quinta-feira, 22 de maio de 2025
A redução ou supressão de benefício fiscal deverá respeitar o princípio da anterioridade tributária?
Princípio da anterioridade
tributária
Existem, atualmente, dois
princípios (ou subprincípios) da anterioridade tributária:
1) Princípio da
anterioridade anual ou de exercício ou comum (anterioridade tributária geral)
De acordo com esse princípio (rectius: uma regra), o Fisco
não pode cobrar tributos no mesmo exercício financeiro (ano) em que haja sido
publicada a lei que os instituiu ou aumentou (art. 150, III, “b”, da CF/88):
Art. 150. Sem prejuízo de outras
garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao
Distrito Federal e aos Municípios:
(...)
III - cobrar tributos:
(...)
b) no mesmo exercício financeiro em que
haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou;
(...)
2) Princípio da
anterioridade privilegiada, qualificada ou nonagesimal
Segundo o princípio da
anterioridade nonagesimal, o Fisco não pode cobrar tributos antes de decorridos
90 dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou.
Trata-se de regra prevista no art. 150, III, “c” (para os
tributos em geral) e também no art. 195, § 6º (no que se refere às
contribuições sociais):
Art. 150. Sem prejuízo de outras
garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao
Distrito Federal e aos Municípios:
(...)
III - cobrar tributos:
(...)
c) antes de decorridos noventa dias da
data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o
disposto na alínea b;
Esses dois princípios foram
previstos para serem aplicados cumulativamente, ou seja, se um tributo é
instituído ou aumentado em um determinado ano, ele somente poderá ser cobrado
no ano seguinte. Além disso, entre a data em que foi publicada a lei e o início
da cobrança, deverá ter transcorrido um prazo mínimo de 90 dias. Tudo isso para
que o contribuinte possa programar suas finanças pessoais e não seja “pego de
surpresa” por um novo tributo ou seu aumento.
Ex: a Lei “X”, publicada em 10 de
dezembro de 2014, aumentou o tributo “Y”. Esse aumento deverá respeitar a
anterioridade anual (somente poderá ser cobrado em 2015) e também deverá
obedecer a anterioridade nonagesimal (é necessário que exista um tempo mínimo
de 90 dias). Logo, esse aumento somente poderá ser cobrado a partir de 11 de
março de 2015.
Exceções ao Princípio da
Anterioridade Anual
Os seguintes tributos estão
excetuados da observância da anterioridade anual (art. 150, §1º da CF e outras
disposições):
• Contribuições para a seguridade
social (art. 195, §6º da CF);
• Imposto sobre Importação (II);
• Imposto sobre Exportação (IE);
• Imposto sobre Produtos
Industrializados (IPI);
• Imposto sobre operações de
crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários (IOF);
• Imposto Extraordinário de
Guerra (IEG);
• Empréstimo Compulsório para
Calamidade Pública ou Guerra Externa (EC-Cala/Gue);
• CIDE-Combustível;
• ICMS-Combustível.
Exceções ao Princípio da
Anterioridade Nonagesimal
Os seguintes tributos estão
excetuados da observância da anterioridade nonagesimal (art. 150, §1º da CF):
• Imposto sobre Importação (II);
• Imposto sobre Exportação (IE);
• Imposto sobre operações de
crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários (IOF);
• Imposto Extraordinário de
Guerra (IEG);
• Empréstimo Compulsório para
Calamidade Pública ou Guerra Externa (EC-Cala/Gue);
• Imposto sobre renda e proventos
de qualquer natureza;
• Fixação da base de cálculo do
IPTU;
• Fixação da base de cálculo do
IPVA;
• Resolução do Senado Federal que
fixar ou aumentar as alíquotas de referência do IBS e da CBS (conforme EC
132/2023).
Observações:
1) O imposto seletivo obedece a
anterioridade nonagesimal e anual;
2) Ajustes extraordinários para
compensar alterações legislativas (LC 214/2025, art. 19, §1º, III):
Trata de um caso específico de
ajuste extraordinário das alíquotas de referência para compensar alterações na
legislação federal que afetem a arrecadação
Neste caso específico, o ajuste
deve respeitar regras mais rígidas:
- Para o IBS: aplica-se a
anterioridade anual E a anterioridade nonagesimal;
- Para a CBS: aplica-se apenas a
anterioridade nonagesimal.
A redução ou revogação de
benefício fiscal deverá respeitar as regras de anterioridade tributária?
Se o Fisco decide reduzir ou
revogar um benefício fiscal que era concedido aos contribuintes, a
consequência, na prática, é que o valor do tributo pago pelo contribuinte irá
aumentar. Essa revogação precisa respeitar as regras da anterioridade
tributária?
Para responder a essa
pergunta, vamos imaginar a seguinte situação hipotética:
Alfa Tabacaria é uma empresa que atua no
estado do Pará comercializando produtos derivados do tabaco.
Em 2001, o governo estadual, por meio do
Decreto Estadual nº 4.725/2001, estabeleceu um regime tributário favorável para
o setor de fumo e manufaturados, fixando a alíquota do ICMS para operações
internas em 16%, abaixo da alíquota padrão de 25% aplicada anteriormente a este
tipo de produto no estado.
No início de 2013, entretanto, o governo do
Pará publicou o Decreto Estadual nº 668/2013, que revogou o benefício fiscal
anteriormente concedido, retornando a alíquota do ICMS para fumo e
manufaturados ao patamar padrão de 25%. O decreto determinava ainda que a nova
alíquota entraria em vigor imediatamente após sua publicação.
A Tabacaria, sentindo-se prejudicada, ingressou
com ação argumentando que a revogação do benefício fiscal representava, na
prática, uma majoração indireta do tributo e, por isso, essa revogação deveria
respeitar o princípio da anterioridade tributária previsto no art. 150, III, “b”
e “c” da Constituição Federal.
O Tribunal de Justiça do Pará deu razão à
empresa, anulando os autos de infração por entender que, embora formalmente
fosse uma revogação de benefício, na prática tratava-se de um aumento de
tributação, que deveria observar as garantias constitucionais de anterioridade.
O Estado do Pará recorreu ao STF, argumentando
que o princípio da anterioridade só se aplicaria à criação ou majoração direta
de tributos, e não à revogação de benefícios fiscais, que seria apenas uma
retomada das partes ao status quo ante.
O STF concordou com a empresa
contribuinte? A
redução ou revogação de benefício fiscal deverá respeitar as regras de
anterioridade tributária?
SIM.
A jurisprudência do STF está consolidada no
sentido de que se aplica o princípio da anterioridade tributária, geral e
nonagesimal, nas hipóteses de redução ou de supressão de benefícios ou de
incentivos fiscais, haja vista que tais situações configuram majoração indireta
de tributos, observadas as exceções expressas na Constituição. Nesse sentido:
Como regra, ambas as espécies de anterioridade, geral e
nonagesimal, se aplicam à instituição ou à majoração de tributos. Contudo, há
casos em que apenas uma das anterioridades será aplicável e há casos em que
nenhuma delas se aplicará. Essas situações estão expressas no § 1º do art. 150
e em outras passagens da Constituição. Sobre o assunto, vide o art. 155, § 4º,
IV, c; o art. 177, § 4º, I, b; e o art. 195, § 6º, da CF/88. Nas hipóteses de
redução ou de supressão de benefícios ou de incentivos fiscais que acarretem
majoração indireta de tributos, a observância das espécies de anterioridade
deve também respeitar tais preceitos, sem se olvidar, ademais, da data da
entrada em vigor da EC nº 42/03, que inseriu no texto constitucional a garantia
da anterioridade nonagesimal.
STF. Plenário. RE 564225 AgR-EDv-AgR-ED, Rel. Min. Alexandre de
Moraes, Relator(a) p/ Acórdão: Min. Dias Toffoli, julgado em 13/10/2020.
O princípio da anterioridade busca assegurar a
previsibilidade da relação fiscal. Isso para evitar que o sujeito passivo seja
surpreendido com um aumento súbito de encargo, sem a possibilidade de qualquer
planejamento financeiro. Trata-se de uma concretização da segurança jurídica.
Veja a tese fixada pelo STF:
O princípio da anterioridade tributária, geral e
nonagesimal, se aplica às hipóteses de redução ou de supressão de benefícios ou
de incentivos fiscais que resultem em majoração indireta de tributos,
observadas as determinações e as exceções constitucionais para cada tributo.
STF.
Plenário. RE 1.473.645/PA, Rel. Min. Luiz Roberto Barroso, julgado em
24/03/2025 (Repercussão Geral – Tema 1.383) (Info 1170).
