segunda-feira, 25 de março de 2019

Em caso de descumprimento do § 3º do art. 941 do CPC haverá nulidade do acórdão, mas não do julgamento




Ordem dos processos nos Tribunais
Os arts. 929 a 946 trazem regras prevendo como serão os julgamentos dos processos nos Tribunais.
Esses dispositivos disciplinam tanto os processos originários como os recursos a serem julgados pelos Tribunais.

Princípio da colegialidade das decisões dos Tribunais
Nos tribunais, os processos que lá tramitam devem ser julgados, em regra, por um grupo de magistrados, cada um dando o seu voto sobre o tema, de forma que a decisão será o entendimento firmado pela maioria (ou unanimidade) dos julgadores. Trata-se do princípio da colegialidade das decisões dos Tribunais.

Relator
Em todo processo que tramita em Tribunal, será sorteado um julgador que exercerá a função de “relator”.
O “relator” será o magistrado que irá ter contato inicial e mais direto com os autos. O processo irá ser distribuído para seu gabinete e lá ele preparará um relatório sobre o caso e o seu voto. O relator poderá também requerer diligências, decidir pedidos de urgência, entre outras atribuições previstas no Regimento Interno do Tribunal.

Atribuições do Relator
O art. 932 do CPC prevê as atribuições do Relator. Vale a pena conhecer:
Art. 932.  Incumbe ao relator:
I - dirigir e ordenar o processo no tribunal, inclusive em relação à produção de prova, bem como, quando for o caso, homologar autocomposição das partes;
II - apreciar o pedido de tutela provisória nos recursos e nos processos de competência originária do tribunal;
III - não conhecer de recurso inadmissível, prejudicado ou que não tenha impugnado especificamente os fundamentos da decisão recorrida;
IV - negar provimento a recurso que for contrário a:
a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal;
b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;
c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;
V - depois de facultada a apresentação de contrarrazões, dar provimento ao recurso se a decisão recorrida for contrária a:
a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal;
b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;
c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;
VI - decidir o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, quando este for instaurado originariamente perante o tribunal;
VII - determinar a intimação do Ministério Público, quando for o caso;
VIII - exercer outras atribuições estabelecidas no regimento interno do tribunal.
Parágrafo único. Antes de considerar inadmissível o recurso, o relator concederá o prazo de 5 (cinco) dias ao recorrente para que seja sanado vício ou complementada a documentação exigível.

Voto do Relator
Após estudar o processo, o Relator irá preparar o seu “voto”.
O voto é a análise jurídica feita pelo Desembargador (se for em TJ/TRF) ou Ministro (em caso de Tribunais Superiores) a respeito daquele processo.

Inclusão em pauta
Depois que o Relator concluir o seu voto, ele deverá devolver os autos à Secretaria do Tribunal e esse processo estará pronto para ser “pautado”, ou seja, já poderá ser marcada uma data para este processo ser julgado pelo colegiado.
Art. 931. Distribuídos, os autos serão imediatamente conclusos ao relator, que, em 30 (trinta) dias, depois de elaborar o voto, restituí-los-á, com relatório, à secretaria.

Obs: o prazo do art. 931 é impróprio, ou seja, o seu descumprimento não gera consequências processuais.

Presidente do colegiado faz a pauta
Quem faz a pauta, isto é, quem define o dia em que o processo será levado a julgamento é o presidente do colegiado:
Art. 934. Em seguida, os autos serão apresentados ao presidente, que designará dia para julgamento, ordenando, em todas as hipóteses previstas neste Livro, a publicação da pauta no órgão oficial.

Art. 935. Entre a data de publicação da pauta e a da sessão de julgamento decorrerá, pelo menos, o prazo de 5 (cinco) dias, incluindo-se em nova pauta os processos que não tenham sido julgados, salvo aqueles cujo julgamento tiver sido expressamente adiado para a primeira sessão seguinte.
§ 1º Às partes será permitida vista dos autos em cartório após a publicação da pauta de julgamento.
§ 2º Afixar-se-á a pauta na entrada da sala em que se realizar a sessão de julgamento.

Ordem de julgamento
Art. 936. Ressalvadas as preferências legais e regimentais, os recursos, a remessa necessária e os processos de competência originária serão julgados na seguinte ordem:
I - aqueles nos quais houver sustentação oral, observada a ordem dos requerimentos;
II - os requerimentos de preferência apresentados até o início da sessão de julgamento;
III - aqueles cujo julgamento tenha iniciado em sessão anterior; e
IV - os demais casos.

Análise do voto do relator na sessão de julgamento
A conclusão exposta no voto do Relator não irá, necessariamente, prevalecer. Isso porque os demais magistrados que compõe o colegiado poderão, durante a sessão de julgamento, discordar e apresentar votos em sentido diferente.
Assim, o Relator irá ler o seu voto e os demais membros do colegiado irão dizer se concordam ou não com as conclusões expostas.
O resultado do julgamento pode ser unânime (quando todos os membros do colegiado concordam entre si) ou por maioria (quando no mínimo um magistrado discorda dos demais).
O que irá prevalecer é a posição da maioria (ou unanimidade).

Resultado do julgamento
Proferidos os votos, o presidente do colegiado anunciará o resultado do julgamento:
Ex1: a 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça, por unanimidade, nos termos do voto do Desembargador Relator Raimundo Nonato, deu provimento à apelação.
Ex2: a 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por maioria, nos termos do voto do Desembargador Federal Júlio Verne, negou provimento ao agravo de instrumento. Ficou vencida a Desembargadora Federal Maria Esther de Bueno, que dava provimento ao agravo de instrumento.
Ex3: a 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça, por maioria, vencido o Relator, não conheceu da apelação. Lavrará o acórdão o Desembargador Francisco Silva.

Desse modo, o presidente anuncia o resultado do julgamento e informa se:
• o voto do Relator foi acompanhado pela maioria ou unanimidade do colegiado (situação na qual ele redigirá o acórdão); ou
• se o Relator ficou vencido indicando, neste caso, qual será o magistrado que irá redigir o acórdão no lugar do Relator. Talvez você já tenha visto um acórdão com essa situação. Fica registrado assim: “Redator para acórdão Desembargador/Ministro Fulano de Tal”.

Redator para acórdão
Caso o Relator tenha sido vencido (seu voto não foi acompanhado pelos demais), o Redator para o acórdão será o Desembargador/Ministro que, depois de que o Relator apresentou seu voto, foi o primeiro a discordar, apresentando posição divergente.
Veja o que diz o CPC:
Art. 941.  Proferidos os votos, o presidente anunciará o resultado do julgamento, designando para redigir o acórdão o relator ou, se vencido este, o autor do primeiro voto vencedor.

Voto vencido deve constar no acórdão
Como vimos acima, o resultado do julgamento pode ser:
• por unanimidade (quando todos os membros do colegiado concordam entre si); ou
• por maioria (quando no mínimo um magistrado discorda dos demais).

Se for por maioria, o(s) voto(s) vencido(s) deve(m) constar obrigatoriamente no acórdão. É o que determina o § 3º do art. 941 do CPC:
Art. 941 (...)
§ 3º O voto vencido será necessariamente declarado e considerado parte integrante do acórdão para todos os fins legais, inclusive de pré-questionamento.

Assim, segundo o CPC/2015, o acórdão é composto pela totalidade dos votos, ou seja, não apenas os votos vencedores, mas também os vencidos. (FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Da ordem do processo nos tribunais. In: WAMBIER, Teresa et al. Breves comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015. p. 2.101)

Fundamentação das decisões judiciais
O § 3º do art. 941 do CPC existe para que o Poder Judiciário cumpra o seu dever de fundamentar as decisões judiciais (art. 93, IX, da CF/88), observando o devido processo legal.
Este dispositivo tem uma importância endo e exraprocessual.
• Sob o ponto de vista endoprocessual, o § 3º do art. 941 garante às partes o conhecimento integral do debate prévio ao julgamento, permitindo o exercício pleno da ampla defesa;
• Sob o aspecto extraprocessual, esta norma confere à sociedade o poder de controlar a atividade jurisdicional, assegurando a independência e a imparcialidade do órgão julgador.

A publicação do(s) voto(s) vencido(s) permite que a comunidade jurídica possa conhecer outros fundamentos diversos daquele que prevaleceu. Assim, embora os argumentos do voto vencido não constituam a razão de decidir (ratio decidendi) do colegiado, eles têm o condão de instigar e ampliar a discussão acerca das questões julgadas pelas Cortes brasileiras e pode, inclusive, sinalizar uma forte tendência do tribunal à mudança de posicionamento.

Função atribuída ao voto vencido
Fredie Didier aponta as finalidades do voto vencido:
“a) Ao se incorporar ao acórdão, o voto vencido agrega a argumentação e as teses contrárias àquela que restou vencedora; isso ajuda no desenvolvimento judicial do Direito, ao estabelecer uma pauta a partir da qual se poderá identificar, no futuro, a viabilidade de superação do precedente (art. 489, § 1º, VI, e art. 927, §§ 2º, 3º, e 4º, CPC).
b) O voto vencido, por isso, funciona como uma importante diretriz na interpretação da ratio decidendi vencedora: ao se conhecer qual posição se considerou como vencida fica mais fácil compreender, pelo confronto e pelo contraste, qual tese acabou prevalecendo no tribunal. Por isso, o voto vencido ilumina a compreensão da ratio decidendi.
c) Além disso, o voto vencido demonstra a possibilidade de a tese vencedora ser revista mais rapidamente, antes mesmo de a ela ser agregada qualquer eficácia vinculante, o que pode fragilizar a base da confiança, pressuposto fático indispensável à incidência do princípio da proteção da confiança (...). O voto vencido mantém a questão em debate, estimulando a comunidade jurídica a discuti-la.
d) Note, ainda, que a inclusão do voto vencido no acórdão ratifica regra imprescindível ao microssistema de formação concentrada de precedentes obrigatórios: a necessidade de o acórdão do julgamento de casos repetitivos reproduzir a íntegra de todos os argumentos contrários e favoráveis à tese discutida.” (arts. 984, § 2º, e 1.038, § 3º, CPC). (Curso de Direito Processual Civil. V. 3. 15ª ed. Salvador: JusPodivm, 2018. p. 47)

Há nulidade do acórdão e do julgamento caso o § 3º do art. 941 do CPC seja descumprido? Há nulidade se o voto vencido não tiver sido juntado ao acórdão?
• Haverá nulidade do acórdão.
• Não haverá nulidade do julgamento (salvo se o resultado proclamado não refletir a vontade da maioria).

A inobservância da regra do § 3º do art. 941 do CPC constitui vício de atividade ou erro de procedimento (error in procedendo). Isso porque se trata de um vício não relacionado com o teor do julgamento em si, mas sim com a condução do procedimento de lavratura e publicação do acórdão.
O acórdão representa apenas a materialização do julgamento.
Assim, haverá a nulidade do acórdão (por não conter a totalidade dos votos declarados). No entanto, o simples descumprimento do § 3º do art. 941 não gera a nulidade do julgamento, se o resultado proclamado refletir, com exatidão, a conjunção dos votos proferidos pelos membros do colegiado.

O que significa isso, na prática?
Significa que, se o STJ reconhecer que o TJ ou TRF descumpriu o § 3º do art. 941, ele deverá:
• anular o acórdão proferido e
• determinar que o TJ ou TRF promova a republicação do acórdão após a juntada do(s) voto(s) vencido(s).

Por outro lado, não será necessário um novo julgamento, salvo se ficar demonstrado que, além de descumprir o § 3º do art. 941, houve vício no próprio julgamento, ou seja, a tese vencedora não foi aquela que constou como majoritária.


Resumindo:
O § 3º do art. 941 do CPC/2015 prevê que:
§ 3º O voto vencido será necessariamente declarado e considerado parte integrante do acórdão para todos os fins legais, inclusive de pré-questionamento.

Há nulidade do acórdão e do julgamento caso o § 3º do art. 941 do CPC seja descumprido? Há nulidade se o voto vencido não tiver sido juntado ao acórdão?
• Haverá nulidade do acórdão.
• Não haverá nulidade do julgamento (salvo se o resultado proclamado não refletir a vontade da maioria).
Em suma: haverá nulidade do acórdão que não contenha a totalidade dos votos declarados; por outro lado, não haverá nulidade do julgamento, se o resultado proclamado refletir, com exatidão, a conjunção dos votos proferidos pelos membros do colegiado.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.729.143-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 12/02/2019 (Info 642).



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