quinta-feira, 17 de março de 2022

Banco que tem muitos caixas eletrônicos inoperantes, com falta de numerário nos caixas e muito tempo de espera nas filas é condenado a pagar indenização por danos morais coletivos

 

A situação concreta, com adaptações, foi a seguinte:

A Promotora de Justiça de Araguaína (TO) ajuizou ação civil pública contra o Banco do Brasil e o Banco Bradesco alegando três falhas na prestação dos serviços oferecidos por essas instituições financeiras:

1) vários caixas eletrônicos instalados no Município estão inoperantes;

2) os caixas eletrônicos, quando estão funcionando, não possuem dinheiro para saque;

3) o atendimento nas agências bancárias é moroso e os clientes ficam constantemente na fila mais tempo do que prevê a lei municipal.

O Ministério Público pediu que os bancos:

• adotassem medidas para corrigir essas falhas, prestando um serviço adequado à população; e

• fossem condenados ao pagamento de indenização por danos morais coletivos.

 

O juiz julgou os pedidos procedentes, sentença mantida pelo TJ.

Os bancos interpuseram, então, recurso especial.

Vejamos os principais aspectos jurídicos enfrentados pelo STJ.

 

Alguns Municípios brasileiros possuem leis disciplinando um tempo máximo de espera (normalmente, 15 minutos) para que o consumidor seja atendido em bancos, loterias, concessionárias de água, de energia elétrica, supermercados etc. Isso ficou popularmente conhecido como “Lei das Filas”. O simples fato de uma pessoa ter esperado mais tempo do que é fixado pela “Lei da Fila” é causa suficiente para, obrigatoriamente, gerar indenização por danos morais?

NÃO.

O mero desrespeito à legislação local acerca do tempo máximo de espera em filas, por si só, não conduz à responsabilização por danos morais.

Em outras palavras, o simples fato de a pessoa ter esperado por atendimento bancário por tempo superior ao previsto na legislação municipal não enseja indenização por danos morais. Ex: a lei estipulava o máximo de 15 minutos e o consumidor foi atendido em 25 minutos.

Contudo, tal fato representa relevante critério, que, aliado a outras circunstâncias de cada hipótese concreta, pode fundamentar a efetiva ocorrência de danos extrapatrimoniais, sejam individuais, sejam coletivos, como reconhece esta Corte Superior.

Assim, ao lado do excesso de tempo de espera em fila por tempo superior ao previsto na legislação, deve-se aferir, por exemplo, se essa situação é reiterada, se há justificativa plausível para o atraso no atendimento, se a violação do limite máximo previsto na legislação foi substancial; se o excesso de tempo em fila encontra-se associado a outras falhas na prestação de serviços; se os fornecedores foram devidamente notificados para sanar as falhas apresentadas etc.

STJ. 3ª Turma. REsp 1662808/MT, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 02/05/2017.

STJ. 4ª Turma. REsp 1647452/RO, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 26/02/2019.

 

No caso concreto, os fatos narrados pelo Ministério Público são idôneos para se dizer que houve dano moral coletivo?

SIM.

A inadequada prestação de serviços bancários, caracterizada pela reiterada existência de caixas eletrônicos inoperantes, sobretudo por falta de numerário, e pelo consequente excesso de espera em filas por tempo superior ao estabelecido em legislação municipal, é apta a caracterizar danos morais coletivos.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.929.288-TO, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 22/02/2022 (Info 726).

 

O tempo útil e seu máximo aproveitamento são interesses coletivos, subjacentes à função social da atividade produtiva e aos deveres de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho, que são impostos aos fornecedores de produtos e serviços.

A proteção contra a perda do tempo útil do consumidor deve, portanto, ser realizada sob a vertente coletiva, a qual, por possuir finalidades precípuas de sanção, inibição e reparação indireta, permite seja aplicada a teoria do desvio produtivo do consumidor, que conduz à responsabilidade civil pela perda do tempo útil ou vital.

A teoria do desvio produtivo, desenvolvida por Marcos Dessaune, preceitua a responsabilização do fornecedor pelo dispêndio de tempo vital do consumidor prejudicado, desviando-o de atividades existenciais.

 

Os bancos alegaram que não havia prova concreta necessária para a condenação por dano moral coletivo. Essa alegação foi aceita? Em uma demanda em que se discute a caracterização de dano moral coletivo é necessária a prova concreta do dano?

NÃO. O dano moral coletivo é aferível in re ipsa, de modo que sua configuração decorre do simples fato da violação da lei.

Assim, o dano moral está configurado com a mera constatação da prática de conduta ilícita que, de maneira injusta e intolerável, viole direitos de conteúdo extrapatrimonial da coletividade, revelando-se desnecessária a demonstração de prejuízos concretos ou de efetivo abalo moral.

Desse modo, não faz sentido alegar ausência de prova do dano efetivo como argumento idôneo para isentar os bancos de responsabilidade.

 


Print Friendly and PDF