Dizer o Direito

segunda-feira, 16 de junho de 2025

Monitoramento por câmeras em via pública para investigação de tráfico de drogas configura ação controlada e exige autorização judicial prévia?

Imagine a seguinte situação hipotética:

No início do ano de 2024, a Polícia Civil passou a investigar suspeitas de tráfico de drogas envolvendo João.

Durante o curso dessas investigações, as autoridades passaram a monitorar duas residências. A polícia acreditava que essas casas estavam sendo utilizadas como pontos de armazenamento e venda de drogas.

Com base nas suspeitas, foi instalada uma câmera de segurança em um poste de energia elétrica, na via pública, em frente à residência de João.

A câmera gravou por cerca de 145 horas (6 dias) e, segundo os policiais, as imagens reforçaram as suspeitas da prática de tráfico.

Com base nesse material, a Polícia requereu a expedição de mandado de busca e apreensão, pedido que foi deferido pelo juiz.

As ordens foram cumpridas e resultaram na apreensão de grande quantidade de drogas.

João foi preso em flagrante e denunciado pelo Ministério Público pelo crime de tráfico de drogas.

A denúncia foi recebida.

A defesa impetrou habeas corpus alegando a nulidade das provas obtidas pelas filmagens, sob o argumento de que a instalação de uma câmera de monitoramento voltada exclusivamente para a entrada da residência de João, por seis dias consecutivos, configuraria uma “ação controlada”.

 

A ação controlada é uma técnica especial de investigação prevista na legislação brasileira, que permite retardar a intervenção policial em relação a uma prática criminosa, com o objetivo de monitorar a situação até o momento mais eficaz para a obtenção de provas e informações. Essa técnica é especialmente utilizada no combate ao crime organizado e é conhecida também como “flagrante prorrogado, retardado ou diferido”.

 

Ocorre que essa ação controlada teria sido ilegal porque o art. 53, II, da Lei nº 11.343/2006 exige prévia autorização judicial, o que não aconteceu no caso:

Art. 53. Em qualquer fase da persecução criminal relativa aos crimes previstos nesta Lei, são permitidos, além dos previstos em lei, mediante autorização judicial e ouvido o Ministério Público, os seguintes procedimentos investigatórios:

(...)

II - a não-atuação policial sobre os portadores de drogas, seus precursores químicos ou outros produtos utilizados em sua produção, que se encontrem no território brasileiro, com a finalidade de identificar e responsabilizar maior número de integrantes de operações de tráfico e distribuição, sem prejuízo da ação penal cabível.

 

Em outras palavras, a defesa argumentou que o monitoramento realizado por câmera instalada em via pública configura ação controlada e, portanto, precisaria de autorização judicial prévia.

 

O STJ concordou com os argumentos da defesa?

NÃO.

A diligência realizada consistiu apenas no monitoramento de um suspeito de tráfico de drogas, e não na execução de uma ação controlada, na forma descrita pela Lei de Drogas. Logo, não precisava de autorização judicial.

Conforme já decidiu o STJ:

A simples observação e monitoramento da movimentação do suspeito, com o objetivo de confirmar, de forma segura, a efetiva prática do crime de tráfico de drogas não configura ação controlada.

STJ. 5ª Turma. AgRg no AREsp 2.194.622/SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 14/2/2023.

 

O policial pode, em via pública, fazer as chamadas “campanas” e observar a movimentação suspeita em uma residência. Logo, não há razão lógica para se opor ao uso de tecnologia como meio substitutivo para essa mesma finalidade.

Assim, realizando o agente policial os registros por meio de uma câmera de vigilância ou até mesmo de um telefone celular, em um local público (via pública), não se ofende nenhuma garantia constitucional que resguarda a intimidade da pessoa investigada.

A câmera exclusivamente registrou a movimentação do investigado em espaço público, sem invasão à privacidade protegida constitucionalmente.

 

A tecnologia aumenta a segurança e fidelidade da prova

Vale mencionar, ainda, que o uso da tecnologia pelos policiais pode ser fomentado, pois traz segurança e fidelidade à qualidade epistemológica da prova, além de outras provas admissíveis. Isso se justifica pelo grande número de ocorrências e investigações de tráfico de drogas que conduzem os agentes diariamente, às vezes afetando a preservação integral da memória.

É importante considerar que a prova digitalizada será cada vez mais presente, especialmente após o advento das câmeras corporais.

 

Em suma:

O monitoramento realizado por câmera instalada em via pública não configura ação controlada e prescinde de autorização judicial, sendo diligência legítima para angariar indícios de prática criminosa. 

STJ. 5ª Turma. AgRg no RHC 203.030-SC, Rel. Min. Carlos Cini Marchionatti (Desembargador convocado do TJRS), julgado em 1º/4/2025 (Info 848).


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