sábado, 30 de julho de 2022

Cabe recurso especial contra acórdão proferido pelo Tribunal de origem em julgamento de IRDR?

 

EXPLICANDO EM QUE CONSISTE O IRDR

Antes de comentar o julgado, irei fazer uma breve revisão sobre o IRDR. Se você estiver sem tempo, pode ir diretamente para o caso concreto onde se inicia a explicação do julgado.

 

Ideia geral do IRDR

É muito comum, na prática, que um determinado tema jurídico esteja sendo discutido simultaneamente em centenas ou milhares de processos.

No passado, esses processos eram julgados individualmente, o que gerava enormes custos e o risco de decisões diferentes para uma mesma controvérsia jurídica.

Pensando nisso, o CPC/2015 criou o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR).

Assim, quando o juiz, o relator no Tribunal, o Ministério Público, a Defensoria Pública ou qualquer das partes perceber que uma determinada controvérsia jurídica que está sendo discutida em um processo também se repete em inúmeros outros, será possível pedir a instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas. Isso significa que todos os processos que tratam sobre aquele assunto ficarão suspensos até que o Tribunal defina a tese jurídica e, em seguida, ela será aplicada para todos esses feitos que se encontravam sobrestados.

Isso gera eficiência e minimiza o risco de decisões diferentes para situações semelhantes.

 

Essa sistemática já não era prevista para os casos de recursos especial e extraordinário repetitivos (que vimos acima)?

Os arts. 543-B e 543-C do CPC/1973 previam uma espécie de “julgamento por amostragem” dos recursos extraordinários e recursos especiais que tivessem sido interpostos com fundamento em idêntica controvérsia ou questão de direito.

O CPC/2015, em linhas gerais, manteve uma regulamentação bem parecida, sendo o tema agora tratado nos arts. 1.036 a 1.041 (vimos isso acima).

Desse modo, o IRDR é parecido sim com a sistemática do julgamento dos recursos extraordinário e especial repetitivos. No entanto, no caso dos recursos repetitivos, exige-se que a questão já tenha chegado ao STJ ou STF por meio de recurso especial ou recurso extraordinário. O IRDR, por sua vez, pode ser instaurado antes de o tema chegar aos Tribunais Superiores.

Conforme se extrai da exposição de motivos do CPC/2015, o novo instituto (IRDR) – que é inspirado no direito alemão – foi pensado para dotar os tribunais estaduais e tribunais regionais federais de um mecanismo semelhante àquele já existente nas cortes superiores relativamente aos recursos repetitivos.

 

Requisitos para a instauração de IRDR (art. 976)

É cabível a instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas quando houver, simultaneamente:

1) efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito; e

2) risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica.

 

Há ainda um pressuposto negativo previsto no § 4º do art. 976, que é a inexistência de afetação de recurso repetitivo pelos tribunais superiores no âmbito de sua respectiva competência para a definição de tese sobre a questão de direito objeto do IRDR:

Art. 976 (...)

§ 4º É incabível o incidente de resolução de demandas repetitivas quando um dos tribunais superiores, no âmbito de sua respectiva competência, já tiver afetado recurso para definição de tese sobre questão de direito material ou processual repetitiva.

 

Legitimidade para requerer a instauração (art. 977)

O pedido de instauração do incidente será dirigido ao presidente de tribunal:

I - pelo juiz ou relator, por meio de ofício;

II - pelas partes, por petição;

III - pelo Ministério Público ou pela Defensoria Pública, por petição.

 

O ofício ou a petição será instruído com os documentos necessários à demonstração do preenchimento dos pressupostos para a instauração do incidente.

 

Competência

Em regra, o IRDR será julgado pelo Tribunal de Justiça ou pelo Tribunal Regional Federal.

É possível, no entanto, que seja instaurado um IRDR diretamente no STJ nos casos de:

• competência recursal ordinária (art. 105, II, da CF/88); e de

• competência originária (art. 105, I, da CF/88).

 

Foi o que decidiu a Corte Especial do STJ:

O novo Código de Processo Civil instituiu microssistema para o julgamento de demandas repetitivas - nele incluído o IRDR, instituto, em regra, afeto à competência dos tribunais estaduais ou regionais federal -, a fim de assegurar o tratamento isonômico das questões comuns e, assim, conferir maior estabilidade à jurisprudência e efetividade e celeridade à prestação jurisdicional.

A instauração de incidente de resolução de demandas repetitivas diretamente no Superior Tribunal de Justiça é cabível apenas nos casos de competência recursal ordinária e de competência originária e desde que preenchidos os requisitos do art. 976 do CPC.

STJ. Corte Especial. AgInt na Pet 11.838/MS, Rel. Min. Laurita Vaz, Rel. p/ Acórdão Min. João Otávio de Noronha, julgado em 07/08/2019.

 

Logo, não cabe IRDR no STJ caso este Tribunal esteja apreciando um recurso especial (art. 105, III, da CF/88). Isso porque, neste caso, já existe um outro mecanismo que cumpre essa função, qual seja, o recurso especial repetitivo (art. 976, § 4º do CPC).

 

Falando agora da competência interna, o IRDR será julgado pelo órgão do Tribunal que for responsável pela uniformização de jurisprudência, segundo as regras do regimento interno.

Ex: no Tribunal de Justiça do Distrito Federal, a competência para julgar o IRDR é da Câmara de Uniformização (art. 18, I, do RITJDFT).

Esse órgão colegiado incumbido de julgar o IRDR e fixar a tese jurídica será também competente para julgar o recurso, a remessa necessária ou o processo de competência originária de onde se originou o incidente.

 

Incidente deverá ser bem divulgado para permitir participação de interessados (art. 979)

A instauração e o julgamento do incidente serão sucedidos da mais ampla e específica divulgação e publicidade, por meio de registro eletrônico no Conselho Nacional de Justiça.

Os tribunais manterão banco eletrônico de dados atualizados com informações específicas sobre questões de direito submetidas ao incidente, comunicando-o imediatamente ao CNJ para inclusão no cadastro.

Para possibilitar a identificação dos processos abrangidos pela decisão do incidente, o registro eletrônico das teses jurídicas constantes do cadastro conterá, no mínimo, os fundamentos determinantes da decisão e os dispositivos normativos a ela relacionados.

 

Incabível o incidente se o STF ou STJ já tiver afetado o tema para julgamento como recurso especial ou extraordinário repetitivo

É incabível o incidente de resolução de demandas repetitivas quando um dos tribunais superiores, no âmbito de sua respectiva competência, já tiver afetado recurso para definição de tese sobre questão de direito material ou processual repetitiva.

 

Procedimento

1) Pedido de instauração

Se o juiz, o relator, o Ministério Público, a Defensoria Pública ou qualquer das partes perceber que uma determinada controvérsia jurídica que está sendo discutida em um processo que está em 1ª ou 2ª instâncias também se repete em inúmeros outros processos, ele poderá pedir ao Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal a instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas.

 

2) Juízo de admissibilidade (art. 981)

Após a distribuição, o órgão colegiado competente para julgar o incidente procederá ao seu juízo de admissibilidade considerando a presença dos pressupostos do art. 976:

• efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito; e

• risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica.

 

3) Se o incidente não for admitido

Se o IRDR não foi admitido por ausência de qualquer de seus pressupostos de admissibilidade, isso não impede que, uma vez satisfeito o requisito, seja o incidente novamente suscitado.

 

4) Se o incidente for admitido (art. 982)

Se o Tribunal admitir o processamento do IRDR, o relator:

I - suspenderá os processos pendentes, individuais ou coletivos, que tramitam no Estado ou na região, conforme o caso;

II - poderá requisitar informações a órgãos em cujo juízo tramita processo no qual se discute o objeto do incidente, que as prestarão no prazo de 15 dias;

III - intimará o Ministério Público para, querendo, manifestar-se no prazo de 15 dias.

 

A suspensão será comunicada aos órgãos jurisdicionais competentes.

Durante a suspensão, o pedido de tutela de urgência deverá ser dirigido ao juízo onde tramita o processo suspenso.

Cessa a suspensão se o incidente for julgado e, contra essa decisão, não for interposto recurso especial ou recurso extraordinário.

 

5) Possibilidade de suspensão nacional dos processos

Visando à garantia da segurança jurídica, a parte, o Ministério Público ou a Defensoria Pública poderá requerer, ao STF ou ao STJ, a suspensão de todos os processos individuais ou coletivos em curso no território nacional que versem sobre a questão objeto do incidente já instaurado.

Independentemente dos limites da competência territorial, a parte no processo em curso no qual se discuta a mesma questão objeto do incidente é legitimada para requerer essa suspensão nacional.

 

6) Desistência ou abandono do processo

Depois que o IRDR for suscitado, ainda que a parte desista ou abandone o processo que deu causa ao incidente, este IRDR terá o seu mérito apreciado. Para isso, o Ministério Público deverá assumir a titularidade em caso de desistência ou de abandono.

 

7) Oitiva de partes, interessados e do MP (art. 983)

O relator ouvirá as partes e os demais interessados, inclusive pessoas, órgãos e entidades com interesse na controvérsia que, no prazo comum de 15 dias, poderão requerer a juntada de documentos, bem como as diligências necessárias para a elucidação da questão de direito controvertida.

Em seguida, deverá ser ouvido o Ministério Público, também no prazo de 15 dias.

Se não for o requerente, o Ministério Público intervirá obrigatoriamente no incidente.

 

8) Audiência pública

Para instruir o incidente, o relator poderá designar data para, em audiência pública, ouvir depoimentos de pessoas com experiência e conhecimento na matéria.

 

 

9) Data para julgamento

Concluídas as diligências, o relator solicitará dia para o julgamento do incidente.

 

10) Prazo para julgamento

O incidente será julgado no prazo de 1 ano e terá preferência sobre os demais feitos, ressalvados os que envolvam réu preso e os pedidos de habeas corpus (art. 980).

Se o IRDR não for julgado neste prazo, cessa a suspensão dos processos, salvo decisão fundamentada do relator em sentido contrário.

 

11) Ordem no julgamento (art. 984)

No julgamento do incidente, deverá ser observada a seguinte ordem:

I - o relator fará a exposição do objeto do incidente;

II - poderão sustentar suas razões, sucessivamente:

a) o autor e o réu do processo originário e o Ministério Público, pelo prazo de 30 minutos;

b) os demais interessados, no prazo de 30 minutos, divididos entre todos, sendo exigida inscrição com 2 dias de antecedência.

 

Obs.: considerando o número de inscritos, o prazo poderá ser ampliado.

 

Necessidade de análise de todos os argumentos: segundo o § 2º do art. 984, o conteúdo do acórdão abrangerá a análise de todos os fundamentos suscitados concernentes à tese jurídica discutida, sejam favoráveis ou contrários.

 

12) Custas

Não serão exigidas custas processuais no incidente de resolução de demandas repetitivas.

 

Tese jurídica (art. 985)

Julgado o incidente, será definida uma tese jurídica, que será aplicada:

I - a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito e que tramitem na área de jurisdição do respectivo tribunal, inclusive àqueles que tramitem nos juizados especiais do respectivo Estado ou região;

II - aos casos futuros que versem idêntica questão de direito e que venham a tramitar no território de competência do tribunal.

 

Tese jurídica envolvendo serviço concedido, permitido ou autorizado

Se o incidente tiver por objeto questão relativa à prestação de serviço concedido, permitido ou autorizado, o resultado do julgamento será comunicado ao órgão, ao ente ou à agência reguladora competente para fiscalização da efetiva aplicação, por parte dos entes sujeitos a regulação, da tese adotada (art. 985, § 2º).

 

Descumprimento da tese jurídica

Não observada a tese fixada no IRDR, caberá reclamação (985, § 1º).

 

Revisão da tese jurídica fixada (art. 986)

É possível a revisão da tese jurídica firmada no incidente.

Essa revisão deverá ser feita pelo mesmo tribunal que fixou a tese, de ofício ou mediante requerimento do MP ou da Defensoria Pública.

 

O que o CPC fala sobre o recurso contra o julgamento do IRDR

O art. 987 do CPC prevê o seguinte:

Art. 987. Do julgamento do mérito do incidente caberá recurso extraordinário ou especial, conforme o caso.

§ 1º O recurso tem efeito suspensivo, presumindo-se a repercussão geral de questão constitucional eventualmente discutida.

§ 2º Apreciado o mérito do recurso, a tese jurídica adotada pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça será aplicada no território nacional a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito.

 

Decisão do STF ou STJ que julgou o recurso contra o julgamento do IRDR

Apreciado o mérito do recurso, a tese jurídica adotada pelo STF ou pelo STJ será aplicada no território nacional a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito.

 

CASO CONCRETO JULGADO PELO STJ

A situação concreta, com adaptações, foi a seguinte:

O TJDFT, no julgamento do IRDR nº 2016.00.2.024562-9, fixou as seguintes teses:

a) Nos casos que envolvam pedido de internação em leito de UTI ou fornecimento de medicamento, eventual incapacidade temporária daquele que esteja acometido de alguma patologia, não afasta a competência dos Juizados Especiais da Fazenda Pública;

b) As ações que têm como objeto o fornecimento de serviços de saúde não encerram, por si só, complexidade apta a afastar a competência do Juizado Especial Fazendário, ressalvada a necessidade de produção de prova complexa a atrair a competência do Juízo de Fazenda Pública;

c) Considerando que as ações que têm como objeto o fornecimento de serviços de saúde, inclusive o tratamento mediante internação, encartam pedido cominatório, o valor da causa, fixado de forma estimativa, é irrelevante para fins de definição da competência.

 

Passado algum tempo, a Defensoria Pública do DF constatou que a tese lançada no item “a” estava incompleta, pois restringia o acesso ao Juizado apenas para os incapacitados temporários, permanecendo a vedação para os incapazes permanentes.

Nas palavras dela, “o entendimento firmado encontra-se correto, porém está impreciso”, tendo em vista que, na jurisprudência do STJ, prevalece entendimento de que a incapacidade, por si só, não seria capaz de afastar a competência do Juizado Especial da Fazenda Pública. Citou o REsp 1372034/RO, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 14/11/2017).

Para sanar esse problema, a Defensoria Pública do DF propôs a revisão da tese, para que o item a fosse fixada da seguinte forma:

“a) A incapacidade da parte autora, por si só, não afasta a competência dos Juizados Especiais da Fazenda Pública, inclusive nos casos que envolvam pedidos de internação hospitalar e de fornecimento de medicamentos ou serviços de saúde.”

 

Isso é possível? É possível a revisão da tese fixada em IRDR?

SIM. Trata-se de previsão expressa do art. 986 do CPC:

Art. 986. A revisão da tese jurídica firmada no incidente far-se-á pelo mesmo tribunal, de ofício ou mediante requerimento dos legitimados mencionados no art. 977, inciso III.

 

TJ rejeitou a revisão

O TJDFT, por maioria, julgou improcedente o pedido de revisão.

O voto que inaugurou a divergência foi bem sucinto e se fundamentou na segurança jurídica:

“Senhor Presidente, peço licença ao eminente Relator para julgar improcedente o pedido.

Fico preocupado com essa oscilação na jurisprudência. Antes mesmo de se firmar, como se firma, uma tese, até majoritariamente houve alguém que não concordasse, já se propõe alteração, uma revisão. Então, isso é altamente preocupante, especialmente nos dias de hoje, em que a própria legislação processual procura estabelecer uma pacificação na jurisprudência”.

 

Recurso especial

A Defensoria Pública não concordou e ingressou com recurso especial, com fundamento no art. 105, III, “a”, da CF/88:

Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:

(...)

III - julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida:

a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência;

 

Ao final, formulou pedido para que o recurso fosse provido para reformar o acórdão e, via de consequência, fosse determinada a revisão da tese para alinhá-la ao entendimento do STJ.

 

O que o STJ decidiu?

A Corte Especial, por unanimidade, não conheceu do recurso, ou seja, disse que não cabia recurso especial neste caso e nem apreciou o mérito.

No acórdão proferido, o TJDFT apenas analisou a revisão da tese jurídica em abstrato, pedido que foi julgado improvido, sendo mantidas as teses fixadas no julgamento do IRDR revisado.

Considerando que o acórdão recorrido impugnado no presente recurso especial foi proferido no âmbito do julgamento de pedido de revisão da tese jurídica do IRDR e não da aplicação da referida tese em caso concreto, o STJ entendeu que não cabia recurso especial considerando que não foi atendido o requisito constitucional de “causas decididas” previsto no art. 105, III, da Constituição Federal.

O pano de fundo do que o STJ decidiu envolve a seguinte problemática bem exposta por Fredie Didier e Leonardo Carneiro da Cunha:

“Normalmente, quando o IRDR é julgado, o tribunal fixa a tese jurídica e julga o caso piloto. O recurso, nessa situação, serve para discutir a tese jurídica e/ou a solução do caso. Ora, o direito brasileiro adota um sistema de valorização dos precedentes judiciais, muitos dos quais com eficácia vinculativa. Tal fenômeno está intimamente relacionado com o julgamento de casos repetitivos.

O problema ganha complexidade na hipótese de o tribunal fixar a tese jurídica, quando tiver havido desistência ou abandono do caso-piloto.

Há duas possíveis soluções.

A primeira é considerar esse acórdão é irrecorrível, pois, não tendo havido decisão de nenhum caso, não há como interpor recurso. Caberia recurso apenas contra a decisão que viesse a aplicar a tese jurídica nos casos pendentes e futuros.

Essa é uma interpretação que se pode considerar como conservadora. Adapta-se, para o incidente de julgamento de casos repetitivos, o entendimento tradicional do STF criado para o incidente de arguição de inconstitucionalidade em tribunal, consolidado no enunciado 513 da sua súmula: somente cabe recurso extraordinário contra decisão que aplicar a tese firmada pelo plenário ou órgão especial, não sendo cabível recurso contra o acórdão que julgar o incidente. Para esse entendimento, "decisão de causa", nos termos

dos arts. 102 e 105 da Constituição Federal, pressuposto para o cabimento do recurso extraordinário ou recurso especial, significa "decisão de um caso". Se o Tribunal somente fixasse a tese, sem julgar o caso, não caberia recurso extraordinário ou recurso especial. Seria preciso esperar a aplicação da tese às causas sobrestadas para, então, caber o recurso especial ou o recurso extraordinário, a exemplo do que ocorre no incidente de inconstitucionalidade.

A segunda opção é considerar o acórdão como recorrível. O recurso, no caso, teria como objetivo único discutir a tese jurídica fixada - e, portanto, discutir o precedente formado. Essa opção hermenêutica pode ser considerada heterodoxa se se levar em consideração a tradicional compreensão que se tem sobre o conceito de "causa decidida" para o fim de cabimento do recurso especial ou extraordinário.” (Curso de direito processual civil: o processo civil nos tribunais, recursos, ações de competência originária de tribunal e querela nullitatis, incidentes de competência originária de tribunal, v. 3 – 15ª ed., Salvador: JusPodivm, 2018, p. 756-758).

 

Desse modo, o debate jurídico pode ser assim resumido:

 

No âmbito do IRDR, o recurso especial pode ser interposto contra o acórdão que fixa ou revisa a tese jurídica em abstrato ou somente contra o acórdão que aplica a tese fixada e julga o caso concreto?

Se o acórdão apenas fixou ou revisou a tese jurídica em abstrato, mas não julgou o caso concreto, cabe recurso especial contra essa decisão?

1ª corrente: NÃO

2ª corrente: SIM

Não cabe recurso especial contra o acórdão que apenas fixou ou revisou a tese jurídica em abstrato, na hipótese de não ter sido apreciado o caso concreto.

Cabe recurso especial contra o acórdão que fixou ou revisou a tese jurídica em abstrato no IRDR, mesmo que não tenha julgado o caso concreto.

O art. 105, III, da Constituição Federal afirma que somente cabe recurso especial na hipótese de “causas decididas” pelo TJ ou TRF.

Só existe causa decidida se o Tribunal apreciou um caso concreto. Não se pode falar em causa decidida se houve apenas discussão quanto à tese jurídica em abstrato.

Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery:

“A lei processual ordinária (CPC) não tem competência para criar novas hipóteses de recursos para o STF e o STJ. Não é o CPC que deve prever recorribilidade por meio de RE e REsp, mas sim a Constituição. A decisão sobre o IRDR, isto é, a decisão que fixa tese jurídica em abstrato, não pode ter aptidão para causar gravame porque não resolve caso concreto, de modo que não pode ser objeto de impugnação, per se, por meio de RE e REsp. A decisão que aplica a tese fixada em IRDR ao caso concreto, portanto, a decisão que resolve a lide, pode ser atacada por RE/REsp, se preenchidos os requisitos constitucionais para tanto (CF 102 III e 105 III). Em suma, a decisão sobre o mérito do IRDR, sozinha, é irrecorrível por RE/REsp.” (Código de processo civil comentado. 16ª ed. São Paulo: RT, 2016, p. 2.123).

André Vasconcelos Roque:

“O conceito de ‘causa’ deve ser interpretado de forma ampla, de maneira a admitir-se, fora das hipóteses clássicas de resolução de casos concretos, a interposição de recurso destinado a discutir a formação de precedentes qualificados ou, como já vem sendo admitido há muito tempo pelo STF, a interposição de recurso extraordinário para fins de revisar o controle de constitucionalidade realizado pelos tribunais de justiça no âmbito das representações de inconstitucionalidade, desde que o parâmetro normativo local corresponda a norma de repetição obrigatória da Constituição Federal (por exemplo, STF, ARE 740.655 AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 09.12.2016).” (GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, André Vasconcelos; OLIVEIRA JÚNIOR, Zulmar Duarte. Execução e Recursos: comentários ao CPC 2015. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018, pp. 860/861).

“Quando o tribunal, ao julgar o IRDR, julgar também o caso (o recurso ou ação originária) afetado para instrução no incidente (art. 978, parágrafo único, do CPC), são cabíveis recurso extraordinário ou especial na forma do art. 987. Já quando houver desistência da ação ou recurso, e mesmo assim prosseguir o tribunal no julgamento do IRDR, como só restará a resolução da questão comum e o tribunal não julgará a causa, não são cabíveis os recursos excepcionais. Qualquer outra interpretação, em nosso sentir, poderia levar à inconstitucionalidade do art. 987, pois estaria ampliando, em lei ordinária, as hipóteses de cabimento dos recursos extraordinário e especial, que devem ser previstas na Constituição da República.” (Comentários aos arts. 976 a 987. In: CABRAL, Antônio do Passo; CRAMER, Ronaldo. Comentários ao novo Código de Processo Civil. 2ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2016, pp. 1.471/1.472).

“Embora heterodoxa, essa opção ajuda a compreender as regras decorrentes dos arts. 138, § 3º, e 987, CPC, mencionados acima. Ajuda, também, a compreender as regras decorrentes dos §§ 3º e 4º do art. 982 do CPC, que permitem a formulação de um requerimento de suspensão nacional dos processos, a partir da instauração de um IRDR em determinado tribunal. Finalmente, essa opção reforça a concepção de que o interesse

recursal passa por um processo de ressignificação, podendo ser visualizado também quando se pretende apenas discutir a formação de precedente judicial” (Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha)

Também sustentada por: Marcos de Araújo Cavalcanti e Cassio Scarpinella Bueno.

Também defendida por: Bruno Dantas, Aluísio Gonçalves de Castro e Sofia Temer.

 

Qual foi a posição adotada pelo STJ?

A 1ª corrente.

O art. 987 do CPC prevê o seguinte:

Art. 987. Do julgamento do mérito do incidente caberá recurso extraordinário ou especial, conforme o caso.

 

Ocorre que é a Constituição Federal que prevê as hipóteses de cabimento de recurso especial e recurso extraordinário. Isso porque é o texto constitucional que estabelece as competências do STJ e STF.

Essas hipóteses de cabimento estabelecidas pela Constituição Federal não podem ser ampliadas pela legislação infraconstitucional nem mesmo pelo CPC.

Portanto, o simples fato de existir acórdão de mérito proferido em IRDR não significa dizer que cabe recurso especial sem a necessidade de observância dos requisitos constitucionais, ou seja, não podem ser mitigados pela legislação infraconstitucional (Código de Processo Civil), sob pena de eventual interpretação inconstitucional do referido dispositivo.

Assim, o art. 987, do CPC, que prevê a possibilidade de recurso extraordinário ou especial contra decisão proferida em IRDR, deve ser interpretado em consonância com o disposto no art. 105, III, da CF, que menciona “causas decididas em única ou última instância”.

O conceito de “causas decididas” exige que o acórdão do Tribunal de origem tenha sido proferido em um processo em concreto, uma lide propriamente dita.

Seguindo essa definição, a tese jurídica fixada em abstrato no julgamento do IRDR não pode ser considerada como “causa decidida”, o que somente ocorreria com a aplicação da referida tese jurídica ao caso selecionado para o julgamento ou na aplicação nas causas em andamento/sobrestadas (caso concreto) que versem sobre o tema repetitivo julgado no referido incidente.

Desse modo, a viabilidade do recurso especial em sede de IRDR depende da sua vinculação a uma causa (caso concreto) decidida pelo tribunal de origem.

Como o recurso especial no caso concreto versa unicamente sobre a revisão da tese jurídica, sem vinculação a uma causa (sem um caso concreto inter partes), não está presente a hipótese de cabimento prevista na Constituição (causa decidida em única ou última instância), o que impede o seu conhecimento.

Qualquer outra interpretação pode levar à inconstitucionalidade do art. 987, pois se estaria ampliando, por lei ordinária, as hipóteses de cabimento dos recursos extraordinário e especial, que devem ser previstas na Constituição da República.

 

Análise de algumas hipóteses

Hipótese

Cabe Resp?

1) o órgão julgador fixa a tese jurídica em abstrato e julga o caso concreto contido no processo selecionado.

SIM.

Admite-se o cabimento do recurso especial da parte do acórdão que aplica a tese jurídica fixada no caso concreto que serviu como causa-piloto, bem como nos casos sobrestados que aguardavam o julgamento do IRDR.

Para evitar o imenso volume de recursos especiais dirigidos ao STJ, nada impede que o Tribunal local selecione processos e envie para o julgamento sob o rito dos recursos repetitivos, na sistemática prevista nos arts. 1.036/1.041 do CPC, sendo perfeitamente possível a determinação de sobrestamento dos demais processos idênticos até a fixação da tese pela referida Corte Superior.

2) se houver desistência no processo que deu origem ao IRDR o julgamento terá prosseguimento no órgão julgador responsável, no qual será apenas fixada a tese jurídica do IRDR em abstrato (a tese jurídica será aplicada aos demais processos sobrestados que envolvam matéria idêntica, mas não no processo selecionado).

NÃO.

Isso porque não há julgamento de causa em concreto, mas apenas acórdão da fixação da tese em abstrato (hipóteses de desistência ou revisão da tese em IRDR), o que afasta o cabimento do recurso especial em razão da inexistência do requisito constitucional de “causas decididas”.

3) se houve mero pedido de revisão da tese jurídica fixada no IRDR (sem relação direta com um caso concreto).

NÃO.

Isso porque não há julgamento de causa em concreto. O órgão julgador apenas analisa se a tese fixada em abstrato deve ser mantida, ou não, sem vinculação a qualquer caso concreto (ao menos no exemplo dado).

 

Em suma:


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