segunda-feira, 8 de dezembro de 2025
Compete à Justiça Comum Estadual julgar ação decorrente de bloqueio de conta em plataforma digital (ex: Uber, Ifood etc.) quando não houver pedido de reconhecimento de vínculo empregatício
Imagine a seguinte situação
hipotética:
João trabalhava como entregador
pela plataforma James Delivery há cerca de dois anos, utilizando sua própria
motocicleta para realizar entregas na cidade de São Paulo.
Certo dia, ao tentar acessar o
aplicativo para iniciar seu expediente, João descobriu que sua conta havia sido
bloqueada, sem qualquer notificação prévia ou explicação por parte da
plataforma.
João tentou contato pelos canais
de atendimento da empresa, mas não obteve sucesso em reverter a situação ou
sequer compreender o motivo do bloqueio.
Diante disso, ele ajuizou ação de
obrigação de fazer cumulada com indenização por danos materiais e morais na
Justiça Estadual.
Na petição inicial, ele pediu a
reativação de sua conta na plataforma, o pagamento de lucros cessantes
correspondente ao período em que ficou impossibilitado de trabalhar e
indenização por danos morais em razão do bloqueio arbitrário.
João não pleiteou o
reconhecimento de vínculo empregatício nem o pagamento de verbas trabalhistas
como FGTS, férias ou 13º salário.
O juiz estadual, contudo,
declinou da competência para a Justiça do Trabalho, entendendo que a relação
entre João e a plataforma seria de natureza trabalhista.
De acordo com o STJ, agiu
corretamente o juiz estadual?
NÃO.
A competência material é definida a partir da causa de
pedir e dos pedidos formulados na petição inicial. Esse critério decorre da
própria estrutura do processo civil brasileiro, em que o autor delimita os
contornos da lide por meio de sua manifestação inaugural.
Em palavras mais simples: a competência da Justiça Comum
ou da Justiça do Trabalho deve ser definida com base na causa de pedir (os
fatos e fundamentos jurídicos do pedido) e no pedido formulado na ação.
Se o autor não busca o reconhecimento de vínculo
empregatício, nem valores típicos da relação de emprego (como FGTS, férias
etc.), o caso não atrai a competência da Justiça do Trabalho.
Ao analisar a petição inicial de João, verifica-se que os
pedidos tinham natureza eminentemente civil.
O autor requereu a reativação de sua conta na plataforma,
a condenação da ré ao pagamento de lucros cessantes e indenização por danos
morais em razão do bloqueio arbitrário.
Não foi feito qualquer pedido de reconhecimento de
vínculo empregatício nem de pagamento de verbas rescisórias típicas da relação
de trabalho, como FGTS, férias, 13º salário ou aviso prévio. Todos os pedidos
decorriam do suposto inadimplemento contratual por parte da plataforma,
configurando pretensão de natureza civil.
A relação entre trabalhadores e plataformas digitais de
delivery e transporte é uma relação de prestação de serviço autônomo, de cunho
eminentemente civil, e não relação de emprego.
Para que se caracterize relação de emprego, é necessária
a presença simultânea dos seguintes requisitos: pessoalidade, habitualidade,
subordinação e onerosidade. Na ausência de algum desses pressupostos, o
trabalho caracteriza-se como autônomo ou eventual.
As ferramentas tecnológicas disponíveis atualmente
permitiram criar uma nova modalidade de interação econômica, fazendo surgir a
chamada economia compartilhada (sharing economy).
Nesse modelo, a prestação de serviços por detentores de
veículos particulares é intermediada por aplicativos geridos por empresas de
tecnologia. Os motoristas e entregadores, executores da atividade, atuam como
empreendedores individuais, sem vínculo de emprego com a empresa proprietária
da plataforma.
A plataforma digital funciona como meio intermediador da
contratação pactuada entre o prestador de serviço e o consumidor final.
Trata-se de atividade inserida no cenário da gig economy, em que
trabalhadores independentes realizam tarefas sob demanda, sem os vínculos
tradicionais da relação empregatícia.
Em suma:
Compete à Justiça Comum Estadual (e não à Justiça do
Trabalho) o julgamento da demanda relativa a bloqueio de conta em plataforma
digital de delivery, se não houver pedido de reconhecimento de vínculo
trabalhista ou verbas típicas da relação de trabalho.
STJ. 2ª Seção.
CC 214.451-SP, Rel. Min. Daniela Teixeira, julgado em 16/9/2025 (Info 870).
DOD Plus: julgados
correlatos
Compete à Justiça comum, e
não à Justiça do Trabalho, julgar demanda ajuizada por motorista de aplicativo
em face da empresa gestora de plataforma digital, tendo em vista a relação de
natureza civil existente entre as partes
A relação entre o motorista e a plataforma digital (ex: Uber) é
de natureza civil. Isso porque não estão presentes os requisitos
caracterizadores da relação de emprego, dentre eles a não eventualidade e a
subordinação.
A plataforma digital atua apenas como intermediadora da
contratação entre motorista e consumidor, configurando prestação de serviço
autônomo no contexto da gig economy e da economia compartilhada.
No caso concreto, o autor (ex-motorista da Uber) ingressou com
ação de indenização por ter sido excluído da plataforma. Neste caso, a
competência para julgamento da demanda é da Justiça Comum estadual considerando
que a pretensão possui natureza eminentemente civil, conforme o pedido e a
causa de pedir.
STJ. 3ª Turma. REsp 2.144.902-MG, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas
Cueva, julgado em 3/12/2024 (Info 838).

