sábado, 13 de maio de 2023

Lei estadual pode estabelecer que os hospitais façam a coleta compulsória do material genético da mãe e do recém nascido, na sala de parto, para evitar a troca de bebês?

 

A situação concreta foi a seguinte:

No Estado do Rio de Janeiro, foi editada a Lei estadual nº 3.990/2002, que impôs medidas com o objetivo de evitar a troca de recém-nascidos nas dependências dos hospitais e maternidades. Confira o que estabeleceu a Lei, em especial a parte final do art. 1º e o art. 2º, III:

Art. 1º Ficam os hospitais, casas de saúde e maternidades, públicos ou privados, no âmbito do Estado do Rio de Janeiro, obrigados a adotarem medidas de segurança que evitem, impeçam ou dificultem a troca de , recém-nascidos em suas dependências, bem como permitam a identificação posterior, através de exame de DNA comparativo em casos de dúvida.

 

Art. 2º Para consecução dos objetivos do artigo anterior definem-se como medidas de segurança:

(...)

III - Utilização de kit de coleta de material genético de todas as mães e filhos ali internados, coletados na sala de parto para arquivamento na unidade de saúde a disposição da Justiça.

 

Art. 3º O descumprimento do disposto na presente Lei implicará nas seguintes sanções, independentes das medidas judiciais cíveis e criminais cabíveis:

I - multa de 5.000 UFIR`s pela não adoção das medidas em primeira autuação;

II - multa de 10.000 UFIR`s pela não adoção das medidas em segunda autuação;

III - interdição da maternidade.

 

Em outras palavras, a parte final do art. 1º e o inciso III do art. 2º da Lei nº 3.990/2002 determinaram que os hospitais, casas de saúde e maternidades localizados no Estado do Rio de Janeiro fizessem a coleta compulsória de material genético de mães e bebês na sala de parto e o subsequente armazenamento à disposição da Justiça para o fim de evitar a troca de recém-nascidos nas unidades de saúde.

O Procurador-Geral da República ajuizou ADI contra essa previsão.

Para o autor da ação, a norma viola os direitos fundamentais à proteção da privacidade e da intimidade e ao devido processo legal (art. 5º, X e LIV, da Constituição Federal).

 

O STF concordou com o pedido formulado na ADI? Os dispositivo impugnados são inconstitucionais?

SIM.

É inconstitucional norma estadual que determina a hospitais, casas de saúde e maternidades a coleta compulsória de material genético de mães e bebês na sala de parto e o subsequente armazenamento à disposição da Justiça para o fim de evitar a troca de recém-nascidos nas unidades de saúde.

Essa previsão viola os direitos à intimidade e à privacidade (art. 5º, X, CF/88), bem como os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, na dimensão da proibição do excesso.

STF. Plenário. ADI 5545/RJ, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 13/4/2023 (Info 1090).

 

A lei estadual impugnada, a pretexto de proteger o direito à filiação biológica, viola o direito à privacidade de pessoas em estado de extrema vulnerabilidade, uma vez que há coleta e armazenamento de material genético sem prévio consentimento.

Desse modo, a lei infringe a autonomia da vontade da parturiente ao se valer de instrumento coercitivo desproporcional para a tutela de interesse eminentemente privado do destinatário da norma, além de comprometer a autodeterminação informativa dos titulares desses dados, pois os impede de decidir sobre sua divulgação e utilização.

Os dados genéticos são classificados como sensíveis, de modo que, mesmo que houvesse consentimento da parturiente, o direito à privacidade ainda estaria violado, visto que o texto da lei impugnada é vago em relação ao tratamento dos dados genéticos armazenados, o que constitui severo risco à integridade digital dos indivíduos.

A ausência de previsão quanto à destinação dos dados, bem como aos mecanismos para sistematizar a coleta, a guarda eficaz e a sua posterior exclusão, permite a utilização do material coletado para quaisquer interesses, como a mercantilização e o perfilamento dos dados, o que pode ocasionar uma série de violações a direitos fundamentais, como, por exemplo, a discriminação genética de pessoas com doenças congênitas.

Além disso, há medidas mais efetivas e menos custosas e interventivas na esfera privada dos indivíduos para se evitar a troca de bebês nas unidades de saúde. Exemplos disso são o uso de pulseiras numeradas na mãe e no filho, o uso de grampo umbilical, a identificação da gestante no momento da admissão, em conjunto com a posterior identificação do recém-nascido no momento do nascimento, e a possibilidade da permanência do pai no momento do nascimento do filho.

Deve-se registrar, por fim, que eventual coleta de material genético se mostra mais eficaz e menos lesivo se for feito única e exclusivamente a partir do instante em que ocorrer a dúvida sobre possível troca. Neste momento, será possível fazer um exame de DNA para comprovar a filiação biológica.

 

Tese fixada pelo STF:

É inconstitucional a lei estadual que preveja o arquivamento de materiais genéticos de nascituros e parturientes, em unidades de saúde, com o fim de realizar exames de DNA comparativo em caso de dúvida.

STF. Plenário. ADI 5545/RJ, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 13/4/2023 (Info 1090).

 

Com base nesses entendimentos, o Plenário do STF julgou procedente o pedido para declarar a inconstitucionalidade da parte final do art. 1º e do inciso III do 2º, ambos da Lei nº 3.990/2002, do Estado do Rio de Janeiro.

 

 

 


Print Friendly and PDF