sábado, 26 de agosto de 2023

Para que haja a denúncia de um tratado internacional é necessária a aprovação do Congresso Nacional?

Organização Internacional do Trabalho (OIT)

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) é uma agência das Nações Unidas, criada em 1919, pelo Tratado de Versalhes, da qual o Brasil foi signatário.

“A missão da OIT é promover oportunidades para que homens e mulheres possam ter acesso a um trabalho decente e produtivo, em condições de liberdade, equidade, segurança e dignidade.” (https://www.ilo.org/brasilia/conheca-a-oit/lang--pt/index.htm)

A OIT formula normas internacionais do trabalho, que assumem a forma de convenções e recomendações.

As convenções, quando ratificadas por um país membro, são vinculantes (obrigatórias).

As recomendações, por sua vez, servem apenas como diretrizes, não sendo vinculantes (softlaw).

Essas normas tratando sobre uma ampla gama de tópicos relacionados ao trabalho, incluindo condições de trabalho, segurança no trabalho, direito à organização, negociação coletiva, erradicação do trabalho forçado e infantil, entre outros.

 

A Convenção da OIT é considerada um tratado internacional?

SIM.

“As convenções da OIT são tratados multilaterais que não se diferenciam de qualquer outro tratado internacional, consistindo em acordos que adotam a forma escrita e que vinculam juridicamente os Estados que deles façam parte. Encontram-se abertas à ratificação de qualquer Estado membro da Organização.” (PORTELA Paulo Henrique Gonçalves. Direito internacional público e privado. Salvador: Juspodivm, 2021, p. 572)

 

Convenção 158 OIT

A Convenção nº 158 da OIT trata sobre o término da relação de trabalho por iniciativa do empregador, estabelecendo parâmetros de proteção ao trabalhador contra a despedida arbitrária ou sem justa causa. O documento foi aprovado na 68ª reunião da Conferência Internacional do Trabalho, em 2 de junho de 1982, em Genebra, entrando em vigor no plano internacional em 23 de novembro de 1985 e vindo a ser ratificada por 36 países, entre eles o Brasil.

 

Denúncia de um tratado

“A denúncia é o ato unilateral pelo qual uma parte em um tratado anuncia sua intenção de se desvincular de um compromisso internacional de que faça parte, desobrigando-se de cumprir as obrigações estabelecidas em seu bojo sem que isso enseje a possibilidade de responsabilização internacional.

Logicamente, a denúncia extingue o tratado bilateral. Nos atos multilaterais, a denúncia implica apenas a retirada da parte do acordo, cujos efeitos cessam para o denunciante, mas permanecem para os demais signatários. Cabe destacar que autores como Ricardo Seitenfus chamam a denúncia de compromissos multilaterais de ‘retirada’.

A denúncia isenta o Estado signatário de cumprir as normas dos tratados. Entretanto, é ato que produz efeitos ex nunc, não excluindo as obrigações estatais relativas a atos ou omissões ocorridas antes da data em que venha a produzir efeitos.” (PORTELA Paulo Henrique Gonçalves. Direito internacional público e privado. Salvador: Juspodivm, 2021, p. 128)

 

Denúncia da Convenção 158 da OIT

Em 1996, o Presidente da República editou o Decreto nº 2.100/96, por meio do qual fez a denúncia da Convenção nº 158, da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Veja o que disse o Decreto:

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, torna público que deixará de vigorar para o Brasil, a partir de 20 de novembro de 1997, a Convenção da OIT nº 158, relativa ao Término da Relação de Trabalho por Iniciativa do Empregador, adotada em Genebra, em 22 de junho de 1982, visto haver sido denunciada por Nota do Governo brasileiro à Organização Internacional do Trabalho, tendo sido a denúncia registrada, por esta última, a 20 de novembro de 1996.

 

ADC

Surgiram questionamentos a respeito da validade desse Decreto. Entidades de proteção ao trabalhador argumentaram que ele seria inconstitucional, porque para a denúncia de um tratado, seria necessária não apenas a iniciativa do Presidente da República, mas também a aprovação do Congresso Nacional. Como não houve, no caso concreto, a aprovação, essa denúncia teria descumprido o texto constitucional.

Diante desse cenário de controvérsia judicial relevante, a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) e a Confederação Nacional do Transporte (CNT) propuseram ADC em face do Decreto nº 2.100/1996.

Argumentaram que o Decreto nº 2.100/96 seria constitucional porque o Presidente da República possui a prerrogativa de denunciar tratados, convenções e atos internacionais, prescindindo, para tanto, de anuência do Congresso Nacional.

 

Para que haja a denúncia de um tratado internacional é necessária a aprovação do Congresso Nacional?

SIM.

A aprovação e a internalização de tratados internacionais estão disciplinadas expressamente na Constituição Federal:

Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:

(...)

VIII - celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional;

 

Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:

I - resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional;

(...)

 

Por outro lado, a denúncia e a respectiva exclusão dos tratados internacionais não foram tratadas de forma expressa no texto constitucional.

Mesmo diante desse silêncio do legislador constituinte, o STF concluiu que a exclusão dos tratados internacionais incorporadas ao ordenamento jurídico interno não pode ocorrer por vontade exclusiva do Presidente da República, sob pena de vulnerar o princípio democrático, a separação de Poderes, o sistema de freios e contrapesos e a própria soberania popular. Assim, uma vez ingressado no ordenamento jurídico pátrio mediante referendo do Congresso Nacional, a supressão do tratado internacional pressupõe também a chancela popular por meio de seus representantes eleitos.

Os tratados promulgados se transformam em legislação nacional e, assim sendo, sua revogação deve se dar por norma equivalente e posterior.

É dizer, por paralelismo, a revogação de normas que foram regularmente aprovadas pelos representantes do povo só pode observar o mesmo procedimento, pois, do contrário, o ato careceria de legitimidade e se traduziria em antidemocrático. Aliás, é intrínseco ao Estado Democrático de Direito que não apenas os cidadãos, mas também os titulares do Poder se submetam às leis, as quais não podem ser alteradas ou simplesmente revogadas unilateralmente, sem observância do devido processo legislativo.

Destarte, se é exigível a anuência do Parlamento para que um compromisso internacional assumido pelo chefe do Poder Executivo seja vinculante perante a ordem jurídica interna, o ato de desobrigar-se dessa

avença, de forma a alterar novamente o direito vigente, requer, necessariamente, a chancela congressual.

Também é essa a conclusão de Valerio de Oliveira Mazzuoli , que vislumbra a questão sob a óptica do “comando constitucional (art. 1º, parágrafo único) segundo o qual todo o poder emana do povo, incluindo-se nessa categoria também o poder de denunciar tratados ” (MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direito internacional público . Rio de Janeiro: Editora Forense, 14. ed., 2021, p. 267).

A importância da participação do Poder Legislativo na denúncia de tratados torna-se ainda mais evidente quanto se tem em perspectiva normas de proteção aos direitos humanos, como é o caso da Convenção nº 158 da OIT, cujo intuito é a proteção dos trabalhadores contra a dispensa arbitrária, o que figura na Constituição Federal como um direito social (art. 7º, inciso I).

 

O STF fixou a seguinte tese a respeito do tema:

 

Isso significa que a denúncia da Convenção 158 da OIT precisava ter sido aprovada pelo Congresso Nacional?

SIM.

 

Isso significa então que, com a decisão do STF, a Convenção 158 da OIT voltou a produzir efeitos no Brasil?

NÃO.

O STF decidiu modular os efeitos da decisão e, desse modo, o entendimento acima explicado deve ser aplicado somente a partir da publicação da ata do presente julgamento, mantendo-se a eficácia das denúncias realizadas até esse marco temporal.

Assim, em homenagem ao princípio da segurança jurídica, o STF decidiu que deveria ser mantida a validade do Decreto 2.100/1996, por meio do qual o Presidente da República tornou pública a denúncia da Convenção 158 da OIT.

Embora, à luz do ordenamento constitucional, a denúncia de tratados internacionais dependa de anuência do Congresso Nacional para surtir efeitos internamente, a prática institucional resultou em uma aceitação tácita da denúncia unilateral por reiteradas vezes e em períodos variados da história nacional, de modo que se consubstanciou em costume consolidado pelo tempo e que vinha sendo adotado de boa-fé e com justa expectativa de legitimidade, eis que, até então, não foi formalmente invalidado.

 

Em decorrência do próprio Estado Democrático de Direito e de seu corolário, o princípio da legalidade, é necessária a manifestação de vontade do Congresso Nacional para que a denúncia de um tratado internacional produza efeitos no direito doméstico, razão pela qual é inconstitucional a denúncia unilateral pelo Presidente da República. Contudo, esse entendimento deve ser aplicado somente a partir da publicação da ata do presente julgamento, mantendo-se a eficácia das denúncias realizadas até esse marco temporal.

STF. Plenário. ADC 39/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 19/6/2023 (Info 1099).

 

Com base nesses entendimentos, o Plenário, por maioria, julgou procedente a ação para manter a validade do Decreto nº 2.100/1996 e formular apelo ao legislador “para que elabore disciplina acerca da denúncia dos tratados internacionais, a qual preveja a chancela do Congresso Nacional como condição para a produção de efeitos na ordem jurídica interna, por se tratar de um imperativo democrático e de uma exigência do princípio da legalidade”.


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