quinta-feira, 24 de agosto de 2023

A previsão legal de manutenção da qualidade de segurado, contida no art. 15, I, da Lei 8.213/91, inclui os benefícios deferidos por decisão de caráter provisório, ainda que seja futuramente revogada

Imagine a seguinte situação hipotética:

No ano de 2010, Regina ajuizou ação contra o INSS pedindo a concessão de aposentadoria por invalidez.

Em 24/01/2011, o juiz deferiu tutela antecipada determinando que, enquanto o processo não terminasse, Regina deveria ficar recebendo auxílio-doença.

Ocorre que, posteriormente, em 22/12/2015, o magistrado proferiu sentença julgando o pedido improcedente e, consequentemente, revogou a tutela provisória anteriormente deferida. Essa decisão transitou em julgado.

Desde a cessação do referido benefício previdenciário, Regina não teve mais condições de trabalhar, tendo havido uma piora em seu estado de saúde, o que foi comprovado por laudo pericial.

Em 2016, Regina ajuizou nova ação na qual pleiteou novamente a concessão da aposentadoria por invalidez ou, subsidiariamente, o auxílio-doença, argumentando o agravamento do seu estado de saúde.

O juiz julgou o pedido parcialmente procedente para conceder apenas o auxílio-doença.

O INSS recorreu sustentando a ausência da qualidade de segurada, uma vez que a última contribuição ocorreu em 2010. Depois dessa data, ela não mais trabalhou e, portanto, não pagou contribuições previdenciárias. A autarquia alegou que a primeira ação foi julgada improcedente. Assim, o auxílio-doença que Regina recebeu de 2011 a 2015 não poderia ser computada para manter a sua qualidade de segurada.

O Tribunal Regional Federal da 3ª Região negou provimento ao recurso do INSS, reconhecendo que, mesmo Regina não tendo trabalhado depois de 2010, ela continuou com a qualidade de segurada já que esteve gozando auxílio-doença entre 02/02/2011 e 22/12/2015, concedido por força de tutela antecipada no feito anteriormente ajuizado, mais tarde julgado improcedente.

Assim, para o TRF, deveria ser aplicado o art. 15, I, da Lei nº 8.213/91:

Art. 15. Mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuições:

(...)

I - sem limite de prazo, quem está em gozo de benefício, exceto do auxílio-acidente;

 

Inconformado, o INSS interpôs recurso especial reiterando, em síntese, os argumentos da apelação.

 

A decisão do TRF foi mantida pelo STJ?

SIM.

A tutela antecipada ou de urgência é um provimento judicial provisório e reversível (art. 273, § 2º, do CPC/1973 e arts. 296 e 300, § 3º, do CPC/2015). Por essa razão, em regra, a revogação da decisão que concede o mandamento provisório produz efeitos imediatos e retroativos, impondo o retorno à situação anterior ao deferimento da medida, cujo ônus deve ser suportado pelo beneficiário da tutela.

Como o cumprimento provisório ocorre por iniciativa e responsabilidade da parte autora, cabe a esta, em regra, suportar o ônus decorrente da reversão da decisão precária, na medida em que, a rigor, pode, de antemão, prever os resultados de eventual cassação da medida, escolher sujeitar-se a tais consequências e até mesmo trabalhar previamente para evitar ou mitigar os impactos negativos no caso de reversão.

Essa regra (de total reversibilidade/restituição ao estado anterior), porém, não pode ser aplicada em relação ao segurado em gozo de benefício previdenciário por incapacidade laborativa, concedido por meio de tutela de urgência posteriormente revogada, na medida em que, nesses casos, o ônus (de perder a condição de segurado) não é completamente previsível, evitável ou mitigável.

Portanto, não é de todo previsível porque o art. 15, I, da Lei nº 8.213/91 assegura que, independentemente de contribuições, quem está em gozo de benefício (qualquer que seja a natureza da concessão, porque o dispositivo não diferenciou), mantém a qualidade de segurado, sem limite de prazo, isto é, não seria razoável exigir do segurado de boa-fé considerar que tal previsão expressa fosse afastada automaticamente na ocasião da revogação da medida de caráter precário.

Ademais, o ônus (de perder a qualidade de segurado) não é mitigável ou evitável, pois enquanto o segurado está em gozo de benefício previdenciário por incapacidade laborativa, concedido por meio de tutela de urgência, não pode recolher contribuições previdenciárias, uma vez que, em tal condição, não se insere na previsão dos arts. 11 ou 13 da Lei nº 8.213/91.

 

Em suma:


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