Dizer o Direito

quinta-feira, 12 de junho de 2025

No julgamento de habeas corpus, não cabe ao Tribunal acrescer fundamentos para justificar a prisão preventiva mantida na sentença condenatória sem qualquer fundamentação concreta

Imagine a seguinte situação hipotética:

João foi acusado de sequestro, cárcere privado, roubo majorado e extorsão mediante sequestro. Durante o processo, ele permaneceu preso preventivamente.

Ao final da instrução criminal, o juiz proferiu sentença condenatória contra João, aplicando-lhe a pena de 9 anos de reclusão em regime fechado.

No capítulo da sentença que tratou sobre o direito de recorrer em liberdade, o magistrado simplesmente escreveu: “Deixo de conceder a liberdade ao réu, em razão da pena aplicada.”

Não houve qualquer análise sobre a persistência dos motivos que justificaram a prisão preventiva inicialmente. O juiz não mencionou se ainda existiam riscos à ordem pública, se havia possibilidade de fuga ou se as medidas cautelares alternativas seriam insuficientes. Limitou-se apenas a citar a quantidade de pena aplicada.

A defesa de João impetrou habeas corpus no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, alegando ausência de fundamentação para manter a prisão preventiva após a condenação.

 

TJ manteve a prisão, mas com base em argumentos que não estavam na sentença

O TJRS, contudo, denegou a ordem.

Em sua decisão, o tribunal acrescentou argumentos que não estavam presentes na sentença impugnada.

O TJ justificou a manutenção da prisão cautelar afirmando que “decretada a segregação cautelar como forma de garantia da ordem pública, sobrevindo condenação, resultam reforçados os argumentos deduzidos para a decretação da prisão preventiva.”

Inconformada, a defesa recorreu ao STJ, argumentando que houve constrangimento ilegal pela ausência de fundamentação concreta na sentença e que o tribunal não poderia suprir essa omissão acrescentando fundamentos próprios.

Segundo argumentou a defesa, o Tribunal não pode acrescer fundamentos para justificar a prisão preventiva que foi mantida na sentença condenatória sem qualquer fundamentação concreta.

 

O STJ concordou com os argumentos da defesa?

SIM.

O art. 387, § 1º, do CPP prevê que, ao proferir sentença condenatória, o juiz deverá decidir, fundamentadamente, sobre a imposição ou a manutenção da prisão preventiva ou de outra medida cautelar:

Art. 387 (...)

§ 1º O juiz decidirá, fundamentadamente, sobre a manutenção ou, se for o caso, a imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar, sem prejuízo do conhecimento de apelação que vier a ser interposta.

 

Conforme vimos acima, a sentença manteve a prisão cautelar afirmando apenas: “Deixo de conceder a liberdade aos réus, em razão da pena aplicada.”

Essa fundamentação é manifestamente insuficiente, pois:

• Não há fundamentação concreta para a manutenção da segregação cautelar;

• O juízo limitou-se a mencionar a quantidade de pena aplicada;

• Não pontuou que persistiriam os motivos autorizadores da custódia cautelar.

 

O Tribunal de Justiça, por sua vez, indevidamente acresceu fundamentação para a denegação da ordem, tentando suprir a omissão do Juízo de origem.

Contudo, a jurisprudência do STJ é firme no sentido de que não cabe ao Tribunal acrescer fundamentos inexistentes na decisão que mantém a prisão preventiva.

Nesse sentido:

O acréscimo de fundamentos na via do habeas corpus, pelo Tribunal local, não se presta a suprir a ausente motivação do Juízo natural, sob pena de, em ação concebida para a tutela da liberdade humana, legitimar-se o vício do ato constritivo ao direito de locomoção do paciente.

STJ. 6ª Turma. AgRg no HC 903.795/RO, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, DJe de 4/9/2024.

 

Em suma:

No julgamento de habeas corpus, não cabe ao Tribunal acrescer fundamentos para justificar a prisão preventiva mantida na sentença condenatória sem qualquer fundamentação concreta. 

STJ. 6ª Turma. RHC 212.836-RS, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 20/3/2025 (Info 847).


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