sexta-feira, 10 de maio de 2024

Os Municípios são obrigados a possuir Procuradorias Municipais, organizadas em carreira, mediante concurso público, para o desempenho das funções de representação judicial e consultoria jurídica?

O caso concreto foi o seguinte:

A Assembleia Legislativa de Pernambuco promulgou a Emenda Constitucional nº 45/2019, que inseriu o art. 81-A na Constituição do Estado. Esse artigo tratou sobre as Procuradorias Municipais.

Veja a redação do dispositivo:

Art. 81-A. No âmbito dos Municípios, bem como de suas autarquias e fundações públicas, o assessoramento e a consultoria jurídica, bem como a representação judicial e extrajudicial, serão realizadas pela Procuradoria Municipal.

 § 1º As atribuições da Procuradoria Municipal poderão ser exercidas, isolada ou concomitantemente, através da instituição de quadro de pessoal composto por procuradores em cargos permanentes efetivos ou da contratação de advogados ou sociedades de advogados.

§ 2º No caso de opção pela instituição de quadro de pessoal serão observadas as seguintes regras: 

 I - os procuradores municipais serão organizados em carreira, cujo ingresso dependerá de aprovação em concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases; e, 

 II - A Procuradoria Municipal terá por chefe o Procurador-Geral do Município, cuja forma e requisitos de investidura serão definidos em lei municipal. 

 § 3º A contratação de advogados ou sociedades de advogados pelos entes municipais obedecerá aos ditames da legislação federal que disciplina as normas para licitações e contratos da Administração Pública. 

 § 4º As Câmaras Municipais poderão instituir Procuradorias Legislativas, nos moldes previstos no § 1º, para o desempenho das funções de assessoramento e consultoria jurídica, bem como p ara a representação judicial e extrajudicial.

 § 5º A representação judicial da Câmara Municipal pela Procuradoria Legislativa ocorrerá nos casos em que seja necessário praticar em juízo, em nome próprio, atos processuais na defesa de sua autonomia e independência frente aos demais Poderes e órgãos constitucionais.

 

ADI

O Procurador-Geral da República ajuizou ADI para impugnar os §§ 1º e 3º do art. 81-A da Constituição de Pernambuco.

O autor alegou que, apesar da criação de Procuradorias Municipais ser constitucional, a autorização para que seu quadro seja integrado por advogados não concursados ou sociedade de advogados (§ 1º do art. 81-A) viola a Constituição Federal.

Requereu a declaração de inconstitucionalidade do art. 81-A na parte que prevê “ou a contratação de advogados ou sociedade de advogados”, bem como pleiteou a interpretação conforme a Constituição do texto remanescente a fim de que seja obrigatório a instituição de procuradorias nos municípios com população superior a 20 mil habitantes.

Vejamos com calma o que o STF decidiu.

 

Inicialmente, uma pergunta introdutória: os Municípios são obrigados a possuir Procuradorias Municipais, organizadas em carreira, mediante concurso público, para o desempenho das funções de representação judicial e consultoria jurídica?

Infelizmente, não. O STF possui julgados afirmando que:

Não há na Constituição Federal previsão para que os Municípios instituam Procuradorias Municipais, organizadas em carreira, mediante concurso público.

Não existe, na Constituição Federal, a figura da advocacia pública municipal. Os Municípios não têm essa obrigação constitucional.

STF. Plenário. RE 225777, Rel. Min. Eros Grau, Rel. p/ Acórdão Min. Dias Toffoli, julgado em 24/02/2011.

STF. 1ª Turma. RE 1.188.648-AgR, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 24/06/2019.

STF. 2ª Turma. RE 1.205.434-AgR, Rel. Min. Edson Fachin, Segunda Turma, julgado em 20/12/2019

 

Tramita no Congresso Nacional uma PEC com o objetivo de “alterar a redação do art. 132 da Constituição Federal para estender aos Municípios a obrigatoriedade de organizar carreira de procurador (para fins de representação judicial e assessoria jurídica), com ingresso por concurso público, com a participação da OAB em todas as suas fases, garantida a estabilidade dos procuradores após 3 anos de efetivo exercício, mediante avaliação de desempenho.” (PEC 17/2012).

 

Municípios possuem autonomia para decidir se instituem, ou não, Procuradoria Municipal

A Procuradoria do Município foi prevista nos arts. 131 e 132 da CF/88, que dizem:

Art. 131. A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo.

(...)

 

Art. 132. Os Procuradores dos Estados e do Distrito Federal, organizados em carreira, na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica das respectivas unidades federadas.

(...)

 

Observa-se, assim, o silêncio, na Constituição Federal, quanto à obrigatoriedade de instituição, pelas municipalidades, de órgão de Advocacia Pública, sendo que os dispositivos da Carta estadual impugnados usurpam dos Municípios pernambucanos o direito de opção que melhor se ajusta às suas condições concretas, e de acordo com suas particularidades locais, tal como consignado no art. 30, I, da Carta de 88:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

 

Assim, não cabe à Constituição Estadual restringir o poder de auto-organização dos municípios.

Dessa feita, o STF considerou que o caput do art. 81-A da Constituição do Estado de Pernambuco invadiu a competência legislativa exclusiva dos municípios, caracterizando a inconstitucionalidade formal.

A opção de instituir ou não um corpo próprio de procuradores municipais é decisão de competência de cada Município, como ente federativo autônomo.

Em vez de simplesmente expurgar do ordenamento jurídico, o STF decidiu conferir interpretação conforme a Constituição ao caput do art. 81-A a fim de deixar claro que:

A instituição de Procuradorias municipais depende de escolha política autônoma de cada município, no exercício da prerrogativa de sua auto-organização, sem que essa obrigatoriedade derive automaticamente da previsão de normas estaduais.

STF. Plenário. ADI 6.331/PE, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 09/04/2024 (Info 1131).

 

Se o Município escolher instituir procuradoria, deverá seguir a regra do concurso público

Feita a opção por sua instituição, a realização de concurso público é a única forma constitucional possível de provimento desses cargos, na forma do art. 37, II, da CF/88:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

(...)

II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;

 

Ressalvam-se, apenas, as excepcionais situações em que também à União, aos Estados e ao Distrito Federal pode ser possível a contratação de advogados externos quando, mediante processo administrativo formal, em que constatada a necessidade de notória especialização profissional em serviço de natureza singular que não possa ser adequadamente prestado pelos integrantes do corpo próprio de

procuradores.

Deste modo, os §§ 1º e 3º do art. 81-A da Constituição do Estado de Pernambuco, impugnados na presente ação direta de inconstitucionalidade, ao permitirem a contratação de advogados privados ou sociedades de advogados de forma direta, sem prévia aprovação em concurso público, mesmo quando instituídas as

Procuradorias municipais incorrem em inconstitucionalidade material, por ofensa ao disposto no art. 37, II, da Constituição Federal.

O STF já havia decidido nesse sentido no julgamento do RE 663696/MG, ocasião que equiparou as Procuradorias Municipais às Procuradorias do Estado, reforçando a tese de que nos municípios com procuradorias organizadas os advogados públicos municipais desempenham idênticas atribuições às dos seus congêneres no âmbito da União, Estados e DF, razão pela qual a carreira de procurador municipal deve ser organizada mediante concurso público.

 

Em suma:

É inconstitucional — por ofensa aos postulados da autonomia municipal (art. 30, I, CF/88) e do concurso público para provimento de cargos (art. 37, II, CF/88) — norma de Constituição estadual que obrigue a criação de Procuradorias nos municípios e permite a contratação, sem concurso público, de advogados para nelas atuarem.

STF. Plenário. ADI 6.331/PE, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 09/04/2024 (Info 1131).


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