domingo, 29 de junho de 2025
Supermercado deve pagar indenização por danos morais caso o segurança privado tenha feito uma abordagem excessiva à adolescente por suspeita de furto
Imagine a seguinte situação
hipotética:
Mariana é uma adolescente de 14
anos que foi ao supermercado com uma amiga, também menor de idade, para fazer
compras.
Após escolher os produtos e pagar
no caixa, as meninas se dirigiram à saída do estabelecimento. Nesse momento, um
segurança do supermercado abordou Mariana publicamente, acusando-a de ter
furtado algum produto.
O segurança alegou que a central
de monitoramento das câmeras de vigilância havia identificado a adolescente
colocando uma mercadoria na cintura e saindo sem pagar.
Mariana foi então revistada pelo
segurança em público, próximo ao guarda-volumes, na presença de outros clientes
que transitavam pelo local.
Após a revista, constatou-se que
Mariana não havia furtado absolutamente nada. A acusação era completamente
infundada.
Mariana saiu do estabelecimento
chorando, extremamente constrangida pela situação vexatória vivenciada em
público.
Ao chegar em casa, sua mãe, Regina,
percebeu o estado de nervosismo da filha. Quando soube dos fatos, levou Mariana
à delegacia para registrar um boletim de ocorrência.
Mariana, assistida por sua mãe
Regina, ingressou com ação de indenização por danos morais contra o
supermercado.
O supermercado contestou alegando
que a abordagem constituiu exercício regular de direito e que, portanto, não
houve ato ilícito a ensejar o pagamento de indenização.
O STJ acolheu os argumentos
do supermercado?
NÃO.
As abordagens por suspeita
de furto são relações de consumo protegidas pelo CDC
As situações em que clientes são
abordados sob suspeita de furto configuram relações de consumo. Por essa razão,
a responsabilidade civil do estabelecimento comercial deve ser analisada à luz
do Código de Defesa do Consumidor.
O CDC assegura o respeito à
dignidade, saúde e segurança do consumidor, bem como a proteção de seus
interesses econômicos, observando, entre outros, o princípio do reconhecimento
da sua vulnerabilidade no mercado de consumo (art. 4º, I, do CDC).
Os estabelecimentos
comerciais têm direito de proteger seu patrimônio (exercício regular de
direito)
Os estabelecimentos comerciais
que disponibilizam produtos de fácil acesso ao público em geral possuem o
direito de proteger seu patrimônio contra eventuais crimes, como furtos e
roubos. Para tanto, é natural que invistam em câmeras de vigilância, alarmes e
agentes de segurança privada, formando uma rede de monitoramento destinada a
coibir práticas criminosas.
Dentre os mecanismos de segurança
utilizados, destaca-se a atuação dos seguranças privados (próprios ou
terceirizados), cuja função inclui observar o comportamento dos consumidores e
identificar atitudes suspeitas.
Em caso de suspeita de furto,
esses agentes podem abordar os consumidores para esclarecimentos e, se
necessário, realizar revistas.
As abordagens são lícitas
quando feitas com respeito e educação
Vale ressaltar, contudo, que tal
procedimento é lícito, desde que conduzido de forma calma, educada, sem
excessos e sem submeter o consumidor a qualquer constrangimento.
Abordagens excessivas
configuram abuso de direito e ato ilícito
O art. 187 do Código Civil estabelece que:
Art. 187. Também comete ato
ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os
limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons
costumes.
A atuação da segurança privada em
estabelecimentos comerciais deve observar os limites da prudência e do
respeito, assegurando aos consumidores a prestação de um serviço de qualidade.
Abordagens que extrapolem esses
limites, expondo, constrangendo ou agredindo o consumidor, configuram excesso.
Nessas hipóteses, a conduta dos agentes de segurança caracteriza abuso de
direito e, consequentemente, ato ilícito.
Além das condutas subjetivas,
como o tratamento cordial, há critérios objetivos para aferição de excesso,
tais como: manter o tom de voz inalterado e evitar a realização de revistas em
locais de grande circulação.
É dever dos estabelecimentos
comerciais orientar seus funcionários para que tratem os clientes com dignidade
e respeito, mesmo quando houver suspeita da prática de crime no local.
Abordagens ou revistas ríspidas,
rudes ou vexatórias, especialmente aquelas que envolvam contato físico,
configuram abuso de direito e, por conseguinte, ato ilícito.
Crianças e adolescentes têm
proteção especial garantida pelo ECA
De modo geral, aplica-se aos
menores a mesma lógica utilizada para abordagens em adultos: são lícitas, mas
eventuais excessos caracterizam abuso de direito e configuram atos ilícitos.
Contudo, deve-se destacar que
crianças e adolescentes merecem proteção especial do sistema jurídico, com
legislação própria para disciplinar o seu tratamento.
Assim, diante da vulnerabilidade
peculiar de crianças e adolescentes, os cuidados em abordagens e revistas devem
ser ainda maiores que aqueles dispensados aos adultos. Os estabelecimentos
devem considerar a sensibilidade desses consumidores, pois violações à sua
integridade física, psíquica ou moral podem gerar traumas profundos e
duradouros.
Inversão do ônus da prova:
o estabelecimento deve provar que não houve excesso na abordagem
O art. 6º, VIII, do CDC assegura
como direito básico do consumidor a facilitação da defesa de seus direitos,
inclusive por meio da inversão do ônus da prova, quando a alegação for
verossímil ou quando o consumidor for hipossuficiente, segundo as regras
ordinárias de experiência.
Nas hipóteses em que o consumidor
alega excessos em abordagens por suspeita de furto, caberá ao estabelecimento
comercial o ônus de comprovar a licitude do procedimento, demonstrando a
inexistência de exposição, constrangimento ou agressão ao consumidor.
Ressalte-se que essa prova pode
ser produzida mais facilmente pelo fornecedor, que detém acesso às imagens de
câmeras de vigilância e aos relatos de testemunhas.
Em suma:
Configura indenização por danos morais a abordagem
excessiva de agente de segurança privada de supermercado à menor de idade, por
suspeita de prática de ato infracional análogo ao furto, causando situação
vexaminosa em frente aos outros clientes do estabelecimento comercial.
STJ. 3ª
Turma. REsp 2.185.387-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 13/5/2025 (Info
850).
Obs: a título de curiosidade, no
caso concreto, a autora recebeu uma indenização de R$ 6.000,00.
