quinta-feira, 21 de julho de 2022

O que acontece se o indivíduo que está cumprindo pena restritiva de direitos for novamente condenado agora a pena privativa de liberdade?


Imagine a seguinte situação hipotética:

Em 2014, João foi condenado a 2 anos de reclusão. Essa pena privativa de liberdade foi substituída por duas penas restritivas de direito: prestação de serviço à comunidade e prestação pecuniária. A sentença transitou em julgado e o condenado iniciou a execução (cumprimento) da pena restritiva de direitos.

Em 2015, João cometeu outro crime e foi novamente condenado. Nesta segunda vez, a pena privativa de liberdade não foi convertida em restritiva de direitos. Em outras palavras, João terá que cumprir pena privativa de liberdade por esse segundo delito.

 

A pergunta que surge é a seguinte: o que acontece com o cumprimento da pena restritiva de direitos?

Depende:

• Se o regime inicial fixado nesta segunda condenação for o semiaberto ou fechado: as penas serão unificadas, com a reconversão da pena alternativa (pena restritiva de direitos) em privativa de liberdade.

• Se o regime inicial fixado for o aberto: será permitido que o condenado cumpra simultaneamente a pena restritiva de direitos e a pena privativa de liberdade.

Essa conclusão é baseada no § 5º do art. 44 do CP:

Art. 44 (...)

§ 5º Sobrevindo condenação a pena privativa de liberdade, por outro crime, o juiz da execução penal decidirá sobre a conversão, podendo deixar de aplicá-la se for possível ao condenado cumprir a pena substitutiva anterior.

 

O art. 181 da Lei de Execução Penal também deixa claro que é possível que o cumprimento da pena restritiva de direitos continue mesmo sobrevindo condenação por pena privativa de liberdade. Veja:

Art. 181. A pena restritiva de direitos será convertida em privativa de liberdade nas hipóteses e na forma do artigo 45 e seus incisos do Código Penal.

§ 1º A pena de prestação de serviços à comunidade será convertida quando o condenado:

(...)

e) sofrer condenação por outro crime à pena privativa de liberdade, cuja execução não tenha sido suspensa.

 

Vamos agora mudar o exemplo:

Em 2014, Pedro foi condenado a 10 anos de reclusão (pena privativa de liberdade). Pro não ser cabível, não houve conversão em penas restritivas de direito. A sentença transitou em julgado. O condenado iniciou a execução (cumprimento) da pena privativa de liberdade.

Dm 2015, Pedro foi condenado a 2 anos de reclusão. Essa pena privativa de liberdade foi substituída por duas penas restritivas de direito: prestação de serviço à comunidade e prestação pecuniária. A sentença transitou em julgado.

O juízo da execução unificou as penas e, entendendo pela incompatibilidade do cumprimento simultâneo da pena privativa de liberdade com a pena restritiva de direitos, reconverteu a pena restritiva de direitos em privativa de liberdade.

 

Agiu corretamente o magistrado?

NÃO.

Se o penado estava cumprindo pena privativa de liberdade e sobreveio nova condenação em que a pena corporal foi substituída por pena alternativa, neste caso, o juiz da execução não pode converter a pena restritiva de direitos em privativa de liberdade. Não pode por dois motivos:

a) não há amparo legal para isso considerando que essa situação (pena privativa de liberdade e depois pena restritiva de direitos) não é tratada no art. 44, § 5º do CP nem no art. 181 da LEP;

b) essa conversão ofenderia a coisa julgada, tendo em vista que o benefício (pena restritiva de direitos) foi concedido na sentença, que transitou em julgado. Logo, o condenado somente pode “perder” esse benefício (pena restritiva de direitos) se incidir em uma das situações expressamente previstas na lei, em especial no art. 44, §§ 4º e 5º, do Código Penal.

Confira a explicação de Guilherme de Souza Nucci:

“(...) Quando houver nova condenação, durante o gozo de pena restritiva de direitos, a reconversão não é automática (art. 44, § 5.º, CP). É imprescindível que haja impossibilidade de cumprimento cumulativo das penas (restritiva de direitos + privativa de liberdade). Assim, se a segunda pena, apesar de privativa de liberdade, for cumprida no regime aberto, mormente na modalidade de prisão albergue domiciliar, nada impede que o condenado execute, concomitantemente, a restritiva de direitos, consistente em prestação de serviços à comunidade, por exemplo. (...)” (NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 16ª ed, Rio de Janeiro: Forense: 2020, epub)

 

O juiz da execução penal não poderia se valer do parágrafo único do art. 111 da LEP para converter a pena restritiva de direitos imposta a Pedro em pena privativa de liberdade? Esse dispositivo não autorizaria essa conversão?

NÃO. Veja o que diz o art. 111 da LEP:

Art. 111. Quando houver condenação por mais de um crime, no mesmo processo ou em processos distintos, a determinação do regime de cumprimento será feita pelo resultado da soma ou unificação das penas, observada, quando for o caso, a detração ou remição.

Parágrafo único. Sobrevindo condenação no curso da execução, somar-se-á a pena ao restante da que está sendo cumprida, para determinação do regime.

 

Repare que o parágrafo único fala que essa unificação e soma das penas ocorre para fins de “determinação do regime”. Logo, isso significa que esse dispositivo está tratando de penas privativas de liberdade, ou seja, de condenações que já se encontram impingidas sob o formato da pena corporal. Não é possível extrair do aludido dispositivo a imposição de conversão da pena alternativa.

A pena restritiva de direitos serve como uma alternativa ao cárcere. Logo, se o julgador reputou adequada a concessão do benefício, a situação do condenado não pode ser agravada por meio de interpretação que amplia o alcance do § 5º do art. 44 do Código Penal em seu prejuízo, notadamente à vista da possibilidade de cumprimento sucessivo das penas.

 

Em suma:


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