quarta-feira, 19 de abril de 2023

A multa aplicada pela Capitania dos Portos, em decorrência de derramamento de óleo, não exclui a possibilidade de aplicação de multa pelo Ibama

 

Imagine a seguinte situação adaptada:

O navio Vicuña, de bandeira do Chile, transportou para o Brasil, uma grande quantidade de “metanol”, substância utilizada como matéria-prima para a produção de alguns medicamentos.

Ocorre que, em 15 de novembro de 2004, quando já estava atracado no porto de Paranaguá/PR, o navio explodiu. Isso provocou uma tragédia ambiental porque houve o vazamento de milhões de litros de óleo e de metanol, poluindo toda a bacia, que é considerada uma das mais importantes para as espécies marinhas no Brasil.

Em razão do derramamento do óleo e do metanol, a pesca na região ficou temporariamente proibida.

O IBAMA autuou a Naviera Ultragas Ltda, proprietária do navio Vicuña, imputando-lhe responsabilidade por “deixar de adotar medidas necessárias para cessação, contenção e remoção das fontes de poluição por produtos químicos inflamáveis”. Em outras palavras, a multa aplicada pelo IBAMA teve por fundamento a omissão da autuada na adoção de medidas para conter/minorar o dano ambiental, após o acidente (Lei nº 9.605/98).

A Capitania dos Portos (órgão da União) também autuou a empresa e a multa teve por fundamento o lançamento no mar de substâncias proibidas pela legislação que rege a matéria (Lei nº 9.966/2000), decorrente de vazamento em navio.

O IBAMA ajuizou execução fiscal em face de Naviera Ultragas Ltda.

A executada apresentou exceção de pré-executividade sustentando, dentre outros argumentos, que a autoridade marítima (Capitania dos Portos) possuía competência exclusiva para aplicar multa ao navio, com base no art. 27 da Lei nº 9.966/2000 (que dispõe sobre a prevenção, o controle e a fiscalização da poluição causada por lançamento de óleo e outras substâncias nocivas ou perigosas em águas sob jurisdição nacional):

Art. 27. São responsáveis pelo cumprimento desta Lei:

I – a autoridade marítima, por intermédio de suas organizações competentes, com as seguintes atribuições:

a) fiscalizar navios, plataformas e suas instalações de apoio, e as cargas embarcadas, de natureza nociva ou perigosa, autuando os infratores na esfera de sua competência;

b) levantar dados e informações e apurar responsabilidades sobre os incidentes com navios, plataformas e suas instalações de apoio que tenham provocado danos ambientais;

c) encaminhar os dados, informações e resultados de apuração de responsabilidades ao órgão federal de meio ambiente, para avaliação dos danos ambientais e início das medidas judiciais cabíveis;

d) comunicar ao órgão regulador da indústria do petróleo irregularidades encontradas durante a fiscalização de navios, plataformas e suas instalações de apoio, quando atinentes à indústria do petróleo;

 

II – o órgão federal de meio ambiente, com as seguintes atribuições:

a) realizar o controle ambiental e a fiscalização dos portos organizados, das instalações portuárias, das cargas movimentadas, de natureza nociva ou perigosa, e das plataformas e suas instalações de apoio, quanto às exigências previstas no licenciamento ambiental, autuando os infratores na esfera de sua competência;

b) avaliar os danos ambientais causados por incidentes nos portos organizados, dutos, instalações portuárias, navios, plataformas e suas instalações de apoio;

c) encaminhar à Procuradoria-Geral da República relatório circunstanciado sobre os incidentes causadores de dano ambiental para a propositura das medidas judiciais necessárias;

d) comunicar ao órgão regulador da indústria do petróleo irregularidades encontradas durante a fiscalização de navios, plataformas e suas instalações de apoio, quando atinentes à indústria do petróleo;

(...)

 

Logo, para a empresa, a multa aplicada pela Capitania dos Portos, em decorrência de derramamento de óleo, excluiria a possibilidade de aplicação de multa pelo IBAMA.

 

O STJ acolheu a tese da empresa?

NÃO.

O STJ possui o entendimento consolidado no sentido de que:

A multa aplicada pela Capitania dos Portos, em decorrência de derramamento de óleo, não exclui a possibilidade de aplicação de multa pelo Ibama.

STJ. 1ª Turma. AgInt no REsp 2.032.619-PR, Rel. Min. Regina Helena Costa, julgado em 13/3/2023 (Info 768).

 

A multa aplicada pela Capitania dos Portos, em decorrência de derramamento de óleo, não exclui a possibilidade de aplicação de multa pelo IBAMA.

STJ. 1ª Turma. AgRg no REsp 1.268.832/RS, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 6/12/2012.

 

Mas não haveria bis in idem, neste caso?

NÃO. Isso porque a competência da Capitania dos Portos não exclui, mas complementa, a legitimidade fiscalizatória e sancionadora dos órgãos de proteção ao meio ambiente (STJ. 2ª Turma. REsp 1.560.022/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 5/11/2015).

 

Se tiver tempo e quiser aprofundar, confira os argumentos do Tribunal de origem, mantidos pelo STJ, para afastar o bis in idem:

“(...) Alega a excipiente que houve somente uma infração, não cabendo a aplicação cumulativa de duas sanções, de modo que, já tendo a executada sido autuada pelo órgão competente (defende que seria a Capitania dos Portos), não caberia ao IBAMA novamente aplicar multa sobre a mesma conduta, independentemente do resultado causado. Uma vez reconhecida a legitimidade do IBAMA para aplicação da multa ora impugnada nestes autos, também se verifica que não houve violação ao princípio do non bis in idem, eis que diversos foram os bens jurídicos atingidos com o fato danoso, sendo que os dois entes de fiscalização possuem atribuições para a imposição de multa, defluindo tais atribuições de fundamentos jurídicos diversos.

A legitimidade do IBAMA para fixar a multa decorre dos artigos 70 e 72 da Lei n. 9.605/1998, enquanto a da Capitania dos Portos, do disposto na Lei 9.966/2000. Tanto é assim, que a multa aplicada pelo IBAMA tem caráter repressivo do dano ambiental causado, ao passo que a multa aplicada pela Capitania é vinculada ao Fundo Naval e destinada ao cumprimento de manutenção dos serviços necessários à fiscalização da observância da lei, não estando relacionada propriamente à repressão do dano ambiental causado. Sobre a matéria, o § 1º do art. 72 da Lei n. 9.605 estabelece que se o infrator cometer, simultaneamente, duas ou mais infrações, ser-lhe-ão aplicadas, cumulativamente, as sanções a elas cominadas. Observe-se, ainda, que o artigo 25, §3º, da Lei n. 9.966/2000 é expresso em afirmar que ‘a aplicação das penas previstas neste artigo não isenta o agente de outras sanções administrativas e penais previstas na Lei no 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, e em outras normas específicas que tratem da matéria, nem da responsabilidade civil pelas perdas e danos causados ao meio ambiente e ao patrimônio público e privado", o que demonstra o caráter autônomo das multas aplicadas pela autoridade marítima e pela autoridade ambiental.

Não bastasse isso, verifico que o fundamento fático-jurídico das multas aplicadas é diverso. A autuação efetuada pela autoridade marítima teve por fundamento o lançamento no mar de substâncias proibidas pela legislação que rege a matéria (Lei n. 9.966/2000), decorrente de vazamento em navio. A efetuada pelo IBAMA teve por fundamento a omissão da autuada na adoção de medidas para conter/minorar o dano ambiental, após o acidente (Lei n. 9.605/1998).

Tratando-se, portanto, de infrações diversas, não há como se sustentar a alegação de ocorrência de duplicidade de multas pelo mesmo fato, nem que o IBAMA apenas poderia atuar em caso de inércia da Autoridade Marítima, pois, conforme já mencionado, a legislação ambiental não veda a atuação da autoridade ambiental nesta hipótese.”

 

 

 


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