sábado, 28 de junho de 2025
Qual é o prazo prescricional da ação que pede o ressarcimento ao SUS? Qual é seu termo inicial?
Ressarcimento ao SUS
O art. 32 da Lei nº 9.656/98 prevê que, se um cliente do
plano de saúde utilizar-se dos serviços do SUS, o Poder Público poderá cobrar
do referido plano o ressarcimento que ele teve com essas despesas. Veja:
Art. 32. Serão ressarcidos pelas operadoras dos
produtos de que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º desta Lei, de acordo com
normas a serem definidas pela ANS, os serviços de atendimento à saúde previstos
nos respectivos contratos, prestados a seus consumidores e respectivos
dependentes, em instituições públicas ou privadas, conveniadas ou contratadas,
integrantes do Sistema Único de Saúde - SUS. (Redação dada pela Medida
Provisória nº 2.177-44/2001)
Assim, o chamado “ressarcimento
ao SUS”, criado pelo art. 32 da Lei nº 9.656/98, é uma obrigação legal das
operadoras de planos privados de assistência à saúde de restituir as despesas
que o SUS teve ao atender uma pessoa que seja cliente e que esteja coberta por
esses planos.
Apenas a título de curiosidade,
na prática funciona assim:
1) O paciente é atendido em uma
instituição pública ou privada, conveniada ou contratada, integrante do SUS;
2) A Agência Nacional de Saúde
Suplementar (ANS) cruza os dados dos sistemas de informações do SUS com o
Sistema de Informações de Beneficiários (SIB) da própria Agência para
identificar as pessoas que foram atendidas na rede pública e que possuem plano de
saúde;
3) A ANS notifica a operadora
informando os atendimentos que realizou relacionados com seus clientes;
4) A operadora pode contestar
isso nas instâncias administrativas, dizendo, por exemplo, que aquele serviço
utilizado pelo seu cliente no SUS não era coberto pelo plano, que o paciente já
havia deixado de ser usuário do plano etc.
5) Não havendo impugnação
administrativa ou não sendo esta acolhida, a ANS cobra os valores devidos.
6) Caso não haja pagamento, a
operadora será incluída no CADIN e os débitos inscritos em dívida ativa da ANS
para, em seguida, serem executados.
7) Os valores recolhidos a título
de ressarcimento ao SUS são repassados pela ANS para o Fundo Nacional de Saúde.
O art. 32 da Lei nº
9.656/98 é constitucional? É válida a sistemática do ressarcimento ao SUS?
SIM.
É constitucional o ressarcimento previsto no art. 32 da Lei nº
9.656/98, o qual é aplicável aos procedimentos médicos, hospitalares ou
ambulatoriais custeados pelo SUS e posteriores a 4.6.1998, assegurados o
contraditório e a ampla defesa, no âmbito administrativo, em todos os marcos
jurídicos.
STF. Plenário. RE 597064/RJ, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em
7/2/2018 (Repercussão Geral – Tema 345) (Info 890).
Qual é o prazo
prescricional da ação que pede o ressarcimento ao SUS? Qual é seu termo
inicial?
Para responder a essas perguntas,
imagine a seguinte situação hipotética:
Regina é beneficiária de um plano
de saúde da Unimed.
Em março de 2018, Regina sofreu
um grave acidente de trânsito e foi levada imediatamente para um hospital
público onde foi submetida à cirurgia de emergência.
Dois anos depois, em 2020, a
Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) identificou através de seus
sistemas de cruzamento de dados que Regina, beneficiária da Unimed, havia sido
atendida pelo SUS.
A ANS então iniciou um processo
administrativo para apurar quanto a Unimed deveria ressarcir pelos custos do
atendimento de Regina.
Após todo o trâmite
administrativo, em dezembro de 2020, a ANS notificou a Unimed, cobrando o
ressarcimento de R$ 45.000,00 correspondentes aos custos da cirurgia,
internação e demais procedimentos realizados em Regina.
Como não houve o pagamento
voluntário, a ANS inscreveu o valor em dívida ativa e, em abril de 2020, iniciou
a execução fiscal cobrando o valor da operadora.
A Unimed apresentou embargos à
execução arguindo a prescrição com base nos seguintes argumentos:
• o ressarcimento ao SUS tem
natureza indenizatória, não administrativa;
• deveria ser aplicado o prazo prescricional de 3 anos
previsto no art. 206, § 3º, do Código Civil:
Art. 206. Prescreve:
(...)
§ 3º Em três anos:
(...)
V - a pretensão de reparação
civil;
• esse prazo deveria contar desde
março de 2018 (data do atendimento de Regina no SUS);
• como a execução só foi proposta
em abril de 2020, já havia transcorrido mais de 3 anos, configurando
prescrição.
A ANS refutou alegando que:
• a relação entre ANS e
operadoras é de natureza administrativa;
• o prazo correto é de 5 anos,
conforme o art. 1º do Decreto 20.910/32;
• a contagem só começa a partir
da notificação da decisão administrativa (dezembro de 2020);
• portanto, não houve prescrição.
O caso chegou ao STJ como
recurso repetitivo para definir essa controvérsia que afetava milhares de
processos similares em todo o país. O STJ acolheu os argumentos da Unimed ou da
ANS?
Da ANS.
A obrigação imposta às operadoras
de planos de saúde de ressarcirem os serviços de atendimento à saúde prestados
aos seus clientes pelas instituições integrantes do Sistema Único de Saúde -
SUS é regulamentada pela Lei nº 9.656/1998, que atribuiu à Agência Nacional de
Saúde Suplementar (ANS) a definição do procedimento para apuração dos valores
devidos.
Destaque-se, ainda, o disposto no art. 39 da Lei nº
4.320/1964 que trata da escrituração dos créditos da Fazenda Pública:
Art. 39. Os créditos da Fazenda
Pública, de natureza tributária ou não tributária, serão escriturados como
receita do exercício em que forem arrecadados, nas respectivas rubricas
orçamentárias.
Esse cenário - em que existe
obrigação decorrente de expressa previsão em lei, apuração de quantia devida em
prévio procedimento administrativo e inscrição dos valores não pagos em dívida
ativa - revela que a relação existente entre a Agência Nacional de Saúde
Suplementar e as operadoras de planos de saúde é regida pelo Direito
Administrativo, motivo pelo qual deve ser afastada a incidência do prazo
prescricional previsto no Código Civil.
O STJ possui firme jurisprudência
no sentido de que:
Nas demandas envolvendo pedido de ressarcimento ao Sistema Único
de Saúde pelas operadoras de planos ou segurados de saúde, incide o prazo
prescricional quinquenal, previsto no Decreto 20.910/1932, e não o disposto no
Código Civil, em observância ao princípio da isonomia.
STJ. 2ª Turma. REsp 1.728.843/RS, Rel. Min. Herman Benjamin,
julgado em 27/11/2018.
Além disso, o STJ também vem
decidindo que, por se tratar de cobrança de valores que, por expressa previsão
legal, devem ser apurados em prévio procedimento administrativo, o termo
inicial do prazo prescricional somente tem início após a notificação da cobrança
feita pela ANS (art. 32, § 3º, da Lei 9.656/1998).
Portanto, o STJ fixou a seguinte
tese:
Nas ações com pedido de ressarcimento ao Sistema
Único de Saúde de que trata o art. 32 da Lei n. 9.656/1998, é aplicável o prazo
prescricional de cinco anos previsto no Decreto n. 20.910/1932, contado a
partir da notificação da decisão administrativa que apurou os valores.
STJ. 1ª Seção.
REsp 1.978.141-SP e REsp 1.978.155-SP, Rel. Min. Afrânio Vilela, julgados em
14/5/2025 (Recurso Repetitivo - Tema 1.147) (Info 850).
