quarta-feira, 20 de julho de 2022

É inconstitucional a criação de cargos em comissão sem a devida observância dos requisitos indispensáveis fixados pelo STF

                                                                                

O caso concreto foi o seguinte:

No Estado de Sergipe foram editadas leis criando, no âmbito do Tribunal de Contas, os cargos em comissão de “coordenadores”.

Ocorre que foram atribuídos a esses cargos determinadas funções que se constituem nas atividades finalísticas de controle externo do Tribunal de Contas, como, por exemplo, as atividades de “encerrar a instrução processual e aprovar as informações técnicas constantes nos autos”.

Antes das leis, essas atividades eram desempenhadas apenas pelos ocupantes de cargos efetivos (Analistas de Controle Externo I e II). Depois, passaram a poder ser exercidas também pelos ocupantes dos cargos de coordenadores (cargos em comissão).

A Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas do Brasil (ANTC) ajuizou ADI contra essas leis argumentando que seriam inconstitucionais porque violariam os requisitos que o STF impôs para a criação de cargos em comissão, a partir da interpretação do art. 37, V, da CF/88:

Art. 37 (...)

V - (...) os cargos em comissão (...) destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento;

 

O STF concordou com o pedido formulado na ADI? As leis impugnadas foram julgadas inconstitucionais?

SIM.

 

Em primeiro lugar, é importante entender como é a jurisprudência do STF a respeito da constitucionalidade dos cargos em comissão

A Constituição Federal trata sobre o regime jurídico aplicável à Administração Pública e impõe, como regra, o concurso público como forma de resguardar o interesse público, a isonomia e a eficiência na formação de seus quadros de pessoal. São princípios e regras derivados do princípio republicano na gestão pública.

Os cargos em comissão, por sua vez, representam exceção à regra e devem ter suas atribuições adequadas ao princípio da livre nomeação e investidura, bem como ao vínculo de confiança entre os seus ocupantes e aqueles que o nomeiam.

O art. 37, V, da CF/88 prevê que os cargos de comissão devem ser destinados apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento, guardando proporcionalidade em relação aos cargos efetivos.

A partir dessas premissas, o STF, ao analisar o Tema 1010, afirmou que a criação de cargos em comissão é exceção à regra de ingresso no serviço público mediante concurso público de provas ou provas e títulos e somente se justifica quando presentes os pressupostos constitucionais para sua instituição. Na oportunidade, foram fixadas as seguintes teses:

a) A criação de cargos em comissão somente se justifica para o exercício de funções de direção, chefia e assessoramento, não se prestando ao desempenho de atividades burocráticas, técnicas ou operacionais;

b) tal criação deve pressupor a necessária relação de confiança entre a autoridade nomeante e o servidor nomeado;

c) o número de cargos comissionados criados deve guardar proporcionalidade com a necessidade que eles visam suprir e com o número de servidores ocupantes de cargos efetivos no ente federativo que os criar; e

d) as atribuições dos cargos em comissão devem estar descritas, de forma clara e objetiva, na própria lei que os instituir.

STF. Plenário. RE 1041210 RG, Rel. Dias Toffoli, julgado em 27/09/2018 (Repercussão Geral – Tema 1010).

 

O STF teve a oportunidade de reapreciar o assunto recentemente, fixando as seguintes teses:

I - No julgamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta para questionar a validade de leis que criam cargos em comissão, ao fundamento de que não se destinam a funções de direção, chefia e assessoramento, o Tribunal deve analisar as atribuições previstas para os cargos.

II - Na fundamentação do julgamento, o Tribunal não está obrigado a se pronunciar sobre a constitucionalidade de cada cargo criado, individualmente.

STF. Plenário. RE 719870/MG, rel. orig. Min. Marco, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 9/10/2020 (Repercussão Geral – Tema 670) (Info 994).

 

No caso concreto, as leis impugnadas atenderam aos critérios fixados pelo STF?

NÃO. A Lei sergipana não traz a descrição das atribuições específicas de alguns cargos de coordenador, como é o caso do coordenador jurídico. Ocorre que essa é uma exigência imposta pelo STF na letra “d” da tese fixada no Tema 1010: “as atribuições dos cargos em comissão devem estar descritas, de forma clara e objetiva, na própria lei que os instituir.”

No julgamento da Repercussão Geral, essa exigência foi assim fundamentada no voto condutor, da lavra do Min. Dias Toffoli:

“Por fim, urge que as atribuições dos cargos estejam previstas na própria lei que os criou, de forma clara e objetiva, não havendo a possibilidade de que sejam fixadas posteriormente.

É certo que do nome do cargo não exsurge o plexo de atribuições correspondentes, as quais podem conter atividades típicas de cargo comissionado e outras meramente técnicas, a depender do que dispuser a lei. Daí ser imprescindível que a lei que cria o cargo em comissão descreva as atribuições a ele inerentes, evitando-se termos vagos e imprecisos.

De fato, somente com a descrição das atribuições dos cargos comissionados na própria lei que os institui é possível verificar o atendimento do art. 37, inciso V, da CF/88.”

 

Em outros casos, a lei estadual conferiu a determinados cargos em comissão (como o de coordenador de unidade orgânica do Tribunal) atribuições de Estado exclusivas de cargo de provimento efetivo integrante do quadro próprio do TCE/SE, em violação aos arts. 37, II e V, e também aos arts. 71, 73 c/c 96, I, “a”, da CF/88.

 

Em suma:

É inconstitucional a criação de cargos em comissão sem a devida observância dos requisitos indispensáveis fixados pelo STF.

STF. Plenário. ADI 6655/SE, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 6/5/2022 (Info 1053).

 

Dispositivo

Ante o exposto, o STF julgou procedente o pedido, declarando a inconstitucionalidade material do art. 9º, caput, e §3º da LCE 232/2013, na redação dada pelo art. 1º da LCE 256/2015 e dos arts. 17, §3º, 19, §§ 5º e 6º, 27 e, parcialmente, do art. 34, em relação à criação de um cargo de coordenador adjunto, símbolo CCE-03, e quatro dos seis cargos de coordenador, símbolo CCE-02, da LCE 204/2011, do Estado de Sergipe, com eficácia ex nunc a contar da publicação da ata de julgamento.

 

Modulação dos efeitos

Por razões de segurança jurídica, a fim de preservar os atos praticados pelos servidores ocupantes dos cargos comissionados questionados, assim como o período em que estiveram prestando serviços à Administração, o STF declarou a inconstitucionalidade com eficácia ex nunc (a contar da publicação da ata de julgamento).


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