Dizer o Direito

quarta-feira, 28 de maio de 2025

A confissão informal pode ser considerada para fins de aplicação da atenuante da confissão espontânea?

Imagine a seguinte situação hipotética:

João é um homem com histórico de dependência química e reincidente no crime de furto.

Determinada noite, ele foi flagrado pela polícia enquanto tentava fugir de um salão comercial carregando partes de uma estrutura de alumínio utilizada para um toldo.

Ao ser abordado pelos policiais, que atendiam a uma chamada sobre furto em andamento, João admitiu verbalmente ter arrombado a porta do estabelecimento para subtrair os materiais, justificando que era usuário de drogas e precisava do dinheiro para sustentar seu vício. Esta confissão foi feita informalmente, no momento da abordagem, sem registro oficial em áudio ou vídeo e sem a presença de seu advogado.

Na delegacia, João optou por permanecer em silêncio.

Posteriormente, em juízo, ele negou a prática do crime.

Durante o processo, a proprietária do salão reconheceu João como o autor do furto, e ficou comprovado que a porta do estabelecimento estava danificada.

João foi condenado por furto qualificado tentado com base no reconhecimento feito pela vítima e nas evidências materiais encontradas no local. A sentença não mencionou explicitamente a confissão informal como fundamento para a condenação.

Na dosimetria da pena, o juiz não aplicou a confissão espontânea como atenuante.

O réu, assistido pela Defensoria Pública, recorreu ao Tribunal de Justiça pedindo o reconhecimento da atenuante, argumentando que, apesar de informal, a confissão aos policiais deveria ser considerada para atenuar a pena.

O TJ negou o pedido, afirmando que não, nos termos do enunciado da Súmula 545 do STJ, não se reconhece a atenuante da confissão, eis que a confissão informal não foi utilizada para fundamentar o decreto condenatório.

 

Súmula 545-STJ: Quando a confissão for utilizada para a formação do convencimento do julgador, o réu fará jus à atenuante prevista no artigo 65, III, d, do Código Penal.

Aprovada em 14/10/2015, DJe 19/10/2015.

 

Insatisfeita, a defesa interpôs recurso especial ao STJ insistindo na tese de que a confissão informal pode ser considerada para fins de aplicação da atenuante da confissão espontânea prevista no art. 65, III, “d”, do Código Penal:

Art. 65. São circunstâncias que sempre atenuam a pena:

III — ter o agente:

d) confessado espontaneamente, perante a autoridade, a autoria do crime;

 

O que STJ concordou com os argumentos da defesa?

NÃO.

A jurisprudência do STJ distingue entre:

1) confissão judicial, realizada em juízo;

2) confissão extrajudicial, registrada formalmente em sede policial;

3) confissão informal, sem formalização nos autos, geralmente feita verbalmente a agentes públicos.

 

Recentemente, a 3ª Seção do STJ, em precedente qualificado, consolidou o entendimento de que a confissão informal não pode ser equiparada às demais para fins de admissibilidade, justamente pela ausência de controle de confiabilidade e de contraditório formal. O precedente em questão destacou que a confissão informal, diferentemente das espécies judicial e extrajudicial, carece de garantias mínimas de autenticidade e, portanto, não deve ser admitida no processo penal:

A confissão extrajudicial somente será admissível no processo judicial se feita formalmente e de maneira documentada, dentro de um estabelecimento estatal público e oficial. Tais garantias não podem ser renunciadas pelo interrogado e, se alguma delas não for cumprida, a prova será inadmissível. A inadmissibilidade permanece mesmo que a acusação tente introduzir a confissão extrajudicial no processo por outros meios de prova (como, por exemplo, o testemunho do policial que a colheu).

STJ. 3ª Seção. AREsp 2.123.334-MG, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 20/6/2024 (Info 819).

 

Por coerência lógica, se imprestável na esfera probatória, naturalmente a confissão informal não poderia surtir o efeito atenuante, seja parcial, qualificada ou integral, ainda que inutilmente mencionada na sentença condenatória, cuja higidez essencial aqui não se discute.

No caso concreto, a confissão do réu, realizada no momento da abordagem policial, foi informal e desprovida de qualquer registro formal ou contraditório. A ausência de elementos que garantam a autenticidade e a voluntariedade da declaração impede seu reconhecimento como fundamento para a aplicação da atenuante.

Ademais, o reconhecimento efetuado pela vítima e as evidências materiais (danos à porta do imóvel e a localização dos objetos subtraídos) foram os elementos que fundamentaram a condenação. A confissão informal não exerceu qualquer influência substancial na sentença, conforme reconhecido expressamente no acórdão recorrido.

 

Em suma:

A confissão informal não pode ser considerada para fins de aplicação da atenuante da confissão espontânea. 

STJ. 5ª Turma. AREsp 2.313.703-SP, Rel. Min. Daniela Teixeira, Rel. para acórdão Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 4/2/2025 (Info 845).

 

Atenção

A confissão informal não deve ser usada como argumento para condenar o réu. No entanto, o juiz, indevidamente, usar a confissão informal para condenar o réu, ele também deverá aplicar a atenuante:

A confissão informal utilizada para fundamentar a condenação justifica a aplicação da atenuante da confissão espontânea.

STJ. 5ª Turma. AgRg no AREsp n. 2.739.660/RJ, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 11/3/2025.

 

Em regra, a atenuante da confissão espontânea, a teor do disposto no art. 65, inciso III, alínea "d", do Código Penal, só pode ser reconhecida se a declaração do réu tiver sido prestada perante a autoridade (confissão formal). Assim, constando no pronunciamento judicial apenas a transcrição de depoimentos das testemunhas na qual há a confissão informal, sem qualquer referência a tal fato para fundamentar a condenação, impede-se a redução da sanção na segunda fase da dosimetria. Excepcionalmente, tendo o órgão judiciário feito expressa referência à confissão informal como justificativa para a condenação, proferida antes do julgamento do AREsp n. 2.123.334/MG, impõe-se o reconhecimento da referida atenuante.

STJ. 6ª Turma. REsp n. 2.185.729/MG, Rel. Min. Otávio de Almeida Toledo (Desembargador Convocado do TJSP), julgado em 11/3/2025.


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