terça-feira, 5 de março de 2019

É válida a sentença proferida de forma oral na audiência e registrada em meio audiovisual, ainda que não haja a sua transcrição



Imagine a seguinte situação hipotética:
João foi denunciado pela prática de furto.
Foi realizada audiência de instrução e julgamento na qual foram ouvidas as testemunhas e realizado o interrogatório.
Depois das oitivas, o Promotor de Justiça e o advogado ofereceram alegações finais orais.
Todos os atos da audiência foram gravados em meio audiovisual.

O que foi feito acima é permitido? Os atos de instrução podem ser registrados por meio audiovisual?
SIM. O CPP foi alterado pela Lei nº 11.719/2008 com o objetivo de permitir que todos os atos de instrução sejam feitos de forma oral, inclusive os debates entre a acusação e a defesa. Confira:
Art. 403. Não havendo requerimento de diligências, ou sendo indeferido, serão oferecidas alegações finais orais por 20 (vinte) minutos, respectivamente, pela acusação e pela defesa, prorrogáveis por mais 10 (dez), proferindo o juiz, a seguir, sentença. (Redação dada pela Lei nº 11.719/2008)
(...)
§ 3º O juiz poderá, considerada a complexidade do caso ou o número de acusados, conceder às partes o prazo de 5 (cinco) dias sucessivamente para a apresentação de memoriais. Nesse caso, terá o prazo de 10 (dez) dias para proferir a sentença. (Incluído pela Lei nº 11.719/2008)

Art. 405. Do ocorrido em audiência será lavrado termo em livro próprio, assinado pelo juiz e pelas partes, contendo breve resumo dos fatos relevantes nela ocorridos. (Redação dada pela Lei nº 11.719/2008)
§ 1º Sempre que possível, o registro dos depoimentos do investigado, indiciado, ofendido e testemunhas será feito pelos meios ou recursos de gravação magnética, estenotipia, digital ou técnica similar, inclusive audiovisual, destinada a obter maior fidelidade das informações. (Incluído pela Lei nº 11.719/2008)
§ 2º No caso de registro por meio audiovisual, será encaminhado às partes cópia do registro original, sem necessidade de transcrição. (Incluído pela Lei nº 11.719/2008)

As oitivas das testemunhas, vítima e réu e as alegações finais do MP e da defesa, se forem feitas oralmente, precisam ser transcritas? Há necessidade de degravação?
NÃO.
Não há necessidade de degravação no caso de depoimentos colhidos por gravação audiovisual, cabendo ao interessado promovê-la, a suas expensas e com sua estrutura, se assim o desejar, ficando vedado requerer ou determinar tal providência ao Juízo de primeiro grau.
STJ. 5ª Turma. HC 339.357/RS, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 08/03/2016.

O registro audiovisual de depoimentos colhidos em audiência dispensa sua degravação, salvo comprovada demonstração de sua necessidade.
STJ. 6ª Turma. RMS 36.625/MT, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 30/06/2016.

E a sentença? Imagine que, após os debates, o juiz proferiu a sentença, na própria audiência, de forma também oral. Assim, o magistrado, falando ao microfone e sendo filmado, analisou as provas produzidas e concluiu pela condenação do réu. Na ata da audiência, o juiz transcreveu apenas a dosimetria da pena e o dispositivo. Essa sentença é válida?
SIM.
Se você ler novamente os §§ 1º e 2º do art. 405 verá que o legislador mencionou expressamente apenas o registro dos DEPOIMENTOS por meio audiovisual (sem a necessidade de transcrição). O CPP não fala, portanto, ao menos de forma explícita, que seria possível o registro audiovisual da sentença.
O STJ, contudo, entendeu que, apesar desta lacuna, é possível sim fazer o registro audiovisual também dos debates orais e da sentença, sem necessidade de transcrição.
Assim, deve-se entender que o § 2º do art. 405 do CPP autoriza que todos os atos da audiência, inclusive os debates orais e a sentença, sejam feitos exclusivamente por meio audiovisual.

Segurança e celeridade
O mais registro audiovisual dos atos da audiência, inclusive dos debates orais e da sentença, é uma medida que garante mais segurança e celeridade.
Assim, essa conclusão está de acordo com os princípios da razoável duração do processo e da celeridade processual.

Não se pode negar valor ao registro da voz e da imagem do juiz em prol de uma assinatura em papel
Exigir que se faça uma sentença escrita em separado ou a degravação da sentença proferida oralmente seria o mesmo que negar valor ao registro da voz e imagem do próprio juiz, dizendo que a sua assinatura em uma folha impressa seria mais importante do que tais registros.
Não há, portanto, sentido lógico, não havendo razões de segurança que justifique tal exigência, além de ser um desserviço à celeridade.

Em suma:
É válida a sentença proferida de forma oral na audiência e registrada em meio audiovisual, ainda que não haja a sua transcrição.
O § 2º do art. 405 do CPP, que autoriza o registro audiovisual dos depoimentos, sem necessidade de transcrição, deve ser aplicado também para os demais atos da audiência, dentre eles os debates orais e a sentença.
O registro audiovisual da sentença prolatada oralmente em audiência é uma medida que garante mais segurança e celeridade.
Não há sentido lógico em se exigir a degravação da sentença registrada em meio audiovisual, sendo um desserviço à celeridade.
A ausência de degravação completa da sentença não prejudica o contraditório nem a segurança do registro nos autos, do mesmo modo que igualmente ocorre com a prova oral.
STJ. 3ª Seção. HC 462.253/SC, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 28/11/2018, DJe 04/02/2019.

Mudança de entendimento
Vale ressaltar que se trata de mudança de entendimento considerando que houve julgados em sentido diverso:
STJ. 5ª Turma. HC 336.112/SC, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 24/10/2017.
STJ. 6ª Turma. HC 470.034-SC, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 09/10/2018 (Info 638).

Em breve irei publicar uma atualização sobre este tema para ser juntada aos livros. 



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