terça-feira, 16 de maio de 2023

É constitucional lei estadual que cria Grupo de Atuação Especial contra o Crime Organizado (GAECO), no âmbito do Ministério Público

                                                                                

O caso concreto foi o seguinte:

Nos Estados do Mato Grosso e de Tocantins foram editadas leis criando Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (GAECO) no âmbito do Ministério Público.

Veja alguns trechos da Lei Complementar estadual 119/2002, do Mato Grosso:

Art. 1º Fica criado, no âmbito do Poder Executivo e do Ministério Público do Estado de Mato Grosso, o GAECO – Grupo de Atuação Especial contra o crime organizado, com sede na capital e atribuições em todo o território do Estado de Mato Grosso.

 

Art. 2º (...)

§ 4º Em caso de necessidade, o Coordenador do GAECO poderá, nos termos do art. 23, VIII, da Lei Complementar 27, de 19 de novembro de 1993, requisitar serviços temporários de servidores civis

ou policiais civis ou militares para a realização das atividades de combate às organizações criminosas.

 

Art. 3º O Coordenador do GAECO será um representante do Ministério Público, nomeado pelo Procurador-Geral de Justiça.

 

Art. 4º São atribuições do GAECO:

(...)

III – instaurar procedimentos administrativos de investigação;

(...)

VII – oferecer denúncia, acompanhando-a até seu recebimento, requerer o arquivamento do inquérito policial ou procedimento administrativo;

§ 2º Durante a tramitação do procedimento administrativo e do inquérito policial, o GAECO poderá atuar em conjunto com o Promotor de Justiça que tenha prévia atribuição para o caso.

§ 3º A denúncia oferecida pelo GAECO, com base em procedimento administrativo , inquérito policial ou outras peças de informação, será distribuída perante o juízo competente, sendo facultado ao Promotor de Justiça, que tenha prévia atribuição para o caso, atuar em conjunto nos autos.

 

Art. 6º O GAECO terá dotação orçamentária específica, dentro da proposta orçamentária do Ministério Público e destinação de recursos pelo Poder Executivo.

 

Confira agora alguns trechos da Lei Complementar estadual 72/2011, de Tocantins:

Art. 1º É instituído no âmbito do Ministério Público do Estado do Tocantins o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado - GAECO.

(...)

 

Art. 3º O Procurador Geral de Justiça proporcionará ao GAECO a estrutura e os recursos técnicos e administrativos necessários ao seu funcionamento, de acordo com as disponibilidades do Ministério Público.

 

Art. 4º Os membros do Ministério Público designados para integrarem o GAECO tem atribuições para, em conjunto ou individualmente, mediante distribuição:

I   - realizar investigações e serviços de inteligência;

II - requisitar e acompanhar inquéritos policiais;

III - instaurar procedimentos administrativos de investigação;

(...)

VII - requisitar diretamente de órgãos públicos informações necessárias à consecução de suas atividades;

 

Art. 8º Qualquer autoridade que no exercício de suas funções verificar a existência de indícios de atuação de organização criminosa deve enviar cópias de autos e peças de informação ao GAECO para a tomada de providências cabíveis.

 

Art. 12. Os integrantes do GAECO comunicarão ao Procurador Geral de Justiça as investigações instauradas.

 

Art. 14. O GAECO tem dotação orçamentária específica, dentro da proposta orçamentária do Ministério Público.

 

O então Partido Social Liberal (PSL) ajuizou duas ADIs contra essas duas leis estaduais aduzindo, dentre outros argumentos, que:

a) a requisição da Administração Pública de serviços temporários de servidores civis ou policiais militares e meios materiais necessários para a realização de atividades específicas é prerrogativa do Poder Executivo;

b) a lei prevê subordinação hierárquica entre servidores da polícia civil ou militar e membros do Ministério Púbico;

c) a Constituição Federal não atribui ao Ministério Público a função de investigação criminal, mas apenas a possibilidade de requisitar a instauração de inquérito policial.

 

O STF concordou com os argumentos do autor? Essas leis são inconstitucionais?

NÃO.

São constitucionais leis estaduais que dispõem sobre a criação de Grupos de Atuação Especial contra o Crime Organizado (GAECOs).

Os GAECOs são órgãos de cooperação institucional criados dentro da estrutura do Ministério Público local com a finalidade de concretizar instrumentos procedimentais efetivos para a realização de planejamento estratégico e garantir a eficiência e a eficácia dos procedimentos de investigação criminal realizados para o combate à criminalidade organizada, à impunidade e à corrupção.

STF. Plenário. ADI 2.838/MT e ADI 4.624/TO, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgados em 13/4/2023 (Info 1090).

 

O grande desafio institucional brasileiro da atualidade é evoluir nas formas de combate à criminalidade, efetivando um maior entrosamento dos diversos órgãos governamentais na investigação à criminalidade organizada, na repressão à impunidade e na punição da corrupção, e, consequentemente, estabelecer uma legislação que fortaleça a união dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, bem como do Ministério Público na área de persecução penal, no âmbito dos Estados da Federação.

A Constituição Federal de 1988 ampliou o papel do Ministério Público, transformando-o em um verdadeiro defensor da sociedade e do regime democrático, e permitiu à legislação ordinária a fixação de outras funções, quando compatíveis com sua finalidade constitucional.

Nesse contexto, o STF assentou, inclusive em sede de repercussão geral, a legitimidade do Ministério Público para promover, por autoridade própria, investigações de natureza penal, observados os direitos e garantias de indivíduos investigados pelo Estado:

O Ministério Público dispõe de competência para promover, por autoridade própria, e por prazo razoável, investigações de natureza penal, desde que respeitados os direitos e garantias que assistem a qualquer indiciado ou a qualquer pessoa sob investigação do Estado, observadas, sempre, por seus agentes, as hipóteses de reserva constitucional de jurisdição e, também, as prerrogativas profissionais de que se acham investidos, em nosso País, os Advogados (Lei 8.906/94, artigo 7º, notadamente os incisos I, II, III, XI, XIII, XIV e XIX), sem prejuízo da possibilidade – sempre presente no Estado democrático de Direito – do permanente controle jurisdicional dos atos, necessariamente documentados (Súmula Vinculante 14), praticados pelos membros dessa instituição.

STF. Plenário. RE 593727, Relator p/ Acórdão Min. Gilmar Mendes, julgado em 14/05/2015 (Repercussão Geral – Tema 184).

 

Obviamente, o poder investigatório do Ministério Público não é sinônimo de poder sem limites ou avesso a controles, mas sim derivado diretamente de suas funções constitucionais enumeradas na Constituição Federal e com plena possibilidade de responsabilização de seus membros por eventuais abusos cometidos no exercício de suas funções, pois, em um regime republicano, todos devem fiel observância à Lei.

Dentro desse contexto, os dispositivos legais impugnados nada mais fizeram do que instrumentalizar de maneira constitucional e razoável o Ministério Público para o exercício de sua missão constitucional, inclusive o combate ao crime organizado e à corrupção, com a criação de um órgão dentro de sua estrutura administrativa, com plena autonomia funcional e apoio das Polícias Civil e Militar.

A estruturação do GAECO — como órgão interno na estrutura do Parquet e coordenado por membro da própria instituição, com o apoio das Polícias Civil e Militar — garante ampla autonomia funcional aos seus membros, bem como autonomia administrativa e financeira, com previsão de destinação orçamentária específica dentro do orçamento ministerial.

Trata-se, portanto, de órgão criado na estrutura do Ministério Público e por este coordenado, com apoio de policiais cedidos pelas polícias civil e militar com a finalidade de atuação no âmbito dos procedimentos de investigação criminal, obviamente, cada qual nos limites de suas funções constitucionais de polícia judiciária e polícia ostensiva e de preservação da ordem pública.

A coordenação das tarefas do grupo, a cargo do Promotor de Justiça, é restrita ao âmbito das atividades realizadas pelos agentes policiais que integram o próprio GAECO e em razão das atribuições desse grupo, não autorizando a se imiscuir em quaisquer questões internas de corporações policiais, sem prejuízo do regular exercício, inclusive pelo Promotor coordenador do GAECO, do controle externo sobre as atividades por essas desenvolvidas, sendo, portanto, desprovidas de fundamentação as alegações do autor da ADI no sentido de criação de verdadeiro controle interno da Polícia pelo Ministério Público.

Ademais, o duplo vínculo hierárquico dos servidores de corporações policiais integrantes do GAECO, enquanto durar a sua atuação, não configura inconstitucionalidade. Trata-se de hipótese semelhante à que ocorre nos institutos da cessão e da requisição de servidores públicos, em que a vinculação disciplinar permanece na “carreira-mãe”, de modo que se cria uma vinculação apenas funcional para o exercício das funções inerentes ao próprio GAECO.

Com base nesses entendimentos, o Plenário, por unanimidade, em apreciação conjunta, conheceu parcialmente das ações e, nessas extensões, as julgou improcedentes para declarar a constitucionalidade da Lei Complementar nº 119/2002 do Estado de Mato Grosso e da Lei Complementar nº 72/2011 do Estado de Tocantins.

 

DOD Plus – informações complementares

Não configura violação ao princípio do promotor natural a atuação do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (GAECO) quando precedida de solicitação do Promotor de Justiça a quem a investigação foi atribuída

A jurisprudência do STJ consolidou-se no sentido de que a atuação do GAECO não viola o princípio do promotor natural.

A atuação de promotores auxiliares ou de grupos especializados não ofende o princípio do promotor natural, uma vez que, nessa hipótese, se amplia a capacidade de investigação, de modo a otimizar os procedimentos necessários à formação da opinio delicti do Parquet.

Vale ressaltar, contudo, que, para que não haja ofensa ao princípio do promotor natural, o promotor a quem distribuído livremente o feito deverá solicitar ou anuir com a participação ou ingresso do GAECO nas investigações.

Na hipótese em exame, não há que se falar em violação do princípio do promotor natural, uma vez que não houve designação casuística ou arbitrária do grupo especializado para sua atuação nos autos da investigação. O Promotor de Justiça a quem a investigação foi atribuída solicitou a atuação do GAECO.

STJ. 5ª Turma. AgRg no RHC 147951/MG, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 27/09/2022 (Info 751).

 

 

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