terça-feira, 4 de abril de 2023

A norma contida no art. 19, § 1º, I, da Lei 10.522/2002 não pode ser aplicada para as causas envolvendo a Fazenda Pública estadual

 

Art. 19 da Lei nº 10.522/2002

O art. 19, § 1º, I, da Lei nº 10.522/2002 traz uma regra muito interessante e eficiente para a atuação judicial da PFN. Este dispositivo prevê que, se a Fazenda Nacional estiver em um processo judicial e o Procurador perceber que a causa envolve determinadas matérias nas quais a jurisprudência é manifestamente contrária às pretensões da União, será possível que a Fazenda não conteste, não interponha recurso ou, se já tiver interposto, desista.

Como “recompensa” por assumir esta postura de lealdade processual, a União não será condenada a pagar honorários advocatícios.

Leia com atenção o dispositivo e veja as peculiaridades envolvendo o tema:

Art. 19. Fica a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional dispensada de contestar, de oferecer contrarrazões e de interpor recursos, e fica autorizada a desistir de recursos já interpostos, desde que inexista outro fundamento relevante, na hipótese em que a ação ou a decisão judicial ou administrativa versar sobre:

I - matérias de que trata o art. 18;

II - tema que seja objeto de parecer, vigente e aprovado, pelo Procurador-Geral da Fazenda Nacional, que conclua no mesmo sentido do pleito do particular;   (Redação dada pela Lei nº 13.874, de 2019)

III - (VETADO).

IV - tema sobre o qual exista súmula ou parecer do Advogado-Geral da União que conclua no mesmo sentido do pleito do particular;

V - tema fundado em dispositivo legal que tenha sido declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle difuso e tenha tido sua execução suspensa por resolução do Senado Federal, ou tema sobre o qual exista enunciado de súmula vinculante ou que tenha sido definido pelo Supremo Tribunal Federal em sentido desfavorável à Fazenda Nacional em sede de controle concentrado de constitucionalidade;

VI - tema decidido pelo Supremo Tribunal Federal, em matéria constitucional, ou pelo Superior Tribunal de Justiça, pelo Tribunal Superior do Trabalho, pelo Tribunal Superior Eleitoral ou pela Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência, no âmbito de suas competências, quando:

a) for definido em sede de repercussão geral ou recurso repetitivo; ou

b) não houver viabilidade de reversão da tese firmada em sentido desfavorável à Fazenda Nacional, conforme critérios definidos em ato do Procurador-Geral da Fazenda Nacional; e

VII - tema que seja objeto de súmula da administração tributária federal de que trata o art. 18-A desta Lei.

§ 1º Nas matérias de que trata este artigo, o Procurador da Fazenda Nacional que atuar no feito deverá, expressamente:

I - reconhecer a procedência do pedido, quando citado para apresentar resposta, inclusive em embargos à execução fiscal e exceções de pré-executividade, hipóteses em que não haverá condenação em honorários; ou

II - manifestar o seu desinteresse em recorrer, quando intimado da decisão judicial.

§ 2º A sentença, ocorrendo a hipótese do § 1º, não se subordinará ao duplo grau de jurisdição obrigatório.

(...)

 

A norma contida no art. 19, § 1º, I, da Lei nº 10.522/2002 pode ser aplicada também, por analogia, para as causas envolvendo a Fazenda Pública estadual? Veja a seguinte situação hipotética:

A empresa Alfa estava em débito com a Fazenda Pública do Estado de Goiás.

Como não houve pagamento, o Estado ajuizou execução fiscal contra a empresa.

Citada, a executada ingressou com exceção de pré-executividade alegando, dentre outros fundamentos, que a cobrança efetuada está em desacordo com o que decidiu o Plenário do STF no ARE 1.216.078 (Tema 1062 da repercussão geral).

A Fazenda Pública estadual concordou com os argumentos (reconheceu a procedência do pedido formulado pela executada na exceção de pré-executividade). O Estado-membro pediu, contudo, para não ser condenado a pagar honorários advocatícios considerando que, em sua visão, o caso se enquadraria na parte final do art. 19, §1º, I, da Lei 10.522/2002:

Art. 19. Fica a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional dispensada de contestar, de oferecer contrarrazões e de interpor recursos, e fica autorizada a desistir de recursos já interpostos, desde que inexista outro fundamento relevante, na hipótese em que a ação ou a decisão judicial ou administrativa versar sobre:

(...)

VI - tema decidido pelo Supremo Tribunal Federal, em matéria constitucional, ou pelo Superior Tribunal de Justiça, pelo Tribunal Superior do Trabalho, pelo Tribunal Superior Eleitoral ou pela Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência, no âmbito de suas competências, quando:

a) for definido em sede de repercussão geral ou recurso repetitivo; ou

(...)

§ 1º Nas matérias de que trata este artigo, o Procurador da Fazenda Nacional que atuar no feito deverá, expressamente:

I - reconhecer a procedência do pedido, quando citado para apresentar resposta, inclusive em embargos à execução fiscal e exceções de pré-executividade, hipóteses em que não haverá condenação em honorários; ou

(...)

 

Ressaltou que mencionado dispositivo, embora se refira à Fazenda Nacional, deve também ser aplicado aos entes estaduais, ao argumento de que “a isonomia e a simetria dos entes federados somente cedem lugar a tratamentos diferenciados quando exista um fator justificável de discrímen”.

Acrescentou que o dispositivo versa sobre matéria de processo civil no bojo de lei de caráter tributário da União, que isenta a União de pagamento de honorários, a qual deve ser entendida como norma de caráter nacional. Assim, “embora não seja dado ao Estado editar lei estadual suprimindo direito assegurado amplamente por norma federal, ofende o princípio federativo a interpretação de que uma norma de caráter processual civil, ainda que no bojo de lei disciplinadora de matéria pertinente à União, não se aplique aos demais entes federados, conferindo um privilégio à Fazenda Nacional em suas demandas judiciais sem estendê-lo à Fazenda Pública Estadual nas mesmas circunstâncias fáticas”.

Concluiu que “a única interpretação que assegure a constitucionalidade do art. 19, §1º, I da Lei nº 10.522/2002 é de que seu caráter é de noma nacional, e não meramente federal, aplicando-se, assim, a todas as Fazendas Públicas da Federação, porquanto a matéria atinente à supressão da percepção de honorários advocatícios não é de direito tributário mas de direito processual, previsto, de forma geral, no CPC”.

 

O STJ concordou com os argumentos do Estado-membro? A norma contida no art. 19, § 1º, I, da Lei nº 10.522/2002 pode ser aplicada também para as causas envolvendo a Fazenda Pública estadual?

NÃO.

A regra geral disposta no caput do art. 90 do CPC/2015 é a de que:

Art. 90. Proferida sentença com fundamento em desistência, em renúncia ou em reconhecimento do pedido, as despesas e os honorários serão pagos pela parte que desistiu, renunciou ou reconheceu.

(...)

 

O acolhimento de exceção de pré-executividade, ainda que parcial, enseja a condenação da Fazenda Pública exequente ao pagamento da verba honorária. Nesse sentido:

O acolhimento ainda que parcial da impugnação gerará o arbitramento dos honorários, do mesmo modo que o acolhimento parcial da exceção de pré-executividade, porquanto, nessa hipótese, há extinção também parcial da execução.

STJ. Corte Especial. REsp 1.134.186/RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 1/8/2011 (Recurso Repetitivo – Tema 410)

 

O art. 19, § 1º da Lei nº 10.522/2002 é uma exceção a essa regra geral. Ele afasta a condenação da Fazenda Nacional exequente ao pagamento da verba honorária quando ela não se opuser à defesa apresentada pelo devedor em sede de embargos à execução fiscal ou exceção de pré-executividade acerca de determinados temas.

Trata-se de regra de direito processual civil, de competência legislativa privativa da União (art. 22, I, da Constituição Federal), visto que excepciona a aplicação de norma geral prevista expressamente no estatuto processual vigente que cuida do cabimento dos honorários advocatícios.

Ocorre que, por se tratar de norma de exceção, deve ela ser interpretada restritivamente, não comportando aplicação extensiva, seja por analogia ou equidade.

Para o caso vertente, a literalidade do disposto no art. 19, § 1º, I, da Lei nº 10.522/2002 somente prevê a dispensa da verba honorária para os casos de reconhecimento da procedência do pedido manifestada por Procurador da Fazenda Nacional, ou seja, em execuções fiscais de créditos federais.

O almejado reconhecimento judicial desse direito à Fazenda Pública estadual implica indevida integração da mencionada norma pelo Poder Judiciário, pois acaba por adicionar como destinatário do benefício processual pessoa de direito público não contemplada no texto do projeto de lei aprovado por ambas as casas do Congresso Nacional, afrontando assim o postulado constitucional da separação dos poderes da República.

Acresce-se, por oportuno, que eventual vício de inconstitucionalidade da citada norma processual pela alegada afronta aos princípios da isonomia e simetria entre os entes federados justificaria, quando muito, a nulidade desse artigo de lei a impedir a utilização desse benefício processual pela Fazenda Nacional, mas não a extensão desse direito à pessoa de direito público não contemplada no dispositivo legal.

 

Em suma:

A norma contida no art. 19, § 1º, I, da Lei nº 10.522/2002, que dispensa o pagamento de honorários advocatícios na hipótese de o exequente reconhecer a procedência do pedido veiculado pelo devedor em embargos à execução fiscal ou em exceção de pré-executividade, é dirigida exclusivamente à Fazenda Nacional, não sendo aplicável no âmbito de execução fiscal ajuizada por Fazenda Pública estadual.

STJ. 1ª Turma. REsp 2.037.693-GO, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 7/3/2023 (Info 766).

 

 

 

 


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