terça-feira, 17 de junho de 2025
A pessoa com visão monocular tem direito à isenção do IPI na aquisição de veículo automotor?
Isenção de IPI para pessoas
com deficiência
IPI é a sigla para Imposto sobre
Produtos Industrializados. Trata-se de um tributo federal que incide sobre a
produção e a circulação de produtos industrializados.
Se uma pessoa com deficiência for adquirir um automóvel, ela
não precisará pagar o IPI sobre o veículo comprado. Isso fará com que o preço
por ela pago seja menor. Essa isenção está prevista no art. 1º da Lei nº
8.989/95:
Art. 1º Ficam isentos do Imposto
Sobre Produtos Industrializados – IPI os automóveis de passageiros de
fabricação nacional, equipados com motor de cilindrada não superior a dois mil
centímetros cúbicos, de no mínimo quatro portas inclusive a de acesso ao
bagageiro, movidos a combustíveis de origem renovável ou sistema reversível de
combustão, quando adquiridos por:
(...)
IV - pessoas com deficiência
física, visual, auditiva e mental severa ou profunda e pessoas com transtorno
do espectro autista, diretamente ou por intermédio de seu representante legal; (Redação dada pela Lei nº 14.287, de
2021)
Imagine agora a seguinte
situação hipotética:
João, portador de visão monocular no olho esquerdo,
protocolizou requerimento administrativo junto à Receita Federal solicitando a
isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para aquisição de
veículo automotor.
O pedido foi fundamentado no art. 1º, IV, da Lei nº
8.989/1995.
Para comprovar sua condição, João apresentou laudo médico
que atestava sua limitação visual e juntou sua Carteira Nacional de Habilitação
(CNH), válida e sem restrições impeditivas para condução de veículos.
Apesar disso, a Receita Federal indeferiu o pedido com
base em dois fundamentos principais:
1) A visão monocular não se enquadraria nos critérios
técnicos de deficiência visual definidos no Decreto nº 11.063/2022.
2) O fato de João possuir uma CNH válida e sem anotações
de restrição específica que indicasse necessidade de adaptação veicular ou
limitação para dirigir. Na visão da administração tributária, essa ausência de
restrição seria incompatível com o reconhecimento de uma deficiência capaz de
justificar a concessão do benefício fiscal.
Diante da negativa, João impetrou mandado de segurança argumentando
que a interpretação conferida pelo Fisco ampliava indevidamente as exigências
legais previstas para a fruição do benefício.
Sustentou que a Lei nº 8.989/1995 exige apenas a
demonstração da condição de pessoa com deficiência, não condicionando o direito
à isenção à existência de restrições na CNH ou à adaptação veicular.
Defendeu, ainda, a aplicação da Lei nº 14.126/2021, que
reconhece a visão monocular como deficiência visual, para todos os efeitos
legais, inclusive tributários:
Lei nº 14.126/2021
Art. 1º Fica a visão
monocular classificada como deficiência sensorial, do tipo visual, para todos
os efeitos legais.
Parágrafo único. O previsto
no § 2º do art. 2º da Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 (Estatuto
da Pessoa com Deficiência), aplica-se à visão monocular, conforme o disposto
no caput deste artigo.
O STJ concordou
com os argumentos do impetrante (João)?
SIM.
A administração tributária não pode exigir
restrição na CNH sem previsão legal
Nos termos do art. 1º, IV, da Lei nº 8.989/1995 (com
redação da Lei nº 14.287/2021), a isenção do IPI é assegurada a pessoas com
deficiência física, visual, auditiva, mental severa ou profunda e a pessoas com
transtorno do espectro autista.
A administração tributária deve respeitar o princípio da
legalidade, não podendo exigir condições não previstas em lei:
Nos termos do § 6º do art. 150 da CF/1988 e do art. 2º, caput e
§ 2º, do Decreto-Lei n. 4.657/1942, a isenção estabelecida pela Lei n.
8.989/1995, em favor dos portadores de deficiência, deve ser regulada
exclusivamente pelas disposições legais nela veiculadas, entre as quais não se
encontra a comprovação da regularidade fiscal.
Hipótese em que o Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu
acertadamente não ser necessária a comprovação da regularidade fiscal para
fruição do benefício, uma vez que essa condição não se encontra prevista em
lei.
STJ. 1ª Turma. REsp 1.822.097/RS, Rel. Min. Gurgel de Faria,
julgado em 5/9/2019.
O Fisco negou a isenção sob o argumento de que o autor é
habilitado para dirigir automóveis de passeio, sem qualquer restrição na CNH.
Essa circunstância demonstraria a ausência de deficiência severa ou profunda e
a inexistência de barreira para participação na sociedade.
Ocorre que a Lei nº 8.989/1995 não faz qualquer exigência
de restrição em relação à CNH daquele que pleiteia a isenção do IPI. Para a
concessão do benefício, basta a demonstração do quadro de deficiência, nos
termos da lei. Nesse sentido:
A exigência de anotação restritiva na CNH como requisito para
isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados-IPI para Pessoa com
Deficiência não possui amparo na Lei 8.989/1995, que não exige, em momento
algum, essa anotação.
A Lei nº 8.989/1995 prevê o benefício fiscal para as Pessoas com
Deficiência que atenderem aos requisitos impostos em seu texto e não relaciona
a apresentação de CNH com anotação restritiva como critério de concessão.
STJ. 1ª Turma. AREsp 1.591.926/RS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia
Filho, julgado em 18/2/2020.
Visão monocular é reconhecida legalmente como
deficiência visual
O § 2º do art. 1º da Lei nº 8.989/1995, que estabelecia
critérios objetivos para definição de deficiência visual, foi expressamente
revogado pela Lei nº 14.287/2021. Portanto, não pode mais servir como base para
indeferimento do benefício.
A Lei nº 14.126/2021, por sua vez, é clara ao afirmar:
Art. 1º Fica a visão monocular
classificada como deficiência sensorial, do tipo visual, para todos os efeitos
legais.
Logo, com a revogação do critério anterior e a nova
definição legal, a visão monocular deve ser reconhecida como deficiência visual
também para fins de isenção do IPI.
Finalidade da norma fiscal exige interpretação
inclusiva
O STJ tem interpretado a norma isentiva de forma a
privilegiar a inclusão social das pessoas com deficiência:
A garantia da concessão da isenção do IPI incidente sobre a
aquisição de veículo destinado à pessoa com deficiência é interpretada pelo
Superior Tribunal de Justiça no sentido de privilegiar a inclusão da pessoa com
deficiência e não a restrição ao pleito ao benefício tributário.
STJ. AREsp 1.584.479, Rel. Min. Francisco Falcão, DJe de
11/11/2019.
Além disso, o próprio STJ, por meio da Súmula 377, já
reconheceu que o portador de visão monocular tem direito de concorrer às vagas
reservadas a deficientes em concursos públicos. A jurisprudência deve ser
coerente: onde há a mesma razão, deve haver a mesma solução jurídica (ubi
eadem ratio, ibi eadem legis dispositio).
Em suma:
O portador de visão monocular tem direito à isenção
do Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI na aquisição de veículo
automotor.
A Lei nº 8.989/1995 não faz qualquer exigência de
restrição na CNH como condição para o reconhecimento da isenção do IPI,
bastando a demonstração do quadro de deficiência.
STJ. 2ª
Turma. REsp 2.185.814-RS, Rel. Min. Afrânio Vilela, julgado em 22/4/2025 (Info
848).
DOD Teste:
revisão em perguntas
É obrigatória a existência
de restrição na CNH para concessão da isenção de IPI na aquisição de veículo
por pessoa com deficiência?
Não. A Lei 8.989/1995 não exige
qualquer restrição na CNH como condição para a concessão do benefício. A
administração tributária deve atuar dentro dos limites legais, não podendo
exigir condições não previstas em lei. Basta a demonstração do quadro de
deficiência nos termos da legislação.
A habilitação para dirigir
sem restrições impede o reconhecimento da deficiência para fins tributários?
Não. A capacidade de dirigir sem
restrições na CNH não afasta a condição de pessoa com deficiência visual. A lei
não estabelece como requisito a existência de limitações para dirigir, sendo
suficiente a comprovação médica da deficiência visual.
A visão monocular é
considerada deficiência visual para fins de isenção de IPI na aquisição de
veículos?
Sim. Com a revogação do § 2º do
art. 1º da Lei 8.989/1995 pela Lei 14.287/2021 e a entrada em vigor da Lei
14.126/2021, que classifica expressamente a visão monocular como deficiência
visual para todos os efeitos legais, a pessoa com visão monocular tem direito à
isenção.
Qual é o impacto da
revogação do § 2º do art. 1º da Lei 8.989/1995 para a definição de deficiência
visual?
A revogação eliminou os critérios
específicos que antes definiam deficiência visual para fins de isenção de IPI
(acuidade visual igual ou menor que 20/200 ou campo visual inferior a 20°). Com
isso, deve-se aplicar a definição geral de deficiência visual, incluindo a
visão monocular conforme estabelecido pela Lei 14.126/2021.
Como deve ser interpretada
a norma de isenção de IPI para pessoas com deficiência?
Deve ser conferida interpretação
teleológica e sistêmica, privilegiando a finalidade social da norma isentiva
para inclusão e maior garantia de direitos às pessoas com deficiência. O STJ
interpreta essas normas no sentido de privilegiar a inclusão da pessoa com
deficiência, não a restrição ao benefício tributário.
