sábado, 6 de dezembro de 2025
A Defensoria Pública tem direito ao prazo em dobro também nos procedimentos regulados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente
Imagine a seguinte situação
hipotética:
O Ministério Público ajuizou uma
ação, na Vara da Infância e Juventude, pedindo a suspensão do contato entre uma
criança de 7 anos e seus avós, sob o argumento de que isso estaria sendo
prejudicial à saúde da criança.
O pedido do MP foi baseado no
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
O juiz acolheu o pedido e
suspendeu as visitas.
Os avós, assistidos juridicamente
pela Defensoria Pública do Estado, interpuseram agravo de instrumento para
tentar reverter a decisão.
Qual é o prazo para a interposição de agravo de instrumento nos
procedimentos especiais regidos pelo ECA?
10 dias, nos termos do art. 198, II, do ECA:
Art. 198. Nos procedimentos
afetos à Justiça da Infância e da Juventude, inclusive os relativos à execução
das medidas socioeducativas, adotar-se-á o sistema recursal da Lei nº 5.869, de
11 de janeiro de 1973 (Código de Processo Civil), com as seguintes adaptações:
(...)
II - em todos os recursos, salvo
nos embargos de declaração, o prazo para o Ministério Público e para a defesa
será sempre de 10 (dez) dias;
(...)
Vale ressaltar que o prazo no ECA
é contado em dias corridos (não é em dias úteis, como no CPC).
Esse prazo de 10 dias
corridos não foi alterado pelo CPC/2015, que prevê o prazo de 15 dias úteis?
NÃO.
Aos procedimentos regidos pelo Estatuto da Criança e do
Adolescente aplica-se o sistema recursal do CPC mas com as adaptações previstas
no art. 198 do ECA. Isso significa que, com exceção dos embargos de declaração,
o prazo aplicável será de 10 dias e contado em dias corridos, nos termos dos
arts. 152, § 2º e 198, inciso II do ECA.
STJ. 3ª Turma. AgInt no AREsp 2.350.227/RS, Rel. Min. Humberto
Martins, julgado em 4/9/2023.
Até mesmo o recurso especial
interposto nos procedimentos do ECA segue o prazo de 10 dias:
Os recursos especiais são intempestivos, pois foram interpostos
após o prazo de 10 dias previsto no ECA.
STJ. 5ª Turma. AREsp 2.309.946/PR, Rel. Min. Daniela Teixeira,
julgado em 3/12/2024.
Voltando ao caso concreto:
O agravo foi interposto no 14º
dia após a intimação da decisão.
O Tribunal de Justiça do Paraná
não conheceu do recurso alegando que ele foi intempestivo porque apresentado
fora do prazo de 10 dias previsto no art. 198, II, do ECA.
O TJ afirmou que o prazo em dobro previsto para a Defensoria
Pública não se aplicaria por força do art. 152, § 2º do ECA:
Art. 152. Aos procedimentos
regulados nesta Lei aplicam-se subsidiariamente as normas gerais previstas na
legislação processual pertinente.
(...)
§ 2º Os prazos estabelecidos
nesta Lei e aplicáveis aos seus procedimentos são contados em dias corridos,
excluído o dia do começo e incluído o dia do vencimento, vedado o prazo em
dobro para a Fazenda Pública e o Ministério Público. (Incluído pela Lei nº
13.509, de 2017)
Os avós interpuseram recurso
especial argumentando que a lei só exclui expressamente o prazo em dobro para o
Ministério Público e a Fazenda Pública (não para a Defensoria).
Além disso, destacou que, por ter
menos estrutura e por não poder recusar atendimentos, a Defensoria precisa
dessa prerrogativa para garantir um processo justo.
O STJ concordou com esses
argumentos? A prerrogativa de prazo em dobro para a Defensoria Pública
aplica-se aos procedimentos regulados pelo ECA?
SIM.
Conforme vimos acima, o art. 152,
§ 2º, do ECA, com a redação dada pela Lei nº 13.509/2017, veda o prazo em dobro
apenas à Fazenda Pública e ao Ministério Público, sem mencionar a Defensoria
Pública. Isso não foi uma falha, um lapso do legislador, mas sim uma escolha
deliberada. É aquilo que chamamos de “silêncio eloquente”.
Durante o processo legislativo, a
versão inicial do projeto de lei até mencionava a Defensoria Pública como uma
das instituições que não teria direito ao prazo em dobro. O Congresso Nacional,
contudo, deliberadamente, retirou essa parte antes da aprovação final da lei.
Portanto, o legislador optou conscientemente por manter a prerrogativa da
Defensoria.
O art. 128, I, da LC n. 80/1994
assevera que são prerrogativas dos membros da Defensoria Pública “receber,
inclusive quando necessário, mediante entrega dos autos com vista, intimação
pessoal em qualquer processo e grau de jurisdição ou instância administrativa,
contando-se-lhes em dobro todos os prazos”.
No mesmo sentido, o art. 186,
caput, do CPC, sustenta que a Defensoria Pública “gozará de prazo em dobro para
todas as suas manifestações processuais”.
Como deve ser compreendida
a isonomia material entre Defensoria Pública, Ministério Público e Fazenda
Pública no contexto dos prazos processuais?
A isonomia material exige tratar
desigualmente os desiguais na medida de suas desigualdades, superando a
concepção meramente formal de igualdade.
A Defensoria Pública, apesar de
sua relevância constitucional, não dispõe da mesma estrutura institucional,
recursos humanos e materiais de que gozam o Ministério Público e a Fazenda
Pública. Essas diferenças estruturais e funcionais justificam o tratamento
diferenciado quanto aos prazos processuais, não configurando privilégio
injustificado, mas mecanismo de equalização destinado a garantir paridade real
de armas no processo.
Negar essa prerrogativa violaria
a própria isonomia ao exigir que instituição estruturalmente mais frágil atue
em idênticas condições temporais daquelas que dispõem de maior aparato.
A celeridade dos procedimentos do
ECA, embora constitucional e legalmente assegurada, não pode comprometer o
direito fundamental ao acesso qualificado à justiça e à ampla defesa.
No mesmo sentido:
O Tribunal Superior entendeu que a vedação do prazo em dobro
prevista no art. 152, § 2º, da Lei n. 8.069/1990 se aplica apenas à Fazenda
Pública e ao Ministério Público, não havendo menção à Defensoria Pública, cuja
prerrogativa de prazo em dobro está expressamente prevista no art. 128, I, da
Lei Complementar n. 80/1994 e no art. 186, caput, do CPC.
A jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de que, nos
procedimentos vinculados à Justiça da Infância e Juventude, os prazos para
manifestação da Defensoria Pública devem ser contados em dobro e em dias
corridos, conforme os arts. 152, caput e § 2º, da Lei n. 8.069/1990 e o art.
186, caput, do CPC.
A aplicação do prazo em dobro para a Defensoria Pública não
contraria a celeridade dos procedimentos afetos à Justiça da Infância e
Juventude, sendo uma prerrogativa legal que visa garantir a ampla defesa e o
contraditório.
STJ. 4ª Turma. REsp 2.152.603/MG, Rel. Min. João Otávio de
Noronha, julgado em 13/10/2025.
Nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça,
nos procedimentos afetos à Justiça da Infância e da Juventude, aplica-se o
prazo recursal decenal do art. 198, II, do ECA, contado em dobro para a
Defensoria Pública, conforme dispõe o art. 186, caput, do CPC.
STJ. 3ª Turma. REsp 2.212.651/PR, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas
Cueva, julgado em 15/9/2025.
Em suma:
A prerrogativa de prazo em dobro para a Defensoria
Pública aplica-se aos procedimentos regulados pelo Estatuto da Criança e do
Adolescente.
STJ. 4ª
Turma. Resp 2.139.217-PR, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em
27/10/2025 (Info 870).
Como o assunto já foi cobrado em prova:
Ano: 2024 Banca: Fundação Universidade Empresa de Tecnologia
e Ciências - FUNDATEC
Prova: FUNDATEC - DPE SC - Defensor Público - 2024
Assinale a alternativa correta conforme a jurisprudência do
STJ.
A. Considerando o melhor interesse da criança e o princípio
da especialidade, nos prazos expressamente previstos pelo Estatuto da Criança e
do Adolescente (ECA), não há contagem em dobro para a Defensoria Pública.
(Incorreto)

