segunda-feira, 23 de outubro de 2023

A proibição de consumo de álcool imposta como condição especial ao apenado somente é válida se for fundamentada em circunstâncias específicas do crime pelo qual o condenado foi sentenciado

Imagine a seguinte situação hipotética:

João foi condenado por roubo.

O juiz fixou o regime aberto.

A fim de disciplinar o cumprimento da pena no regime aberto, o magistrado estabeleceu uma série de condições, dentre elas, a proibição do consumo de álcool. Constou o seguinte na decisão:

(...)

5) Não frequentar bares, boates, botequins, casa de prostituição ou lugares semelhantes, NEM QUE SEJA PARA COMPRAR MERCADORIA DIVERSA DE BEBIDA ALCOÓLICA (condição especial necessária para evitar que o apenado tenha contato com ambientes propensos ao cometimento de novos delitos);

6) Não ingerir bebida alcoólica de espécie alguma (condição especial necessária para manter boa saúde mental do apenado, buscando evitar que este volte a delinquir);

7) Realizar o teste do etilômetro sempre que determinado pela Polícia Militar, a qualquer hora do dia ou da noite e em qualquer local, mesmo que no domicílio (condição especial que visa facilitar a fiscalização policial, evitando que o apenado faça uso de bebidas alcoólicas);

(...)

No caso de descumprimento injustificado das condições constantes nos itens acima, será imediatamente determinado o seu recolhimento ao Presídio local, independentemente de nova intimação.

 

Para o STJ, no caso concreto, foi válida essa proibição genérica de consumo de álcool imposta como condição especial ao apenado?

NÃO.

Os arts. 115 e 116 da Lei de Execuções Penais autorizam o Juízo das execuções a estabelecer condições especiais de cumprimento de pena em regime aberto, como se vê da letra da lei:

Art. 115. O Juiz poderá estabelecer condições especiais para a concessão de regime aberto, sem prejuízo das seguintes condições gerais e obrigatórias:

I - permanecer no local que for designado, durante o repouso e nos dias de folga;

II - sair para o trabalho e retornar, nos horários fixados;

III - não se ausentar da cidade onde reside, sem autorização judicial;

IV - comparecer a Juízo, para informar e justificar as suas atividades, quando for determinado.

 

Art. 116. O Juiz poderá modificar as condições estabelecidas, de ofício, a requerimento do Ministério Público, da autoridade administrativa ou do condenado, desde que as circunstâncias assim o recomendem.

 

Vale ressaltar, contudo, que a melhor interpretação dos dispositivos transcritos deve ser no sentido de que a criação de regra que destoe das condições gerais e obrigatórias previstas nos incisos do art. 115 da LEP pressupõe, necessariamente, que a imposição seja acompanhada de fundamentação que justifique adequadamente, com base no caso concreto, a restrição imposta ao executado.

Nesse sentido:

É lícito que o magistrado, observando as particularidades do caso concreto, fixe condições especiais, além das gerais e obrigatórias, para o cumprimento da pena em regime aberto, podendo também, modificar as condições já estabelecidas, desde que as circunstâncias recomendem a alteração.

STJ. 6ª Turma. REsp 1.649.771/SC, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 1º/3/2018.

 

No mesmo sentido:

É possível ao magistrado sentenciante, o estabelecimento de condições especiais para o regime aberto em complemento daquelas previstas na Lei de Execução Penal - LEP.

STJ. 5ª Turma. AgRg no HC 600.920/PR, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 9/3/2021.

 

É lícito que o magistrado, observando as particularidades do caso concreto, fixe condições especiais, além das gerais e obrigatórias, para o cumprimento da pena em regime aberto, podendo também, modificar as condições já estabelecidas, desde que as circunstâncias recomendem a alteração.

STJ. 6ª Turma. REsp 1.649.771/SC, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 1º/3/2018.

 

No caso concreto, a proibição de ingerir bebida alcóolica é uma condição que desborda das condições gerais elencadas em rol taxativo no art. 115 da LEP. Logo, o magistrado deveria ter justificado, com base em elementos concretos, a razão pela qual estava fixando para aquele apenado.

Desse modo, a condição especial que veda ao apenado ingerir bebidas alcoólicas de qualquer espécie, com base na justificativa genérica de que a proibição visaria à manutenção da saúde mental do reeducando ou à prevenção do cometimento de novo delito, não está em harmonia com a jurisprudência do STJ.

Não se nega que o apenado não deve ingerir álcool durante o trabalho ou antes de conduzir veículo automotor, neste último caso, sob pena de incorrer no delito descrito no art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro. No entanto, não parece, a princípio, irrazoável que o executado, estando dentro de sua residência, no período noturno ou em dias de folga, venha a ingerir algum tipo de bebida alcóolica (como uma cerveja, por exemplo), cujo consumo não é vedado no ordenamento jurídico brasileiro. Aconselhando-se, por óbvio, a moderação, tendo em conta os conhecidos efeitos deletérios do excesso de consumo de álcool para a saúde.

Assim, na hipótese, verifica-se a ausência de vinculação da regra imposta às circunstâncias concretas relacionadas aos delitos pelos quais o executado cumpre pena, e/ou ao comportamento do reeducando no curso da execução penal, ou até mesmo a problemas de saúde específicos de que sabidamente padeça e que justifiquem a contraindicação da ingestão de bebidas alcoólicas.

 

Em suma:


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