sexta-feira, 31 de maio de 2024

A tentativa de se esquivar da guarnição policial evidencia a fundada suspeita de que o agente ocultava consigo objetos ilícitos, na forma do art. 240, § 2º, do CPP, o que justifica que os policiais façam a busca pessoal no suspeito, em via pública

Imagine a seguinte situação hipotética:

A polícia militar recebeu denúncia anônima de que estaria ocorrendo tráfico de drogas em determinada rua do bairro.

Os policiais se dirigiram até o local e, quando se aproximaram, observaram João, em via pública, segurando uma sacola.

Ao notar a presença da guarnição, João tentou fugir correndo, mas foi alcançado pelos policiais.

Foi realizada busca pessoal em João e com ele encontrada uma grande variedade de entorpecentes.

Diante disso, João foi preso em flagrante por tráfico de drogas.

A defesa impetrou habeas corpus pedindo para que fosse reconhecida a ilicitude das provas obtidas por meio da busca pessoal realizada pelos policiais. Segundo argumentou a defesa, não havia fundada suspeita de que João ocultava consigo objetos ilícitos que justificasse a diligência efetuada.

 

A discussão chegou até o STJ. O Tribunal concordou com os argumentos da defesa? A busca pessoa realizada foi ilícita?

NÃO.

Confira o que diz o art. 244 do CPP sobre a busca pessoal:

Art. 244.  A busca pessoal independerá de mandado, no caso de prisão ou quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar.

 

A partir da leitura desse dispositivo, é possível extrair três hipóteses de busca pessoal sem mandado.

 

Hipóteses de busca pessoal sem mandado

A busca pessoal sem mandado judicial pode ser decretada nas seguintes hipóteses:

a) no caso de prisão (ex: o indivíduo é preso em flagrante, o que autoriza a realização de busca pessoal);

b) quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito; ou

c) quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar.

 

A situação em tela se enquadraria, segundo a narrativa dos policiais, na hipótese da letra “b”.

 

O que se exige em termos de standard probatório* para se realizar a busca pessoal em caso de fundada suspeita?

Para a busca pessoal ou veicular sem mandado judicial exige-se, em termos de standard probatório, a existência de fundada suspeita (justa causa) baseada em um juízo de probabilidade, descrita com a maior precisão possível, aferida de modo objetivo e devidamente justificada pelos indícios e circunstâncias do caso concreto – de que o indivíduo esteja na posse de drogas, armas ou de outros objetos ou papéis que constituam corpo de delito, evidenciando-se a urgência de se executar a diligência.

Vale ressaltar, contudo, que o art. 244 do CPP não se limita a exigir que a suspeita seja fundada. É preciso, também, que esteja relacionada à “posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito”.

 

* O que são standards de prova?

Standards de prova “são critérios que estabelecem o grau de confirmação probatória necessário para que o julgador considere um enunciado fático como provado” (BADARÓ, Gustavo H. Epistemologia judiciária e prova penal. São Paulo: RT, 2019, p. 236).

 

A lei não permite busca pessoal de rotina

O art. 244 do CPP não autoriza buscas pessoais praticadas como “rotina” ou “praxe” do policiamento ostensivo, com finalidade preventiva e motivação exploratória, mas apenas buscas pessoais com finalidade probatória e motivação correlata.

Desse modo, a busca pessoal não pode ser realizada com base unicamente em:

a) informações de fonte não identificada (e.g. denúncias anônimas); ou

b) intuições e impressões subjetivas, intangíveis, apoiadas, por exemplo, exclusivamente, no tirocínio (experiência) policial.

 

Não é possível a busca pessoal com base em suspeita subjetiva

Não é possível a busca pessoal unicamente pelo fato de o policial, a partir de uma classificação subjetiva, ter considerado que a pessoa:

• apresentou uma atitude ou aparência suspeita; ou

• teve uma reação ou expressão corporal tida como “nervosa”.

Essas circunstâncias não preenchem o standard probatório de “fundada suspeita” exigido pelo art. 244 do CPP.

O fato de haverem sido encontrados objetos ilícitos após a revista não convalida a ilegalidade prévia, pois é necessário que o elemento “fundada suspeita de posse de corpo de delito” seja aferido com base no que se tinha antes da diligência. Se não havia fundada suspeita de que a pessoa estava na posse de arma proibida, droga ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, não há como se admitir que a mera descoberta casual de situação de flagrância, posterior à revista do indivíduo, justifique a medida.

A violação dessas regras e condições legais para busca pessoal resulta na ilicitude das provas obtidas em decorrência da medida, bem como das demais provas que dela decorrerem em relação de causalidade, sem prejuízo de eventual responsabilização penal do(s) agente(s) público(s) que tenha(m) realizado a diligência.

 

A mera alegação genérica de “atitude suspeita” é insuficiente para a licitude da busca pessoal.

STJ. 6ª Turma. RHC 158.580-BA, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 19/04/2022 (Info 735).

 

Concluiu-se, portanto, que não satisfazem a exigência legal, por si sós, meras informações de fonte não identificada (e.g. denúncias anônimas) ou intuições/impressões subjetivas, intangíveis e não demonstráveis de maneira clara e concreta, baseadas, por exemplo, exclusivamente, no tirocínio policial.

 

No caso concreto, contudo, havia anormalidade ensejadora da busca pessoal

Na situação concreta, deve-se destacar que houve o acusado, de posse de uma sacola, quando viu os policiais militares, tentou fugir (evasão do acusado), sendo revistado após desdobramento da ação policial em via pública, em diligência para averiguar a prática do delito de tráfico de drogas na localidade, após notitia criminis inqualificada.

Nestes casos, a jurisprudência tem afirmado que os agentes policiais estão autorizados a realizar busca pessoal do suspeito em via pública. Nesse sentido:

Se um agente do Estado não puder realizar abordagem em via pública a partir de comportamentos suspeitos do alvo, tais como fuga, gesticulações e demais reações típicas, já conhecidas pela ciência aplicada à atividade policial, haverá sério comprometimento do exercício da segurança pública.

STF. 2ª Turma. RHC 229.514/PE, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 28/8/2023.

 

Em suma:

A tentativa de se esquivar da guarnição policial evidencia a fundada suspeita de que o agente ocultava consigo objetos ilícitos, na forma do art. 240, § 2º, do Código de Processo Penal, a justificar a busca pessoal, em via pública. 

STJ. 6ª Turma. HC 889.618-MG, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 23/4/2024 (Info 810).


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