quinta-feira, 30 de maio de 2024

Não é possível se rediscutir, em embargos de terceiros opostos pelo filho da executada, a (im)penhorabilidade de bem de família já analisada em exceção de pré-executividade ajuizada pela executada

Imagine a seguinte situação hipotética:

Pedro alugou um apartamento para morar.

Regina, amiga de Pedro, aceitou figurar no contrato como fiadora.

Após um ano, Pedro devolveu o apartamento ao locador, ficando devendo, contudo, quatro meses de aluguel.

O proprietário/locador ingressou com execução contra Pedro (devedor principal) e Regina (fiadora) cobrando os aluguéis atrasados.

O juiz determinou a penhora da casa em que Regina mora e que está em seu nome.

A executada apresentou exceção de pré-executividade, na qual argumentou que o imóvel era impenhorável por ser bem de família.

 

A tese de Regina foi aceita?

NÃO. A impenhorabilidade do bem de família não se aplica no caso de dívidas do fiador decorrentes do contrato de locação. É isso o que diz o inciso VII do art. 3º da Lei nº 8.009/90:

Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:

(...)

VII - por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.

 

Esse inciso VII do art. 3º é constitucional? Ele é aplicado pelo STF e STJ?

SIM. O STF decidiu que o art. 3º, VII, da Lei nº 8.009/90 é constitucional, não violando o direito à moradia (art. 6º da CF/88) nem qualquer outro dispositivo da CF/88. Nesse sentido: STF. 1ª Turma. RE 495105 AgR, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 05/11/2013.

O STJ, por sua vez, editou um enunciado sobre o tema:

Súmula 549-STJ: É válida a penhora de bem de família pertencente a fiador de contrato de locação.

 

Desse modo, o argumento de Regina foi rejeitado pelo juiz, decisão mantida pelo Tribunal de Justiça.

Logo, a penhora foi mantida.

 

Embargos de terceiro

Após o trânsito em julgado dessa decisão acima, Lucas, filho de Regina, ingressou com embargos de terceiro.

Alegou que reside no imóvel objeto da penhora e que, por isso, a propriedade se caracterizava como bem de família. Por não ter vínculo com a relação jurídica existente entre as partes do cumprimento de sentença, sustentou que seria inaplicável a sua pessoa qualquer exceção à regra da impenhorabilidade do bem de família.

Requereu, portanto, que fosse reconhecida a natureza de bem de família do imóvel e, como consequência, que fosse afastada definitivamente a constrição judicial.

 

O pedido de Lucas foi aceito?

NÃO. Os embargos foram julgados improcedentes.

O STJ reconhece a legitimidade dos integrantes da família para postularem a proteção do bem de família:

 

Todavia, no presente caso, esse entendimento não pode ser aplicado uma vez que a parte embargante pretende renovar discussão já regularmente decidida nos autos do processo executivo, no qual a tese de impenhorabilidade de bem de família deduzida por sua genitora já foi rechaçada em primeiro e segundo grau de jurisdição.

A reabertura de discussão quanto a impenhorabilidade do bem constrito, caso fosse acolhida, acarretaria verdadeira violação ao princípio da segurança jurídica, pois permitiria que, terceiros estranhos a lide, passassem a estar autorizados a renovar discussões já acobertados pelo manto da coisa julgada, sob o argumento de que residem ou passaram a residir com a parte executada, mesmo que tal situação tivesse ocorrido após a realização da penhora e ao processo de conhecimento.

 

Em suma:

Embora a jurisprudência do STJ reconheça a legitimidade do filho para suscitar em embargos de terceiro a impenhorabilidade do bem de família em que reside, isso não pode ser usado para, por via transversa, modificar decisão que já rechaçou a impenhorabilidade do referido bem. 

STJ. 3ª Turma. AgInt no REsp 2.104.283-SP, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 4/3/2024 (Info 810).


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