quinta-feira, 4 de maio de 2023

Se uma pessoa é atingida por bala perdida durante confronto entre policiais e criminosos, o Estado deverá ser condenado a indenizar, mesmo que a parte autora não consiga provar que a bala partiu dos policiais

 

O caso concreto, com adaptações, foi o seguinte:

Em 2014, durante uma operação da Polícia Militar na Comunidade da Quitanda, em Costa Barros, na capital do Rio de Janeiro, uma criança de três anos morreu dentro de casa enquanto dormia, ao ser atingida na cabeça por uma bala perdida.

Os parentes da vítima ajuizaram ação de indenização por danos morais contra o Estado do Rio de Janeiro.

O juízo de 1ª instância e o TJ/RJ julgaram o pedido improcedente, afastando a responsabilidade civil do Estado pela morte sob o argumento de que não ficou provado que o projétil teria partido das armas dos policiais.

Os autores interpuseram recurso extraordinário.

 

O que decidiu o STF? O Estado do Rio de Janeiro foi condenado a pagar a indenização?

SIM.

A responsabilidade civil do Estado depende, para a configuração da ocorrência, do preenchidos dos seguintes pressupostos:

a) a conduta (ação ou omissão);

b o dano sofrido; e

c) o nexo de causalidade entre o evento danoso e a ação ou omissão do agente público.

 

No contexto de incursões policiais, o Estado deverá ser condenado a indenizar se ficar comprovado:

a) o confronto armado entre agentes estatais e criminosos (isso é a “ação”);

b) a lesão ou morte de cidadão (dano);

c) e que esse dano foi causado por disparo de arma de fogo (nexo de causalidade).

 

Preenchidos os pressupostos acima, é dever do Poder Público indenizar, salvo se o Estado comprovar a ocorrência de hipóteses excludentes da relação de causalidade.

 

A ação de agentes estatais — munidos de armamento letal, em área urbana densamente povoada, deflagrando ou reagindo a confronto com criminosos — impõe ao ente estatal a demonstração da conformidade da intervenção das forças de segurança pública, visto que possui condições de elucidar as causas e circunstâncias do evento danoso.

A atribuição desse ônus probatório é decorrência lógica do monopólio estatal do uso da força e dos meios de investigação. O Estado possui os meios para tanto — como câmeras corporais e peritos oficiais —, cabendo-lhe averiguar as externalidades negativas de sua ação armada, coligindo evidências e elaborando os laudos que permitam a identificação das reais circunstâncias da morte de civis desarmados dentro de sua própria residência.

Na espécie, a perícia foi inconclusiva sobre a origem do disparo. A vítima foi alvejada por projétil de arma de fogo dentro de sua própria casa, enquanto deitado na cama com sua mãe, quando ocorria incursão de agentes estatais armados, com disparos de armas de fogo.

Assim, ausente a comprovação pelo Estado de caso fortuito, força maior, culpa exclusiva da vítima, fato de terceiro ou outra circunstância interruptiva do nexo causal, mostra-se inafastável o dever de indenizar.

 

Em suma:

No caso de vítima atingida por projétil de arma de fogo durante uma operação policial, é dever do Estado, em decorrência de sua responsabilidade civil objetiva, provar a exclusão do nexo causal entre o ato e o dano, pois ele é presumido.

STF. 2ª Turma. ARE 1.382.159 AgR/RJ, Rel. Min. Nunes Marques, redator do acórdão Min. Gilmar Mendes, julgado em 28/03/2023 (Info 1089).

 

Com base nesse entendimento, a Segunda Turma, por maioria, deu provimento ao agravo interno e ao recurso extraordinário com agravo para julgar procedentes, em parte, os pedidos e condenar o Estado do Rio de Janeiro ao pagamento de compensação por danos morais a parentes da vítima.


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