quinta-feira, 16 de maio de 2024

A anuidade da OAB possui natureza tributária?

Imagine a seguinte situação hipotética:

Regina, advogada, deixou de pagar a anuidade cobrada pela Ordem dos Advogados do Brasil, seccional de São Paulo – OAB/SP.

 

A OAB/SP poderá ingressar com execução cobrando as anuidades em atraso?

SIM. O art. 46, parágrafo único da Lei nº 8.906/1994 (Estatuto da OAB) prevê que a certidão exarada pelo Conselho da OAB de que o advogado está em débito com a anuidade constitui título executivo extrajudicial:

Art. 46. Compete à OAB fixar e cobrar, de seus inscritos, contribuições, preços de serviços e multas.

Parágrafo único. Constitui título executivo extrajudicial a certidão passada pela diretoria do Conselho competente, relativa a crédito previsto neste artigo.

 

Qual é o prazo prescricional para essa cobrança?

5 anos, nos termos do art. 206, § 5º, I do CC/2002:

Art. 206. Prescreve:

§ 5º Em cinco anos:

I – a pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular;

(...)

 

É o entendimento do STJ: AgRg nos EDcl no REsp 1267721-PR, Rel. Min. Castro Meira, julgado em 11/12/2012 (Info 513).

 

A competência para julgar essa execução é da Justiça Estadual ou da Justiça Federal?

Justiça Federal.

Compete à justiça federal processar e julgar ações em que a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), quer mediante o conselho federal, quer seccional, figure na relação processual.

STF. Plenário. RE 595332/PR, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 31/8/2016 (Repercussão Geral – Tema 258) (Info 837).

 

Voltando ao caso concreto:

A OAB/SP ajuizou ação de execução de título extrajudicial contra Regina.

A credora endereçou a execução para o juízo da vara federal cível comum.

O magistrado, contudo, entendeu ser incompetente para apreciar a demanda, pois afirmou que o débito executado (anuidade da OAB) tinha natureza tributária e, em razão disso, determinou a remessa do feito à Vara Federal de Execuções Fiscais.

A OAB/SP não concordou com essa declinação de competência e interpôs agravo de instrumento.

O TRF manteve a decisão afirmando que o STF teria decidido, no RE 647885, que a anuidade da OAB teria natureza tributária. Neste RE 647885, o STF fixou a seguinte tese:

É inconstitucional a suspensão realizada por conselho de fiscalização profissional do exercício laboral de seus inscritos por inadimplência de anuidades, pois a medida consiste em sanção política em matéria tributária.

STF. Plenário. RE 647885, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 27/04/2020 (Repercussão Geral – Tema 732) (Info 978).

 

Recurso especial

Ainda inconformada, a OAB interpôs recurso especial argumentando que as contribuições devidas à OAB não possuem natureza tributária, pois se trata de entidade da sociedade civil que não pode ser confundida com outros conselhos profissionais. Além disso, a OAB não integra a administração direta ou indireta do Estado, razão pela qual não pode se enquadrar no disposto no art. 1º da Lei nº 6.830/80:

Art. 1º A execução judicial para cobrança da Dívida Ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e respectivas autarquias será regida por esta Lei e, subsidiariamente, pelo Código de Processo Civil.

 

O STJ concordou com os argumentos da OAB?

SIM.

 

Anuidade da OAB não tem natureza tributária

A contribuição profissional devida à OAB (anuidade da OAB) não tem natureza tributária. Esse entendimento é consolidado há muitos anos no STJ:

STJ. 1ª Turma. AgInt no AREsp 957.962/RJ, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 7/10/2019.

STJ. 2ª Turma. AREsp 2.379.060/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 5/3/2024.

 

No RE 647.885/RS, mencionado pelo Tribunal de origem, o STF debatia a possibilidade de a OAB suspender do exercício profissional aqueles advogados que não pagassem a anuidade, no que a Corte Suprema decidiu negativamente e fixou a seguinte tese: “É inconstitucional a suspensão realizada por conselho de fiscalização profissional do exercício laboral de seus inscritos por inadimplência de anuidades, pois a medida consiste em sanção política em matéria tributária”. Essa conclusão do Tribunal de origem foi formada porque uma das premissas utilizadas pelo Min. Relator Edson Fachin foi justamente a natureza tributária das anuidades cobradas pelos conselhos profissionais “lato sensu”, o que se utilizou sem a corriqueira adjetivação que se dá especificamente à OAB como entidade “sui generis”.

Em outras palavras, o Min. Edson Fachin, ao falar sobre natureza tributária das contribuições, estava se referindo apenas aos demais Conselhos Profissionais (e não à OAB).

Isso fica claro porque, algum tempo depois, no julgamento do RE 1.182.189, o Min. Fachin afirmou expressamente que:

'Diferente dos conselhos de fiscalização profissional, a OAB não recolhe contribuição natureza tributária (...) A Ordem, a rigor, enquanto instituição que desempenha serviço público mas não estatal, não se subordina à Administração não cobra tributos de seus associados.'

 

Neste julgamento (RE 1.182.189), o STF decidiu que a anuidade cobrada pela OAB não possui natureza jurídica tributária e, por causa disso, ela não se submete ao Tribunal de Contas. Veja a tese fixada:

O Conselho Federal e os Conselhos Seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil não estão obrigados a prestar contas ao Tribunal de Contas da União nem a qualquer outra entidade externa.

STF. Plenário. RE 1.182.189/BA, Rel. Min. Marco Aurélio, redator do acórdão Min. Edson Fachin, julgado em 25/4/2023 (Repercussão Geral – Tema 1054) (Info 1091).

 

Como não tem natureza tributária, não se aplica a LEF

Logo, a cobrança das anuidades não pagas pelos advogados não estão sujeitas ao regime da Lei de Execuções Fiscais (Lei nº 6.830/80). Nesse sentido:

As contribuições cobradas pela OAB, como não têm natureza tributária, não seguem o rito estabelecido pela Lei 6.830/80.

STJ. 1ª Seção. EREsp 463.258/SC, Rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 10/12/2003.

 

As contribuições pagas pelos filiados à OAB não têm natureza tributária.

O título executivo extrajudicial, referido no art. 46, parágrafo único, da Lei n.º 8.906/94, deve ser exigido em execução disciplinada pelo Código de Processo Civil, não sendo possível a execução fiscal regida pela Lei n.º 6.830/80.

STJ. 1ª Seção. EREsp 503.252/SC, Rel. Min. Castro Meira, julgado em 25/8/2004.

 

Em suma:

A anuidade cobrada pela Ordem dos Advogados do Brasil não tem natureza jurídica tributária. 

STJ. 2ª Turma. AREsp 2.451.645-SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 9/4/2024 (Info 807).

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