava esse instrumento de “contrato de gestão”.

Vejam como Ricardo Alexandre e João de Deus explicam, com extrema didática, o tema:
“O contrato de gestão, também conhecido por acordo-programa, é uma espécie de ajuste feito entre, de um lado, a Administração Direta e, de outro, órgãos da própria Administração Direta ou entidades da Administração Indireta ou, ainda, entidades do chamado Terceiro Setor. O objetivo do contrato de gestão é o atingimento de determinadas metas de desempenho pelos órgãos ou entidades em troca de determinado benefício concedido pelo Poder Público.
A menção expressa ao contrato de gestão na Constituição Federal ocorreu com a alteração promovida pela EC 19/1998, que introduziu o § 8º no art. 37 da Carta Magna (....)
Como se percebe, o dispositivo constitucional menciona apenas a palavra contrato, sem qualificá-lo expressamente como “de gestão”. Não obstante, conforme entendimento unânime da doutrina, o “contrato” a que alude o § 8º no art. 37 da Constituição Federal é o “contrato de gestão”.
A finalidade última do contrato de gestão é a mesma pretendida pela administração pública gerencial (public management), qual seja a busca da eficiência (melhoria dos resultados qualitativos e quantitativos). Para alcançar a eficiência, o contrato de gestão deve fixar metas de desempenho e conceder maior autonomia às entidades ou órgãos administrativos (flexibilizando os controles rotineiros), passando a priorizar o controle de resultados, feito a posteriori.
(...)
Em resumo, podemos afirmar que o contrato de gestão surgiu como uma das novidades jurídicas implementadas pela Reforma Administrativa, a qual, buscando tornar mais eficiente a prestação de serviços públicos, propôs-se a implantar no Brasil a administração pública gerencial. Dentro desse contexto, o contrato de gestão se constitui em instrumento destinado à concretização do princípio da eficiência, mudando o foco do controle, que deixa de ser os procedimentos e passa a ser os resultados.” (ALEXANDRE, Ricardo; DEUS, João de. Direito Administrativo esquematizado. São Paulo: Método, 2015, p. 183-184).

Espécies de contrato de gestão
É possível identificar a existência de duas espécies de contrato de gestão. Vou resumi-las abaixo:
Contrato de gestão* do § 8º do art. 37 da CF/88 (contrato de gestão interno ou endógeno)
Contrato de gestão da Lei nº 9.637/98 (contrato de gestão externo ou exógeno)
Assinado entre o Poder Público e os administradores dos órgãos entidades da Administração Pública.
Assinado entre o Poder Público e a entidade qualificada como organização social (OS).
Organização social são pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, prestadoras de atividades de interesse público e que, por terem preenchido determinados requisitos previstos na Lei 9.637/98, recebem essa qualificação de “organização social”.
Finalidades:
• ampliar a autonomia gerencial, orçamentária e financeira dos órgãos e entidades da administração direta e indireta mediante a fixação de metas de desempenho para esse órgão ou entidade;
• serve como um dos requisitos necessários para que as autarquias e fundações públicas federais possam ser qualificadas como agências executivas.
A finalidade deste contrato é formar uma parceria com o Poder Público para que a organização social possa ter incentivos para executar suas atividades de ensino, pesquisa científica etc.
No contrato de gestão serão listadas as atribuições, responsabilidades e obrigações do Poder Público e da organização social.
O contrato de gestão deve ser submetido ao Ministro de Estado da área correspondente à atividade fomentada. Ex: se a OS desenvolve atividades de saúde, quem aprovará o contrato será o Ministro da Saúde.

* com a Lei nº 13.934/2019 passa a ser chamado de “contrato de desempenho”.

Críticas da doutrina à expressão “contrato”
A doutrina administrativista critica bastante a utilização da palavra “contrato” no § 8º do art. 37 da CF/88. Rafael Oliveira, por exemplo, aponta duas impropriedades:
“a) impossibilidade da figura do ‘contrato consigo mesmo’ ou autocontrato: em razão da ausência de personalidade jurídica do órgão, a sua atuação é imputada à respectiva pessoa jurídica, motivo pelo qual a pessoa jurídica estabeleceria direitos e obrigações para ela mesma;
b) inexistência de interesses contrapostos: no ‘contrato de gestão’ não há interesses antagônicos, característica tradicional dos contratos, mas, sim, interesses comuns e convergentes dos partícipes, o que revelaria a natureza de ato complexo ou de acordo administrativo do ajuste.
Por essas razões, o ‘contrato de gestão’ do art. 37, § 8º, da CRFB deve ser encarado como verdadeiro ato administrativo complexo (convênio) ou acordo administrativo. Em consequência, cada Ente federado terá autonomia para regulamentar, por meio de lei ordinária, o art. 37, § 8º, da CRFB.” (OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Método, 2017, p. 180).

Regulamentação infraconstitucional
A Lei nº 13.934/2019 regulamenta o contrato previsto no § 8º do art. 37 da Constituição Federal no âmbito da administração pública federal direta de qualquer dos Poderes da União e das autarquias e fundações públicas federais.
Vamos verificar os principais pontos dessa regulamentação.

Lei conferiu nome diverso daquele que era dado pela doutrina
Conforme vimos acima, a doutrina denominou de “contrato de gestão” o ajuste previsto no art. 37, § 8º da CF/88.
A Lei nº 13.934/2019, contudo, adotou outra nomenclatura e denominou este ajuste de “contrato de desempenho”.
Agiu corretamente o legislador considerando que a Lei nº 9.637/98 fala em “contrato de gestão” para um ajuste completamente diferente. Com isso, evita-se confusões.
Desse modo, a partir da Lei nº 13.934/2019, acabam as duas espécies de “contrato de gestão” e temos agora o seguinte cenário:
• Contrato do § 8º do art. 37 da CF/88: contrato de desempenho (Lei nº 13.934/2019);
• Contrato entre o Poder Público e a organização social: contrato de gestão (Lei nº 9.637/98).

Conceito de contrato de desempenho
Contrato de desempenho é o acordo celebrado entre...
- o órgão ou entidade supervisora (de um lado)
- e o órgão ou entidade supervisionada (de outro)
- tendo como objetivo estabelecer metas de desempenho para o órgão ou entidade supervisionada
- devendo ser estipulados prazos para a execução das tarefas e indicadores de qualidade
- e, em contrapartida, o órgão ou entidade supervisionada recebe flexibilidades ou autonomias especiais.

Veja a redação do texto legal:
Art. 2º Contrato de desempenho é o acordo celebrado entre o órgão ou entidade supervisora e o órgão ou entidade supervisionada, por meio de seus administradores, para o estabelecimento de metas de desempenho do supervisionado, com os respectivos prazos de execução e indicadores de qualidade, tendo como contrapartida a concessão de flexibilidades ou autonomias especiais.

O contrato de desempenho constitui:
• para o supervisor, uma forma de autovinculação;
• para o supervisionado, uma condição para a fruição das flexibilidades ou autonomias especiais.

O que é meta de desempenho?
Meta de desempenho é o nível desejado de atividade ou resultado.
Deve ser estipulada de forma mensurável e objetiva para determinado período.

O que é indicador de qualidade?
Indicador de qualidade é o referencial utilizado para avaliar o desempenho do supervisionado.

O que são flexibilidade e autonomias especiais?
É a ampliação da autonomia gerencial, orçamentária e financeira do supervisionado.

Quais são as flexibilidades e autonomias especiais que podem ser concedidas?
O contrato de desempenho poderá conferir ao supervisionado, pelo período de sua vigência, as seguintes flexibilidades e autonomias especiais, sem prejuízo de outras previstas em lei ou decreto:
I - definição de estrutura regimental, sem aumento de despesas, conforme os limites e as condições estabelecidos em regulamento;
II - ampliação de autonomia administrativa quanto a limites e delegações relativos a:
a) celebração de contratos;
b) estabelecimento de limites específicos para despesas de pequeno vulto;
c) autorização para formação de banco de horas.

Objetivo
O contrato de desempenho tem como objetivo fundamental a promoção da melhoria do desempenho do supervisionado, visando especialmente a:
I - aperfeiçoar o acompanhamento e o controle de resultados da gestão pública, mediante instrumento caracterizado por consensualidade, objetividade, responsabilidade e transparência;
II - compatibilizar as atividades do supervisionado com as políticas públicas e os programas governamentais;
III - facilitar o controle social sobre a atividade administrativa;
IV - estabelecer indicadores objetivos para o controle de resultados e o aperfeiçoamento das relações de cooperação e supervisão;
V - fixar a responsabilidade de dirigentes quanto aos resultados;
VI - promover o desenvolvimento e a implantação de modelos de gestão flexíveis, vinculados ao desempenho e propiciadores de envolvimento efetivo dos agentes e dos dirigentes na obtenção de melhorias contínuas da qualidade dos serviços prestados à comunidade.

Cláusulas obrigatórias
O contrato de desempenho deverá conter, entre outras, cláusulas que estabeleçam:
I - metas de desempenho, prazos de consecução e respectivos indicadores de avaliação;
II - estimativa dos recursos orçamentários e cronograma de desembolso dos recursos financeiros necessários à execução das ações pactuadas, referentes a toda a vigência do contrato;
III - obrigações e responsabilidades do supervisionado e do supervisor em relação às metas definidas;
IV - flexibilidades e autonomias especiais conferidas ao supervisionado;
V - sistemática de acompanhamento e controle, contendo critérios, parâmetros e indicadores a serem considerados na avaliação do desempenho;
VI - penalidades aplicáveis aos responsáveis, em caso de falta pessoal que provoque descumprimento injustificado do contrato;
VII - condições para revisão, prorrogação, renovação, suspensão e rescisão do contrato;
VIII - prazo de vigência, não superior a 5 anos nem inferior a 1 ano.

Obrigações formais do supervisionado quanto ao contrato
O supervisionado deve:
I - publicar o extrato do contrato em órgão oficial, sendo a publicação condição indispensável para a eficácia do contrato;
II - promover ampla e integral divulgação do contrato por meio eletrônico.

Obrigações dos administradores do supervisionado
Constituem obrigações dos administradores do supervisionado:
I - promover a revisão dos processos internos para sua adequação ao regime especial de flexibilidades e autonomias, com definição de mecanismos de controle interno;
II - alcançar as metas e cumprir as obrigações estabelecidas, nos respectivos prazos.

Obrigações dos administradores do supervisor
Constituem obrigações dos administradores do supervisor:
I - estruturar procedimentos internos de gerenciamento do contrato de desempenho e acompanhar e avaliar os resultados, de acordo com os prazos, os indicadores e as metas de desempenho pactuados;
II - dar orientação técnica ao supervisionado nos processos de prestação de contas.

O que acontece se as metas não forem atingidas
O não atingimento de metas intermediárias, comprovado objetivamente, dá ensejo, mediante ato motivado, à suspensão do contrato e da fruição das flexibilidades e autonomias especiais, enquanto não houver recuperação do desempenho ou repactuação das metas.

Rescisão do contrato
O contrato poderá ser rescindido:
• por acordo entre as partes ou
• por ato do supervisor nas hipóteses de insuficiência injustificada do desempenho do supervisionado ou de descumprimento reiterado das cláusulas contratuais.

Regulamentação
Os chefes dos Poderes editarão, por atos normativos próprios:
I - os órgãos ou entidades supervisores responsáveis por analisar, aprovar e assinar o contrato;
II - os requisitos gerenciais e demais critérios técnicos a serem observados para celebrar o contrato de desempenho.

Vigência
A Lei nº 13.934/2019 entra em vigor após decorridos 180 dias de sua publicação oficial, ou seja, em 09/06/2020.



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