sábado, 6 de maio de 2023

É cabível o ajuizamento de ação rescisória em face de acórdão proferido pelo STF em processo de extradição

 

A situação concreta, com adaptações, foi a seguinte:

Em 01/01/1994, Jaime, nacional colombiano, cometeu homicídio contra sua namorada Nancy.

O crime ocorreu na cidade de Barranquilla, na Colômbia.

Em julho de 1996, Jaime foi condenado a 27 anos de prisão pelos crimes de “homicídio” e “acesso carnal violento” praticados contra Nancy.

Ocorre que não se conseguiu efetivar a sua prisão na época porque, desde o crime, ele se encontrava foragido.

O pai da vítima, após anos procurando o assassino da sua filha, descobriu que Jaime vivia no Brasil, mais especificamente em Belo Horizonte (MG), com documentos falsos.

O Governo da Colômbia solicitou a extradição do condenado.

 

Empate no julgamento do pedido de extradição

Em 2020, no julgamento do pedido de extradição (Ext. 1.560/DF), houve um empate na 2ª Turma do STF.

De um lado, o Min. Gilmar Mendes e a Min. Cármen Lúcia votavam pela procedência parcial do pedido de extradição em relação ao crime de homicídio descrito à inicial, condicionada a entrega do extraditando à assunção dos compromissos legais e internacionais por parte do Estado requerente, em especial o de computar o tempo de prisão decorrente deste processo para fins de detração e de não executar a pena em relação ao crime de estupro, pelo qual o pedido foi indeferido.

De outro, o Min. Edson Fachin e o Min. Ricardo Lewandowski votaram no sentido de indeferir o pedido de extradição, por ausência do requisito da dupla punibilidade necessário ao deferimento da extradição, sob o argumento de que o crime de homicídio praticado estaria prescrito no Brasil.

O Min. Celso de Mello, quinto membro da 2ª Turma, não votou porque estava de licença médica.

Diante do empate, a 2ª Turma entendeu que deveria prevalecer o entendimento mais favorável ao extraditando. Logo, a extradição foi negada e a prisão preventiva de Jaime foi revogada.

A decisão transitou em julgado em 13/02/2021.

 

Ação rescisória

O pai da vítima, Martín, não concordando com o julgamento, ajuizou ação rescisória, fundada no art. 966, V, do CPC/2015, pretendendo a desconstituição de acórdão proferido pela 2ª Turma do STF nos autos da Ext. 1.560-AgR/DF.

 

Quem julgou a ação rescisória?

O Plenário do STF (art. 6º, I, “c”, do Regimento Interno do STF).

 

O pai da vítima tinha legitimidade para a ação rescisória?

SIM.

O art. 967 do CPC/2015, enumera os legitimados para a propositura da ação rescisória, a saber:

a) quem foi parte no processo ou o seu sucessor a título universal ou singular;

b) o terceiro juridicamente interessado;

c) o Ministério Público; e

d) aquele que não foi ouvido no processo em que lhe era obrigatória a intervenção.

 

No presente caso, embora o pai da vítima não tenha figurado como parte nos autos da Ext. 1.560/DF, foi devidamente habilitado como “parte civil” no processo-crime que condenou o extraditando Jaime, na República da Colômbia.

Não bastasse esse fato de ter sido habilitado como “parte civil” no processo-crime (o que guarda certa correspondência com a figura do assistente simples no âmbito processual civil), o autor da rescisória ostenta a condição de terceiro juridicamente interessado, haja vista ser o genitor da vítima.

Dessa forma, o STF entendeu atendido o requisito formal da legitimidade ativa ad causam para o ajuizamento da ação rescisória em debate, na qualidade de terceiro juridicamente interessado, pois sofre os reflexos da decisão passada em julgado.

 

Havia dúvidas se caberia ação rescisória. Isso porque não cabe rescisória no processo penal. Se consideramos que o processo de extradição tem natureza criminal, logo, não seria possível a rescisória, mas tão somente a revisão criminal em favor do condenado. O que decidiu o STF? É cabível ação rescisória no presente caso?

SIM.

É cabível o ajuizamento de ação rescisória em face de acórdão proferido pelo STF em processo de extradição. Isso porque o processo de extradição possui cunho predominantemente administrativo, não havendo que se falar na hipótese de julgamento de natureza penal.

STF. Plenário. AR 2921/DF, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 30/04/2023 (Info 1089).

 

A extradição constitui instrumento de cooperação jurídica internacional e possui natureza jurídica de ato administrativo, diplomático e jurídico. Não se trata de um julgamento de natureza penal.

 

Quanto ao mérito, o que decidiu o Plenário do STF? O acórdão da 2ª Turma do STF que, diante do empate, rejeitou o pedido de extradição, violou manifestamente norma jurídica (art. 966, V, do CPC)?

SIM.

Houve dois votos em favor da extradição e dois em sentido contrário.

Em razão do Min. Celso de Mello não estar presente no julgamento, por motivos de licença médica, prevaleceu o voto mais favorável ao réu (no caso, o do indeferimento da extradição).

Essa solução violou norma jurídica.

Em regra, a prolação do resultado de um julgamento colegiado depende de maioria dos votos. Excepcionalmente, no caso do processo de habeas corpus, admite-se a prolação do resultado com base em um empate, decidindo-se em favor do paciente. Isso se deve, contudo, à urgência e à determinação legal de que se proceda à imediata soltura do paciente, não sendo recomendado aguardar o tempo necessário à prolação do voto de desempate.

Não é possível transpor essa previsão excepcional do habeas corpus para outras hipóteses nas quais não haja previsão legal expressa.

A decisão majoritária é (e sempre deve ser) a regra geral para julgamentos colegiados (ressalvas feitas, por exemplo, à ação constitucional do habeas corpus ou aos casos insuperáveis).

É por isso, inclusive, que o Código de Processo Penal dispõe sobre a necessidade de colheita do voto do Presidente do Tribunal, Câmara ou Turma, na hipótese de não ter votado, oportunidade em que proferirá o voto de desempate (também conhecido como “voto de qualidade”):

Art.615. O tribunal decidirá por maioria de votos.

§1º Havendo empate de votos no julgamento de recursos, se o presidente do tribunal, câmara ou turma, não tiver tomado parte na votação, proferirá o voto de desempate; no caso contrário, prevalecerá a decisão mais favorável ao réu.

(...)

 

Art. 664. Recebidas as informações, ou dispensadas, o habeas corpus será julgado na primeira sessão, podendo, entretanto, adiar-se o julgamento para a sessão seguinte.

Parágrafo único. A decisão será tomada por maioria de votos.

Havendo empate, se o presidente não tiver tomado parte na votação, proferirá voto de desempate; no caso contrário, prevalecerá a decisão mais favorável ao paciente.

 

A esse respeito, o Regimento Interno do STF prevê algumas hipóteses nas quais, diante do empate, ou será colhido o voto do Presidente, ou será necessário aguardar o retorno do Ministro que não votou ou, ainda, convocar outro Ministro de outra Turma, o empate somente beneficiando o réu em determinados casos excepcionalíssimos.

A partir da leitura sistemática de dispositivos regimentais e na linha da jurisprudência do STF, vê-se que há preferência pela votação majoritária em julgamentos colegiados, com a obtenção do voto de desempate, especialmente quando o empate se deve a situação totalmente solucionável, como no caso concreto (licença médica).

A solução favorável ao réu, no caso de empate em habeas corpus ou recurso criminal, configura situação excepcionalíssima, que não pode ser estendida a casos distintos dos estabelecidos na lei.

 

Em suma:

Verificada a ocorrência de empate em julgamento de processo de extradição, é necessário o seu adiamento para que a decisão seja tomada somente depois do voto de desempate, visto que a aplicação de solução mais favorável ao réu se restringe aos casos expressamente previstos na legislação.

STF. Plenário. AR 2921/DF, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 30/04/2023 (Info 1089).

 

Com base nesses entendimentos, o Plenário do STF, por maioria, julgou parcialmente procedente a ação rescisória para:

i) afastar a proclamação do resultado prolatado pela 2ª Turma do STF no mencionado processo de extradição; e

ii) determinar a remessa dos autos à 2ª Turma para fins de aplicação do art. 150, §§ 1º e 2º, do RISTF, com a tomada do voto do ministro ausente para a conclusão do julgamento.


Print Friendly and PDF