domingo, 8 de outubro de 2023

Na revisão criminal, por se tratar de ação exclusivamente defensiva, afastado o desvalor atribuído às circunstâncias judiciais ou às agravantes, a pena deverá ser reduzida

Imagine a seguinte situação hipotética:

Em 02/02/2014, João praticou o crime de roubo.

Em 11/11/2014, João foi condenado pelo roubo, mas recorreu.

Em 06/02/2015, João praticou o delito de furto.

Em 25/02/2015, a condenação pelo crime de roubo transitou em julgado.

Em 28/09/2018, o juiz condenou o réu pelo furto e o considerou reincidente, em razão da condenação pelo roubo. Como houve o reconhecimento dessa reincidência, o magistrado aumentou a pena na segunda fase da dosimetria. A pena pelo furto ficou em 3 anos, 1 mês e 10 dias e transitou em julgado no dia 02/12/2021.

 

Pergunta: o juiz agiu corretamente ao reconhecer a reincidência neste caso?

NÃO.

João não era reincidente, uma vez que, quando praticou o segundo crime (furto), ainda não havia sido condenado pelo primeiro (roubo) com trânsito em julgado. Logo, não se enquadra na definição de reincidência.

 

Revisão criminal

João ajuizou revisão criminal na qual requereu, em síntese, o afastamento da agravante da reincidência reconhecida na sentença.

Para tanto, alegou que o crime de furto se deu em 06/02/2015, todavia, o crime considerado para elevar a pena na segunda fase dosimétrica teve seu trânsito em julgado 25/02/2015, ou seja, após os fatos.

O Tribunal de Justiça concordou com os argumentos e disse que, de fato, não se poderia ter aumentado a pena do réu com base na reincidência (segunda fase da dosimetria).

Por outro lado, o Tribunal manteve a pena em 3 anos, 1 mês e 10 dias. Isso porque entendeu que o roubo poderia ser utilizado na primeira fase da dosimetria como maus antecedentes, diante da existência de condenação por fato anterior ao crime da denúncia, mas com trânsito em julgado posterior.

Afirmou que é permitido proceder a uma nova ponderação das circunstâncias, sem incorrer em reformatio in pejus, mesmo sendo uma revisão criminal, desde que a pena fixada pelo Juízo singular não seja agravada, como no caso dos autos.

 

Essa decisão hipotética do Tribunal de Justiça está correta?

NÃO.

Prevalecia no STJ o entendimento no sentido de que o efeito devolutivo pleno do recurso de apelação tornava possível à Corte de origem (TJ ou TRF), mesmo na análise de recurso exclusivo da defesa, revisar as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, bem como alterar ou mesmo inovar os fundamentos para justificar a manutenção ou redução da reprimenda e do regime inicial, sem que se configurasse caso de reformatio in pejus, isso porque a situação do réu não seria agravada. Nesse sentido: STJ. 5ª Turma. AgRg no AREsp 382.294/PE, julgado em 13/4/2021.

Todavia, a Terceira Seção do STJ, em 8/9/2021, ao julgar os Embargos de Divergência em REsp 1.826.799/RS, por maioria de votos, alterou seu ponto de vista sobre a matéria, passando a entender que quando o Tribunal de origem, em recurso exclusivo da defesa, afasta a valoração negativa de algum elemento da dosimetria da pena, deve reduzir a sanção proporcionalmente, e não realocá-lo:

É imperiosa a redução proporcional da pena-base quando o Tribunal de origem, em recurso exclusivo da defesa, afastar uma circunstância judicial negativa do art. 59 do CP reconhecida na sentença condenatória.

STJ. 3ª Seção. EREsp 1826799-RS, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Rel. Acd. Min. Antonio Saldanha Palheiro, julgado em 08/09/2021, DJe 08/10/2021 (Info 713).

 

Nesse novo panorama, passou-se a entender que o Tribunal, no julgamento de recurso exclusivo da defesa, ainda que no contexto do efeito devolutivo da apelação, não terá plena liberdade para manter o mesmo apenamento fixado no édito condenatório quando afastar a valoração negativa de algum dos fatores analisados na sentença.

Assim, não mais se admite que o Tribunal, para manter o mesmo quantum da pena-base fixado na sentença, por exemplo, inove para atribuir maior valor a uma vetorial do art. 59 do CP em detrimento de outra, ou mesmo que reforce os fundamentos das circunstâncias mantidas como negativas para que estas agreguem o aumento das que foram neutralizadas. Tais medidas doravante configuram-se reformatio in pejus.

Acrescente-se, ainda, que mesmo nas hipóteses de revisão criminal, por se tratar de ação exclusivamente defensiva, uma vez afastado o desvalor atribuído às circunstâncias judiciais, ou mesmo no tocante às circunstâncias agravantes, como no caso, a pena deverá necessariamente ser reduzida.

 

Em suma:

 

DOD Plus – julgados correlatos

1. A Terceira Seção, em 8/9/2021, ao julgar os Embargos de Divergência em REsp n. 1.826.799/RS, fixou o entendimento de que, quando o Tribunal de origem, em recurso exclusivo da defesa, afasta a valoração negativa de algum elemento da dosimetria da pena, deve reduzir a sanção proporcionalmente, e não realocá-lo para outra etapa dosimétrica ou complementar a fundamentação adotada pelo juízo sentenciante.

2. Na hipótese, embora o Tribunal a quo tenha afastado a valoração negativa da conduta social, na primeira fase da dosimetria, reduziu desproporcionalmente a pena-base, incorrendo em indevida reformatio in pejus.

3. Agravo regimental não provido.

(AgRg no REsp n. 2.049.846/RS, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 8/5/2023, DJe de 12/5/2023.)

 

1. De acordo com o entendimento pacificado pela Terceira Seção do STJ, "É imperiosa a redução proporcional da pena-base quando o Tribunal de origem, em recurso exclusivo da defesa, afastar uma circunstância judicial negativa do art. 59 do CP reconhecida no édito condenatório" (EDv nos EREsp n. 1.826.799/RS, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Rel. p/ Acórdão Ministro Antonio Saldanha Palheiro, 3ª S., DJe 8/10/2021).

2. Na hipótese, as instâncias ordinárias não individualizaram a fração de aumento para cada uma das circunstâncias judiciais consideradas negativas e não houve recurso ministerial a respeito, razão pela qual se deve presumir que todas tiveram igual peso. Não obstante a quantidade de drogas seja considerada preponderante pelo art. 42 da Lei n. 11.343/2006, nem o Juízo singular nem o Tribunal de origem lhe deram carga maior do que às demais vetoriais, e contra isso não se insurgiu o Ministério Público oportunamente.

3. Assim, não poderia esta Corte, em irresignação exclusiva da defesa - sobretudo em habeas corpus -, depois de afastar a valoração negativa de parte das vetoriais, atribuir para a circunstância judicial remanescente um peso maior do que foi estabelecido na sentença e no acórdão da apelação, sob pena de incorrer em reformatio in pejus.

4. Deveras, "se em ação ou recurso exclusivo da defesa, for afastado o desvalor conferido a circunstâncias judiciais equivocadamente negativadas, a pena-base deverá necessariamente ser reduzida, ao invés de se manter inalterada, pois proceder de maneira diversa implicaria o agravamento do quantum anteriormente atribuído a cada vetorial" (AgRg no HC n. 493.941/PB, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, 6ª T., DJe 28/5/2019).

5. A reformatio in pejus não ocorre somente quando se ultrapassa, em recurso exclusivo da defesa, a pena final estabelecida pela instância de origem, mas também quando se valora negativamente circunstância antes não considerada ou se dá peso maior do lhe deu o órgão a quo a vetorial já considerada negativa, ainda que a pena final se mantenha inalterada ou até mesmo fique em patamar inferior. Precedentes.

6. Agravo regimental não provido.

(AgRg no HC n. 770.581/MG, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 27/3/2023, DJe de 3/4/2023.)

 

1. De acordo com o entendimento pacificado pela Terceira Seção do STJ, "É imperiosa a redução proporcional da pena-base quando o Tribunal de origem, em recurso exclusivo da defesa, afastar uma circunstância judicial negativa do art. 59 do CP reconhecida no édito condenatório" (EDv nos EREsp n. 1.826.799/RS, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Rel. p/ Acórdão Ministro Antonio Saldanha Palheiro, 3ª S., DJe 8/10/2021).

2. Na hipótese, as instâncias ordinárias não individualizaram a fração de aumento para cada uma das circunstâncias judiciais consideradas negativas e não houve recurso ministerial a respeito, razão pela qual se deve presumir que todas tiveram igual peso. Não obstante a quantidade de drogas seja considerada preponderante pelo art. 42 da Lei n. 11.343/2006, nem o Juízo singular nem o Tribunal de origem lhe deram carga maior do que às demais vetoriais, e contra isso não se insurgiu o Ministério Público oportunamente.

3. Assim, não poderia esta Corte, em irresignação exclusiva da defesa - sobretudo em habeas corpus -, depois de afastar a valoração negativa de parte das vetoriais, atribuir para a circunstância judicial remanescente um peso maior do que foi estabelecido na sentença e no acórdão da apelação, sob pena de incorrer em reformatio in pejus.

4. Deveras, "se em ação ou recurso exclusivo da defesa, for afastado o desvalor conferido a circunstâncias judiciais equivocadamente negativadas, a pena-base deverá necessariamente ser reduzida, ao invés de se manter inalterada, pois proceder de maneira diversa implicaria o agravamento do quantum anteriormente atribuído a cada vetorial" (AgRg no HC n. 493.941/PB, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, 6ª T., DJe 28/5/2019).

5. A reformatio in pejus não ocorre somente quando se ultrapassa, em recurso exclusivo da defesa, a pena final estabelecida pela instância de origem, mas também quando se valora negativamente circunstância antes não considerada ou se dá peso maior do lhe deu o órgão a quo a vetorial já considerada negativa, ainda que a pena final se mantenha inalterada ou até mesmo fique em patamar inferior.

Precedentes.

6. Agravo regimental não provido.

(AgRg no PExt no HC n. 770.581/MG, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 27/3/2023, DJe de 3/4/2023.)


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