quarta-feira, 9 de março de 2022

Se o promitente-comprador entende que a incorporadora precisa devolver a ele valores em razão de resolução contratual, esse consumidor pode exigir tais quantias da corretora?


Imagine a seguinte situação hipotética:

João, ao parar seu carro no semáforo, recebeu um panfleto de um novo edifício de apartamentos que estava sendo lançado “na planta”.

O panfleto dizia que o empreendimento estava sendo construído pela imobiliária Flamboyant e que as unidades estavam sendo vendidas pela Habitcasa, empresa especializada em corretagem de imóveis.

João ficou interessado e foi até o stand de vendas indicado no panfleto, ali sendo atendido por Luciana, uma das corretoras de imóveis da Habitcasa.

João decidiu na hora que iria comprar uma unidade.

Foi, então, apresentado a ele um contrato de promessa de compra e venda com a imobiliária.

Por meio do contrato, a imobiliária (promitente vendedora) comprometeu-se a vender a João a unidade 1502, da Torre B, do Edifício “Morar Bem”.

Em contrapartida, João obrigou-se a pagar o valor de R$ 1 milhão, parcelado em 60 meses.

Passados alguns meses, João alegou que a imobiliária não estava cumprindo suas obrigações contratuais. Em razão disso, ajuizou ação de rescisão contratual cumulada com a restituição das quantias pagas e indenização por danos morais.

A ação foi proposta contra a imobiliária Flamboyant e a empresa de corretagem Habitcasa, em litisconsórcio passivo.

Na petição inicial, João alegou que a segunda ré (Habitcasa) montou o stand de vendas das unidades autônomas do empreendimento e intermediou a negociação, além de ter recebido comissão de corretagem. Por esses motivo, em sua visão, ela também deveria responder pelos danos causados.

 

O argumento do autor quanto à corretora foi acolhido? A corretora possui responsabilidade neste caso?

NÃO. Vamos entender com calma, analisando alguns aspectos do tema.

 

Incide o CDC neste caso?

SIM.

Conforme jurisprudência pacífica do STJ, as normas do Código de Defesa do Consumidor são aplicáveis ao contrato de compromisso de compra e venda.

Em razão disso, por força do CDC, é possível afirmar que todos aqueles fornecedores que compõem a relação jurídica do contrato de promessa de compra e venda de imóvel possuem legitimidade para figurar no polo passivo da demanda. É o caso, por exemplo, da construtora e da incorporadora que, normalmente, são empresas diferentes. Ambas respondem porque são consideradas fornecedoras, integrando a relação de consumo.

 

Se o promitente-comprador entende que houve prática abusiva ao pagar a comissão de corretagem, ele pode ajuizar a ação contra a incorporadora?

SIM.

Tem legitimidade passiva "ad causam" a incorporadora, na condição de promitente-vendedora, para responder a demanda em que é pleiteada pelo promitente-comprador a restituição dos valores pagos a título de comissão de corretagem e de taxa de assessoria técnico-imobiliária, alegando-se prática abusiva na transferência desses encargos ao consumidor.

STJ. 2ª Seção. REsp 1551968-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 24/8/2016 (recurso repetitivo - Tema 939) (Info 589).

 

O contrário é verdadeiro? Se o promitente-comprador entende que a incorporadora precisa devolver a ele valores em razão de resolução contratual, esse consumidor pode exigir tais quantias da corretora?

NÃO.

A tese acima citada não trata sobre a legitimidade da corretora de imóveis que realiza a aproximação entre as partes. Assim, constata-se que não há legitimidade da corretora para responder pelos encargos indevidamente transferidos ao consumidor ou para restituir os valores adimplidos em virtude da rescisão contratual, pois se referem a relações jurídicas diversas.

 

Relação jurídica firmada entre o consumidor e o corretor é diferente da relação construída entre o consumidor e a incorporadora

O art. 722 do CC, ao definir o contrato de corretagem, é bastante esclarecedor ao dispor que “uma pessoa, não ligada a outra em virtude de mandato, de prestação de serviços ou por qualquer relação de dependência, obriga-se a obter para a segunda um ou mais negócios, conforme as instruções recebidas”.

Nota-se, ainda, que, de acordo com o art. 725 do CC, a remuneração é devida ao corretor, uma vez que tenha conseguido o resultado previsto no contrato de mediação, ou ainda que este não se efetive em virtude de arrependimento das partes.

Assim, a obrigação fundamental do comitente é a de pagar a comissão ao corretor assim que concretizado o resultado a que este se obrigou, qual seja, a aproximação das partes e a conclusão do negócio de compra e venda, ressalvada a previsão contratual em contrário.

A relação jurídica estabelecida no contrato de corretagem é diversa daquela firmada entre o promitente comprador e o promitente vendedor do imóvel, de modo que a responsabilidade da corretora está limitada a eventual falha na prestação do serviço de corretagem.

 

A corretora, pelo menos em regra, não responde por falhas da incorporadora

Desse modo, a responsabilidade da corretora de imóveis está associada ao serviço por ela ofertado, qual seja, o de aproximar as partes interessadas no contrato de compra e venda, prestando ao cliente as informações necessárias sobre o negócio jurídico a ser celebrado.

Eventual inadimplemento ou falha na prestação do serviço relacionada ao imóvel em si, ao menos em regra, não pode ser imputada a corretora, pois, do contrário, ela seria responsável pelo cumprimento de todos os negócios por ela intermediados. Isso desvirtuaria a natureza jurídica do contrato de corretagem e a própria legislação de regência.

Nesse sentido:

(...) 2. Em vista da natureza do serviço de corretagem, não há, em princípio, liame jurídico do corretor com as obrigações assumidas pelas partes celebrantes do contrato, a ensejar sua responsabilização por descumprimento de obrigação da incorporadora no contrato de compra e venda de unidade imobiliária. Incidência dos arts. 722 e 723 do Código Civil.

3. Não sendo imputada falha alguma na prestação do serviço de corretagem e nem se cogitando do envolvimento da intermediadora na cadeia de fornecimento do produto, vale dizer, nas atividades de incorporação e construção do imóvel ou mesmo se tratar a corretora de empresa do mesmo grupo econômico das responsáveis pela obra, hipótese em que se poderia cogitar de confusão patrimonial, não é possível seu enquadramento como integrante da cadeia de fornecimento a justificar sua condenação, de forma solidária, pelos danos causados ao autor adquirente. (...)

STJ. 4ª Turma. AgInt no REsp 1779271/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Rel. p/ Acórdão Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 01/06/2021.

 

Exceção: corretora pode responder juntamente com a incorporadora se ficar comprovado que houve um desvirtuamento de suas atividades

Vimos acima que, em regra, a corretora não responde solidariamente com a incorporadora porque são relações jurídicas distintas.

O STJ, contudo, afirma que a corretora pode responder solidariamente com a incorporadora se ficarem constatadas eventuais distorções na relação jurídica de corretagem. Ex: se a corretora se envolver na construção e incorporação do imóvel, o que originalmente não seria sua função. Neste caso, poderia ser reconhecida a sua responsabilidade solidária.

 

Voltando ao caso concreto:

Como no caso concreto, não ficou demonstrada nenhuma falha na prestação do serviço de corretagem, bem como não há prova da participação da corretora no empreendimento imobiliário, torna-se inviável responsabilizar a corretora pela devolução de parte dos valores pagos pelo promitente comprador, devendo ser reconhecida a sua ilegitimidade passiva.

 

Em suma:

A relação jurídica estabelecida no contrato de corretagem é diversa daquela firmada entre o promitente comprador e o promitente vendedor do imóvel, de modo que a responsabilidade da corretora está limitada a eventual falha na prestação do serviço de corretagem.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.811.153-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 15/02/2022 (Info 725).

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