sábado, 23 de março de 2019

Somente incidirá correção monetária para atualização do valor da pensão alimentícia combinada no acordo se isso estiver expressamente previsto no pacto



SITUAÇÃO 1
Imagine a seguinte situação hipotética:
Lucas ajuizou ação de alimentos contra seu pai (Pedro).
O juiz proferiu sentença condenando o genitor a pagar R$ 2 mil, mensalmente, ao autor.

Nesta sentença, o magistrado deverá fixar um índice de correção monetária para atualização periódica do valor da pensão alimentícia? Caso o juiz não tenha fixado, Lucas poderá recorrer pedindo que o Tribunal imponha esse índice?
SIM. O STJ assim já decidiu:
(...) 5. Por ser a correção monetária mera recomposição do valor real da pensão alimentícia, é de rigor que conste, expressamente, da decisão concessiva de alimentos – sejam provisórios ou definitivos -, o índice de atualização monetária, conforme determina o art. 1.710 do Código Civil. (...)
STJ. 3ª Turma. REsp 1.258.824/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 30/5/2014.

Suponhamos que o juiz não fixou nem houve recurso, tendo havido o trânsito em julgado. O que acontece neste caso?
Mesmo que a decisão judicial tenha sido silente (omissa) quanto ao índice de correção monetária, ainda assim a prestação alimentícia deverá ser corrigida, mantendo-se atualizado o valor historicamente fixado.
Em outras palavras, mesmo que o juiz não fixe, deverá incidir correção monetária. Isso porque há uma determinação legal expressa nesse sentido no art. 1.710 do Código Civil:
Art. 1.710. As prestações alimentícias, de qualquer natureza, serão atualizadas segundo índice oficial regularmente estabelecido.

Pode-se mencionar também o art. 1º da Lei nº 6.899/81:
Art. 1º A correção monetária incide sobre qualquer débito resultante de decisão judicial, inclusive sobre custas e honorários advocatícios.

O que isso significa, na prática?
Que Lucas receberá R$ 2 mil no primeiro mês e, nos meses seguintes, terá direito de receber 2 mil + o índice de correção monetária verificado no período. Em outras palavras, esse valor original de R$ 2 mil vai sendo “atualizado” com o passar do tempo.

Mesmo que o pai pague pontualmente (na data do vencimento)?
SIM. Aqui, a correção monetária que estamos tratando não é das parcelas em atraso, mas sim a correção monetária da obrigação original fixada.
Assim, no segundo mês, ainda que João pague na data correta, ele já terá que pagar R$ 2 mil mais o índice de correção monetária.

SITUAÇÃO 2
Imagine agora uma situação diferente:
João e Maria eram casados e decidiram, consensualmente, se divorciar.
Em fevereiro/2017, eles celebram um acordo de divórcio no qual ficou estabelecido que João pagaria a Maria o valor mensal de R$ 2 mil, a partir de março/2017.

Neste acordo, as partes poderiam ter fixado um índice de correção monetária para atualização periódica do valor da pensão alimentícia?
SIM. A legislação prevê que é possível a fixação de correção monetária em caso de obrigações envolvendo prestações de trato sucessivo com prazo superior a 1 ano (arts. 1º e 2º da Lei nº 10.192/2001).

Suponhamos que o acordo não previu índice de correção monetária. O que acontece neste caso? Diante do silêncio do contrato, mesmo assim será devida a incidência de correção monetária?
NÃO.
Somente incidirá correção monetária para atualização do valor da pensão alimentícia combinada no acordo se isso estiver expressamente previsto no pacto.
O acordo que estabelece a obrigação alimentar entre ex-cônjuges possui natureza consensual e, portanto, a incidência de correção monetária para atualização da obrigação ao longo do tempo deve estar expressamente prevista no contrato.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.705.669-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 12/02/2019 (Info 642).

O regime jurídico envolvendo os contratos é notoriamente distinto daquele estabelecido para as obrigações judicialmente fixadas. Assim, há diferenças em caso de obrigação alimentar fixada por contrato ou por decisão judicial.
Além disso, o direito aos alimentos entre ex-cônjuges tem matriz ontológica distinta do dever de alimentos devidos aos descendentes, menores ou incapazes.
Diante dessas peculiaridades, caso o título seja omisso quanto à fixação da correção monetária, a solução será diferente para os casos de obrigações contratuais e judiciais:
• silente o contrato quanto à incidência de correção monetária para a apuração do quantum devido, o valor da obrigação se mantém pelo valor histórico;
• por outro lado, silente a decisão judicial quanto ao índice aplicável, deverá, mesmo assim, a prestação ser corrigida, atualizando-se o valor historicamente fixado.

Não confundir com a correção monetária das parcelas em atraso
Irei insistir novamente em um importante ponto. A correção monetária explicada acima diz respeito à atualização da obrigação original fixada no contrato e paga na data do vencimento.
Não se estava tratando sobre correção monetária de parcelas pagas em atraso.
Mesmo que o contrato não preveja, haverá incidência de correção monetária caso o alimentante pague a pensão alimentícia após a data do vencimento.
Assim, ainda que o contrato entre João e Maria não preveja correção monetária, se ele atrasar 15 dias, por exemplo, terá que pagar R$ 2 mil + o índice de correção monetária referente a esses 15 dias.
Isso porque a atualização monetária do valor atrasado (mora) decorre de imposição legal.
O Código Civil prevê que o devedor responda por todos os danos decorrentes do não adimplemento oportuno da obrigação, inclusive pela correção monetária. Veja:
Art. 395. Responde o devedor pelos prejuízos a que sua mora der causa, mais juros, atualização dos valores monetários segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.

Todavia, esse raciocínio do art. 395 do CC não pode ser meramente transportado para impor a atualização monetária do valor original das obrigações ajustadas.
Assim, a correção monetária da prestação inadimplida a tempo e modo (prestação em atraso) não se confunde com a atualização monetária do valor histórico da prestação de trato sucessivo. São situações diferentes.





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