terça-feira, 17 de outubro de 2023

Compete ao STJ processar e julgar os crimes praticados pelos Conselheiros dos Tribunais de Contas, mesmo que não estejam relacionados com o cargo

DECISÃO DO STF RESTRINGINDO O FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO

Em maio de 2018, o STF decidiu restringir o foro por prerrogativa de função dos Deputados Federais e Senadores.

O art. 53, § 1º e o art. 102, I, “b”, da CF/88 preveem que, em caso de crimes comuns, os Deputados Federais e os Senadores serão julgados pelo STF.

Ocorre que o Supremo conferiu uma interpretação restritiva a esses dispositivos e afirmou o seguinte:

O foro por prerrogativa de função aplica-se apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas.

STF. Plenário. AP 937 QO/RJ, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 03/05/2018 (Info 900).

 

Em outras palavras, os Deputados Federais e Senadores somente serão julgados pelo STF se:

· o crime tiver sido praticado durante o exercício do mandato de parlamentar federal; e

· se estiver relacionado com essa função.

 

O entendimento que restringe o foro por prerrogativa de função vale para outras hipóteses de foro privilegiado ou apenas para os Deputados Federais e Senadores?

Vale para outros casos de foro por prerrogativa de função. Foi o que decidiu o próprio STF no julgamento do Inq. 4703 QO/DF, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 12/06/2018, no qual afirmou que o entendimento vale também para Ministros de Estado.

O STJ também decidiu que a restrição do foro deve alcançar Governadores. Explico.

O art. 105, I, “a”, da CF/88 prevê que compete ao STJ julgar os crimes praticados por Governadores de Estado:

Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:

I - processar e julgar, originariamente:

a) nos crimes comuns, os Governadores dos Estados e do Distrito Federal, e, nestes e nos de responsabilidade, os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, os dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho, os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os do Ministério Público da União que oficiem perante tribunais;

 

A Corte Especial do STJ, seguindo o mesmo raciocínio do STF, limitou a amplitude do art. 105, I, “a”, da CF/88 e decidiu que:

O foro por prerrogativa de função no caso de Governadores deve ficar restrito aos fatos ocorridos durante o exercício do cargo e em razão deste.

Assim, o STJ é competente para julgar os crimes praticados pelos Governadores somente se estes delitos tiverem sido praticados durante o exercício do cargo e em razão deste.

STJ. Corte Especial. APn 857/DF, Rel. para acórdão Min. João Otávio de Noronha, julgado em 20/06/2018.

STJ. Corte Especial. APn 866/DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 20/06/2018.

 

DECISÃO QUE RESTRINGE O FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO NÃO SE APLICA PARA DESEMBARGADORES

O art. 105, I, “a”, da CF/88 prevê que os Desembargadores dos Tribunais de Justiça são julgados criminalmente pelo STJ. O entendimento acima exposto (que restringiu o foro para crimes relacionados com o cargo) é aplicado também para os Desembargadores dos Tribunais de Justiça? Se um Desembargador praticar crime que não esteja relacionado com o exercício de suas funções (ex: lesão corporal contra a esposa), ele será julgado pelo juízo de 1ª instância?

NÃO.

O Superior Tribunal de Justiça é o tribunal competente para o julgamento nas hipóteses em que, não fosse a prerrogativa de foro (art. 105, I, da Constituição Federal), o desembargador acusado houvesse de responder à ação penal perante juiz de primeiro grau vinculado ao mesmo tribunal.

Assim, mesmo que o crime cometido pelo Desembargador não esteja relacionado com as suas funções, ele será julgado pelo STJ se a remessa para a 1ª instância significar que o réu seria julgado por um juiz de primeiro grau vinculado ao mesmo tribunal que o Desembargador.

A manutenção do julgamento no STJ tem por objetivo preservar a isenção (imparcialidade e independência) do órgão julgador.

STJ. Corte Especial. QO na APn 878-DF, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 21/11/2018 (Info 639).

 

É uma espécie de “exceção” ao entendimento do STJ que restringe o foro por prerrogativa de função.

O STJ entendeu que haveria um risco à imparcialidade caso o juiz de 1º instância julgasse um Desembargador (autoridade que, sob o aspecto administrativo, está em uma posição hierarquicamente superior ao juiz).

 

DECISÃO QUE RESTRINGE O FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO NÃO SE APLICA PARA CONSELHEIROS DOS TRIBUNAIS DE CONTAS

O art. 105, I, “a”, da CF/88 prevê que os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal são julgados criminalmente pelo STJ. O entendimento acima exposto (que restringiu o foro para crimes relacionados com o cargo) é aplicado também para os Conselheiros dos Tribunais de Contas? Se um Conselheiro praticar crime que não esteja relacionado com o exercício de suas funções (ex: lesão corporal contra a esposa), ele será julgado pelo juízo de 1ª instância?

NÃO.

Conforme vimos acima, o STJ decidiu que:

Mesmo que o crime cometido pelo Desembargador não esteja relacionado com as suas funções, ele será julgado pelo STJ se a remessa para a 1ª instância significar que o réu seria julgado por um juiz de primeiro grau vinculado ao mesmo tribunal que o Desembargador.

A manutenção do julgamento no STJ tem por objetivo preservar a isenção (imparcialidade e independência) do órgão julgador.

STJ. Corte Especial. QO na APn 878-DF, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 21/11/2018 (Info 639).

 

Esse mesmo raciocínio deve ser aplicado para os Conselheiros dos Tribunais de Contas considerando que eles são equiparados a Magistrados. É o que prevê o art. 73, § 3º c/c o art. 75 da CF/88:

Art. 73 (...)

§ 3º Os Ministros do Tribunal de Contas da União terão as mesmas garantias, prerrogativas, impedimentos, vencimentos e vantagens dos Ministros do Superior Tribunal de Justiça, aplicando-se-lhes, quanto à aposentadoria e pensão, as normas constantes do art. 40.

 

Art. 75. As normas estabelecidas nesta seção aplicam-se, no que couber, à organização, composição e fiscalização dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, bem como dos Tribunais e Conselhos de Contas dos Municípios.

 

Importante esclarecer que essa mesma “exceção” já havia sido construída para os membros do Ministério Público, que continuam com foro por prerrogativa de função mesmo que o crime cometido não tenha relação com o cargo. Veja:

Compete aos tribunais de justiça estaduais processar e julgar os delitos comuns, não relacionados com o cargo, em tese praticados por Promotores de Justiça.

STJ. 3ª Seção. CC 177.100-CE, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 08/09/2021 (Info 708).

 

Em suma:


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