domingo, 31 de março de 2019

Não é necessária, mesmo após a Lei 13.245/2016, a intimação prévia da defesa técnica do investigado para a tomada de depoimentos orais na fase de inquérito policial



Lei nº 13.245/2016
O art. 7º do Estatuto da OAB (Lei nº 8.906/94) traz um rol de direitos que são conferidos aos advogados.
A Lei nº 13.245/2016 acrescentou o inciso XXI a este artigo prevendo o seguinte:
Art. 7º São direitos do advogado:
(...)
XXI - assistir a seus clientes investigados durante a apuração de infrações, sob pena de nulidade absoluta do respectivo interrogatório ou depoimento e, subsequentemente, de todos os elementos investigatórios e probatórios dele decorrentes ou derivados, direta ou indiretamente, podendo, inclusive, no curso da respectiva apuração:
a) apresentar razões e quesitos;
b) (VETADO).

Contextualizando o cenário que inspirou a alteração legislativa
Durante muito tempo, houve uma divergência entre os advogados e Delegados de Polícia a respeito da participação da defesa técnica durante o interrogatório ou depoimento de testemunhas. Isso porque alguns Delegados não aceitavam que o advogado participasse do interrogatório do indiciado e, com mais frequência, não permitiam que o causídico estivesse presente durante o depoimento das testemunhas. Tais autoridades policiais argumentavam que não havia previsão legal para isso.
Outros Delegados até permitiam que o advogado estivesse presente nas oitivas, mas não era autorizado que ele formulasse perguntas e requerimentos durante o ato. A participação do advogado, quando facultada, acontecia na condição de mero ouvinte e espectador.
Diante deste cenário, a OAB se articulou para alterar a legislação, que passa a prever, expressamente, o direito do advogado de estar presente no interrogatório do investigado e nos depoimentos, podendo, inclusive, fazer perguntas.

Entendendo o que prevê o novo inciso XXI
O advogado, com o objetivo de assistir (auxiliar) seu cliente que esteja sendo investigado, possui o direito de estar presente no interrogatório e nos depoimentos que forem colhidos durante o procedimento de apuração da infração.
Durante os atos praticados, além de estar presente, o advogado tem o direito de:
• apresentar razões (argumentar e defender seu ponto de vista sobre algo que vá ser decidido pela autoridade policial ou sobre alguma diligência que precise ser tomada); e
• apresentar quesitos (formular perguntas ao investigado, às testemunhas, aos informantes, ao ofendido, ao perito etc.).
As razões e os quesitos poderão ser formulados durante o interrogatório e o depoimento ou, então, por escrito, durante o curso do procedimento de investigação, como no caso de um requerimento de diligência ou da formulação de quesitos a serem respondidos pelo perito.

O advogado tem o direito de ser intimado previamente da data dos depoimentos e interrogatório?
Vamos discutir o tema a partir do seguinte exemplo hipotético:
Foi instaurado inquérito policial para apurar suposto crime que teria sido praticado por João.
O advogado de João peticionou ao Delegado requerendo que todas as vezes em que ele for ouvir alguma testemunha a defesa seja intimada previamente, com antecedência razoável, a fim de que possa participar do ato mediante a apresentação de razões e quesitos, sob pena de nulidade, nos termos da alínea ‘a’ do inciso XXI do art. 7º da Lei nº 8.906/94 (Estatuto da OAB).

O Delegado será obrigado a atender ao requerimento do advogado? A defesa tem o direito, no inquérito policial, de ser intimada previamente da realização dos atos de investigação?
NÃO. Vamos entender os motivos.

Inquérito é procedimento inquisitorial
O inquérito constitui procedimento de natureza inquisitorial destinado à formação da opinio delicti do órgão acusatório.
Logo, nessa fase, as garantias do contraditório e da ampla defesa são mitigadas, até mesmo porque os elementos de informação colhidos no inquérito não se prestam, por si sós, a fundamentar uma condenação criminal (art. 155 do CPP).
Obs: apesar de, no inquérito policial não existirem as mesmas garantias que em um processo judicial, é preciso dizer que “o investigado não é mero objeto de investigação; ele titulariza direitos oponíveis ao Estado” (Min. Celso de Mello). Assim, alguns autores e Ministros defendem que existe um contraditório no inquérito policial, mas que ele é mitigado.

Lei nº 13.245/2016 não garantiu intimação prévia do advogado
A alteração promovida pela Lei nº 13.245/2016 no art. 7º da Lei 8.906/94 (Estatuto da OAB) garante ao advogado do investigado o direito de assistir a seus clientes investigados durante a apuração de infrações, inclusive nos depoimentos e interrogatório, podendo apresentar razões e quesitos. No entanto, essa alteração legislativa não impôs um dever à autoridade policial de intimar previamente o advogado constituído para os atos de investigação.
Desse modo, embora constitua prerrogativa do advogado apresentar razões e quesitos no curso de investigação criminal (art. 7º, XXI, da Lei nº 8.906/94), daí não se pode extrair direito subjetivo de que se intime a defesa previamente e com necessária antecedência quanto ao calendário das inquirições a ser definido pela autoridade policial.

E como o advogado saberá as datas para poder participar dos depoimentos?
Se é do interesse do advogado acompanhar com os atos do inquérito, ele poderá ficar consultando os autos do procedimento a fim de verificar as datas que foram designadas para os depoimentos, conforme autoriza o inciso XIV do art. 7º do EOAB:
Art. 7º São direitos do advogado:
(...)
XIV - examinar, em qualquer instituição responsável por conduzir investigação, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de investigações de qualquer natureza, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos, em meio físico ou digital;

Em suma:
Não é necessária a intimação prévia da defesa técnica do investigado para a tomada de depoimentos orais na fase de inquérito policial. Não haverá nulidade dos atos processuais caso essa intimação não ocorra.
O inquérito policial é um procedimento informativo, de natureza inquisitorial, destinado precipuamente à formação da opinio delicti do órgão acusatório.
Logo, no inquérito há uma regular mitigação das garantias do contraditório e da ampla defesa.
Esse entendimento justifica-se porque os elementos de informação colhidos no inquérito não se prestam, por si sós, a fundamentar uma condenação criminal.
A Lei nº 13.245/2016 implicou um reforço das prerrogativas da defesa técnica, sem, contudo, conferir ao advogado o direito subjetivo de intimação prévia e tempestiva do calendário de inquirições a ser definido pela autoridade policial.
STF. 2ª Turma. Pet 7612/DF, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 12/03/2019 (Info 933).



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