Dizer o Direito

domingo, 13 de agosto de 2023

O juiz da execução penal pode, de ofício, determinar que o condenado pague a multa imposta na sentença penal condenatória?

Multa

Multa é uma espécie de pena, por meio da qual o condenado fica obrigado a pagar uma quantia em dinheiro que será revertida em favor do Fundo Penitenciário.

Pagamento da multa. A pena de multa é fixada na própria sentença condenatória. Depois que a sentença transitar em julgado, o condenado terá um prazo máximo de 10 dias para pagar a multa imposta (art. 50 do CP). O Código prevê a possibilidade de o condenado requerer o parcelamento da multa em prestações mensais, iguais e sucessivas, podendo o juiz autorizar, desde que as circunstâncias justifiquem (ex.: réu muito pobre, multa elevadíssima etc.). O parcelamento deverá ser feito antes de esgotado o prazo de 10 dias. O Juiz, antes de decidir, poderá determinar diligências para verificar a real situação econômica do condenado e, ouvido o Ministério Público, fixará o número de prestações (art. 169, § 1º da LEP). Se o condenado for impontual ou se melhorar de situação econômica, o Juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, poderá revogar o benefício (art. 169, § 2º da LEP).

 

O que acontece caso o condenado não pague nem parcele a multa no prazo de 10 dias?

• Antes da Lei nº 9.268/96: se o condenado, deliberadamente, deixasse de pagar a pena de multa, ela deveria ser convertida em pena de detenção. Em outras palavras, a multa era transformada em pena privativa de liberdade.

• Atualmente: a Lei nº 9.268/96 alterou o art. 51 do CP e previu que, se a multa não for paga, ela será considerada dívida de valor e deverá ser exigida por meio de execução (não se permite mais a conversão da pena de multa em detenção).

 

Antes da Lei 9.268/96

Depois da Lei 9.268/96 (ATUALMENTE)

Art. 51. A multa converte-se em pena de detenção, quando o condenado solvente deixa de paga-lá ou frustra a sua execução.

Art. 51. Transitada em julgado a sentença condenatória, a multa será considerada dívida de valor, aplicando-se-lhes as normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição.

 

Multa permaneceu com caráter penal

Importante esclarecer que, mesmo com essa mudança feita pela Lei nº 9.268/96, a multa continua tendo caráter de sanção criminal, ou seja, permanece sendo uma pena, por força do art. 5º, XLVI, “c”, da CF/88:

Art. 5º (...)

XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes:

c) multa;

 

Assim, a única coisa que a Lei nº 9.268/96 fez foi mudar a forma de cobrança da multa não paga: antes, ela virava pena de detenção; agora, deve ser cobrada por meio de execução.

 

Quem executa a pena de multa?

No final de 2018, o STF decidiu o seguinte:

• A multa deve ser executada prioritariamente pelo Ministério Público, na vara de execução penal, aplicando-se a LEP.

• Caso o MP se mantenha inerte por mais de 90 dias após ser devidamente intimada: a Fazenda Pública irá executar, na vara de execuções fiscais, aplicando-se a Lei nº 6.830/80.

 

A Lei nº 9.268/96, ao considerar a multa penal como dívida de valor, não retirou dela o caráter de sanção criminal.

Diante de tal constatação, não há como retirar do MP a competência para a execução da multa penal, considerado o teor do art. 129 da CF/88, segundo o qual é função institucional do MP promover privativamente a ação penal pública, na forma da lei.

Promover a ação penal significa conduzi-la ao longo do processo de conhecimento e de execução, ou seja, buscar a condenação e, uma vez obtida esta, executá-la. Caso contrário, haveria uma interrupção na função do titular da ação penal.

Ademais, o art. 164 da LEP é expresso ao reconhecer essa competência do MP. Esse dispositivo não foi revogado expressamente pela Lei nº 9.268/96.

Vale ressaltar, entretanto que, se o titular da ação penal, mesmo intimado, não propuser a execução da multa no prazo de 90 dias, o juiz da execução criminal deverá dar ciência do feito ao órgão competente da Fazenda Pública (federal ou estadual, conforme o caso) para a respectiva cobrança na própria vara de execução fiscal, com a observância do rito da Lei 6.830/80.

 

Foi o que decidiu o STF:

O Ministério Público possui legitimidade para propor a cobrança de multa decorrente de sentença penal condenatória transitada em julgado, com a possibilidade subsidiária de cobrança pela Fazenda Pública.

STF. Plenário. ADI 3150/DF, Rel. para acórdão Min. Roberto Barroso, julgado em 12 e 13/12/2018 (Info 927).

STF. Plenário. AP 470/MG, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 12 e 13/12/2018 (Info 927).

 

Exemplo:

João foi sentenciado por roubo e o juiz de direito (Justiça Estadual) o condenou a 4 anos de reclusão e mais 10 dias-multa no valor de meio salário mínimo cada.

Depois do trânsito em julgado, o condenado foi intimado para pagar a pena de multa no prazo de 10 dias, mas não o fez.

Diante disso, o escrivão da vara irá fazer uma certidão na qual constarão as informações sobre a condenação e o valor da multa.

O magistrado deverá intimar o Ministério Público e, após isso, o membro do Parquet irá propor a execução da multa na vara de execução penal.

Caso o MP, devidamente intimado, não proponha a execução da multa no prazo de 90 dias, o juiz da execução criminal deverá dar ciência do feito ao órgão competente da Fazenda Pública (federal ou estadual, conforme o caso) para a respectiva cobrança na própria vara de execução fiscal, com a observância do rito da Lei nº 6.830/80.

Obs: se João tivesse sido condenado pela Justiça Federal, quem iria ingressar com a execução seria prioritariamente o MPF e, apenas subsidiariamente, a União, por intermédio da Procuradoria da Fazenda Nacional (PFN).

 

O que acontece com o entendimento do STJ manifestado na Súmula 521?

A Súmula 521 do STJ, editada em 2015, afirmava o seguinte:

Súmula 521-STJ: A legitimidade para a execução fiscal de multa pendente de pagamento imposta em sentença condenatória é exclusiva da Procuradoria da Fazenda Pública.

 

Esse entendimento está superado. Isso porque a decisão do STF acima explicada foi proferida em ação direta de inconstitucionalidade possuindo, portanto, eficácia erga omnes e efeito vinculante (art. 102, § 2º, da CF/88).

 

Pacote anticrime e alteração do art. 51 do CP

Em 2019, o chamado Pacote Anticrime alterou a redação do art. 51 do CP. Compare:

CÓDIGO PENAL

Antes da Lei 13.964/2019

ATUALMENTE

Art. 51. Transitada em julgado a sentença condenatória, a multa será considerada dívida de valor, aplicando-se-lhes as normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição.

Art. 51. Transitada em julgado a sentença condenatória, a multa será executada perante o juiz da execução penal e será considerada dívida de valor, aplicáveis as normas relativas à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição.

 

Com a Lei nº 13.964/2019 (Pacote Anticrime), a Fazenda Pública ainda detém legitimidade subsidiária para executar a pena de multa (legitimidade para executar depois de 90 dias)? Esse entendimento do STF (ADI 3150/DF) ainda persiste?

SIM.

O Ministério Público é o órgão legitimado para promover a execução da pena de multa, perante a Vara de Execução Criminal, sendo que a Fazenda Pública mantém a competência subsidiária para execução dos respectivos valores, mesmo após a alteração decorrente da nova redação do art. 51 do Código Penal pela Lei 13.964/2019.

STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp 1.993.920/RS, Rel. Min. Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), julgado em 22/11/2022.

 

Mesmo após a alteração decorrente da nova redação do art. 51 do Código Penal pela Lei 13.964/2019, a Fazenda Pública mantém a competência subsidiária para execução dos respectivos valores.

STJ. 5ª Turma. AgRg no AREsp 2.096.601/RS, Rel. Min. Ribeiro Dantas, DJe de 24/8/2022.

 

Feita essa revisão, imagine agora a seguinte situação hipotética:

João foi condenado a 2 anos de reclusão por porte ilegal de arma de uso permitido.

Houve o trânsito em julgado.

Em audiência com o condenado, o Juízo da Vara de Execução, ao estabelecer as condições de cumprimento das penas, determinou, de ofício, o pagamento da multa criminal, no valor de R$ 692,69.

A Defensoria Pública, presente na audiência, impugnou a determinação sob o argumento de que essa execução deveria ser iniciada pelo Ministério Público.

O Juízo da execução penal indeferiu o pedido, afirmando que, após a alteração promovida pela Lei nº 13.964/2019 no art. 51 do CP, ficou claro que o Juízo da Execução Penal possui a competência para a execução da pena de multa.

 

Para o STJ, agiu corretamente o juiz?

NÃO.

Conforme vimos acima, o STF, ao julgar a ADI 3.150/DF, declarou que a multa é espécie de pena aplicável em retribuição e em prevenção à prática de crimes.

Com base nessa premissa, a legitimidade para a execução da multa resultante de uma condenação criminal transitada em julgado, devido à sua natureza penal, recai prioritariamente sobre o Ministério Público, ainda que não de forma exclusiva.

A Fazenda Pública tem a legitimidade subsidiária para propor a execução fiscal, somente em caso de omissão do órgão ministerial dentro do prazo estabelecido de 90 dias a partir da intimação para a execução da penalidade.

Desse modo, não pode o juiz, de ofício, iniciar a execução da multa.

 

Em suma:

Não cabe a determinação do pagamento da pena de multa, de ofício, ao juízo da execução.

STJ. 5ª Turma. AgRg no AREsp 2.222.146-GO, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 9/5/2023 (Info 779).

 

No mesmo sentido:

Incumbe ao Ministério Público a execução da pena de multa, o qual, atento às disposições contidas nos arts. 164 e seguintes da Lei de Execução Penal, deverá promovê-la, não cabendo ao juízo da execução a determinação, de ofício, do respectivo pagamento.

STJ. 5ª Turma. AgRg no AREsp 2.092.616/GO, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 2/8/2022.


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