quinta-feira, 19 de junho de 2025
Cabe agravo de instrumento contra a decisão do juiz que corrige, de ofício, o valor da causa?
Imagine a seguinte situação
hipotética:
João ajuizou uma ação contra
Pedro relacionado com a disputa de um imóvel.
O autor atribuiu à causa o valor
de R$ 5.000,00.
Ao analisar a petição, o juiz
entendeu que o valor atribuído à causa era irrisório diante do verdadeiro
proveito econômico pretendido, já que a disputa envolvia um imóvel que custava
R$ 500 mil.
Assim, corrigiu de ofício o valor
da causa para R$ 500 mil, valor que julgou mais condizente com os efeitos
patrimoniais da ação, e determinou que João complementasse as custas
processuais no prazo de 15 dias, sob pena de extinção do processo.
Em tese, é possível que o juiz corrija, de ofício, o valor da causa?
SIM. O juiz pode corrigir, de ofício, o valor da causa,
conforme expressamente autoriza o art. 292, § 3º, do CPC:
Art. 292 (...)
§ 3º O juiz corrigirá, de ofício
e por arbitramento, o valor da causa quando verificar que não corresponde ao
conteúdo patrimonial em discussão ou ao proveito econômico perseguido pelo
autor, caso em que se procederá ao recolhimento das custas correspondentes.
Voltando ao caso concreto:
João não concordou e interpôs
agravo de instrumento.
O Tribunal de Justiça não
conheceu do agravo de instrumento, afirmando que essa hipótese não está prevista
no rol do art. 1.015 do CPC e que não havia urgência que justificasse sua
apreciação imediata, podendo a questão ser examinada posteriormente em
preliminar de apelação.
Ainda inconformado, João interpôs
recurso especial sustentando o cabimento de agravo de instrumento neste caso.
O STJ deu provimento ao
recurso? Cabe agravo de instrumento contra a decisão do juiz que corrige, de
ofício, o valor da causa?
NÃO. Isso porque essa hipótese
não se encontra prevista no rol do art. 1.015 do CPC e não existe urgência.
O art. 1.015 do CPC/2015 prevê as hipóteses de cabimento do
agravo de instrumento:
Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento
contra as decisões interlocutórias que versarem sobre:
I - tutelas provisórias;
II - mérito do processo;
III - rejeição da alegação de
convenção de arbitragem;
IV - incidente de desconsideração da
personalidade jurídica;
V - rejeição do pedido de gratuidade
da justiça ou acolhimento do pedido de sua revogação;
VI - exibição ou posse de documento ou
coisa;
VII - exclusão de litisconsorte;
VIII - rejeição do pedido de limitação
do litisconsórcio;
IX - admissão ou inadmissão de
intervenção de terceiros;
X - concessão, modificação ou
revogação do efeito suspensivo aos embargos à execução;
XI - redistribuição do ônus da prova
nos termos do art. 373, § 1º;
XII - (VETADO);
XIII - outros casos expressamente
referidos em lei.
Segundo decidiu o STJ, o art.
1.015 do CPC/2015 traz um rol de taxatividade mitigada.
O que isso significa?
• Em regra, somente cabe agravo
de instrumento nas hipóteses listadas no art. 1.015 do CPC/2015.
• Excepcionalmente, é possível a
interposição de agravo de instrumento fora da lista do art. 1.015, desde que
preenchido um requisito objetivo: a urgência.
O rol do art. 1.015 do CPC é de taxatividade mitigada, por isso
admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência
decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação.
STJ. Corte Especial. REsp 1704520-MT, Rel. Min. Nancy Andrighi,
julgado em 05/12/2018 (Recurso Repetitivo – Tema 988) (Info 639).
No caso concreto, conforme já
explicado, a decisão que corrige, de ofício, o valor da causa não se enquadra
em nenhum dos incisos do art. 1.015 do CPC e não é urgente.
Assim, eventual questionamento
quanto ao valor da causa poderá ser deduzido em preliminar de apelação, com
possibilidade de restituição de valores pagos indevidamente ou em excesso,
mediante o procedimento adequado. Igualmente, poderá ser requerida a concessão
da gratuidade da justiça, caso comprovada a insuficiência de recursos da parte,
nos termos dos arts. 98 e 99 do CPC.
Vale ressaltar que a decisão
interlocutória que corrige o valor da causa não se confunde com a hipótese do
inciso V do art. 1.015 do CPC, que trata da rejeição do pedido de gratuidade da
justiça ou acolhimento do pedido de sua revogação. O valor da causa é elemento
essencial da petição inicial (arts. 291 e 319, V, do CPC), ainda que a demanda
não tenha conteúdo econômico imediato. Já a gratuidade da justiça é benefício
legal concedido à parte que demonstre insuficiência de recursos (art. 98 do
CPC). Trata-se, portanto, de institutos distintos e não intercambiáveis.
Em linha semelhante, a 4ª Turma
do STJ decidiu que:
A decisão que determina, sob pena de extinção do processo, a
emenda ou a complementação da petição inicial não é recorrível por meio de
agravo de instrumento.
STJ. 4ª Turma. AgInt nos EDcl no AREsp 2.434.903/RJ, Rel. Min.
Raul Araújo, julgado em 29/5/2024.
Em suma:
O pronunciamento judicial que corrige de ofício o
valor da causa não está sujeito ao recurso de agravo de instrumento, seja
porque a decisão não consta expressamente do rol do art. 1.015 do CPC, seja
porque não há urgência decorrente da inutilidade de sua apreciação em momento
posterior.
STJ. 3ª
Turma. REsp 2.186.037-AM, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 20/3/2025 (Info
849).
